Voto
PROCESSO: 00058.044598/2022-05
RELATOR: TIAGO SOUSA PEREIRA
DA COMPETÊNCIA
A Lei n.º 11.182, de 27 de setembro de 2005, dispõe que cabe à Agência adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento e fomento da aviação civil, da infraestrutura aeronáutica e aeroportuária do País, atuando com independência, legalidade, impessoalidade e publicidade (art. 8º, caput).
Ademais, foi conferida à ANAC competência para regular e fiscalizar a infraestrutura aeronáutica e aeroportuária e conceder ou autorizar a exploração da infraestrutura aeroportuária, no todo ou em parte (art. 8º, incisos XXI e XXIV, c.c. art. 11, inciso VI). O regulamento de criação da ANAC, prevê, ainda, atribuição à Diretoria desta Agência para o exercício de seu poder normativo.
No âmbito do Regimento Interno da ANAC (Resolução n.º 381, de 14 de junho de 2016), compete à Superintendência de Regulação Econômica de Aeroportos – SRA, submeter à Diretoria proposta de medidas regulatórias para o aprimoramento da regulação tarifária de infraestrutura aeroportuária (art. 41, inciso I, alínea i).
A Portaria nº 219/GC-5/2001 é remanescente do extenso rol de normas herdadas pela ANAC ainda em vigor e exerce, mesmo que de forma complementar e residual, efeitos sobre os regulados. Ademais, a própria Lei nº 11.182/2005 determina a substituição dos regramentos herdados por regulamentação própria da Agência.
Portanto, a proposta de ato normativo, objeto da presente deliberação, encaminhada pela SRA, que deverá substituir integralmente a Portaria do Comando da Aeronáutica n.º 219/GC-5, de 27 de março de 2001, é matéria de competência da Diretoria Colegiada da ANAC.
DA ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO
A Portaria nº 219/GC-5, de 27 de março de 2001, estabelece a estrutura tarifária aplicável às atividades de armazenagem e capatazia para as cargas importadas e a serem exportadas, bem como critérios relativos à operação dessas atividades no sítio aeroportuário. Contudo, desde sua publicação, houve significativa alteração do contexto da regulação econômica de aeroportos no Brasil, como o avanço do regimento aduaneiro, evoluções procedimentais e tecnológicas da Receita Federal do Brasil e de outros órgãos anuentes, além de aprimoramentos da abordagem regulatória da Anac no âmbito dos Contratos de Concessão.
A substituição da referida Portaria tem por objetivo estabelecer um normativo que disponha sobre aspectos que ainda se fazem relevantes e necessários às atividades de armazenagem e capatazia da carga aérea internacional e que correspondam à realidade atual da atividade nos diversos aeroportos, considerando as referidas transformações recentes do setor e a evolução dos procedimentos adotados pelos órgãos anuentes.
Dito isso, após o cumprimento da etapa de Consulta Pública[1] e já com o crivo da Procuradoria Federal junto a ANAC[2], é apresentada versão final da proposta de ato normativo[3] para apreciação deste Colegiado. Em breve síntese, as principais alterações promovidas no documento base se referem aos seguintes pontos:
Contagem do período de armazenagem
Operação da carga internacional por diferentes agentes
Utilização dos serviços do TECA e incidência das tarifas
Da não incidência das tarifas de armazenagem e capatazia sobre as aeronaves em voo
Isenções tarifárias
De partida, ratifico as análises empreendidas pela Superintêndencia de Regulação Econômica de Aeroportos - SRA e considero que a proposta alcança os objetivos designados. Ao tempo que simplifica o normativo, eliminando conteúdo obsoleto, deixa claro sua aplicabilidade exclusivamente (i) às cargas que efetivamente utilizem recintos alfandegados operados ou sob responsabilidade direta da administração aeroportuária; e (ii) aos aeroportos que foram concedidos pelo Governo Federal, aplicando-se de forma subsidiária às cláusulas estabelecidas nos contratos de concessão, e aos aeroportos cuja exploração foi atribuída à Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero).
A proposta também prevê a exclusão das tabelas tarifárias, que originalmente constavam na Portaria nº 219. Isso ocorre porque os contratos de concessão já apresentam a estrutura tarifária aplicável no Anexo 4 – Tarifas, não cabendo ao novo ato normativo interferir no modelo de regulação tarifária estabelecido. Nos aeroportos operados pela Infraero, a proposta sugere que, caso existam recintos alfandegados, a empresa pública tenha autonomia para definir a estrutura tarifária a ser aplicada.
As modificações propostas estão discutidas em detalhes nas Nota Técnicas SRA nº 50/2024/GERE/SRA[4][5] e nº 105/2024/GERE/SRA[6] , que servem de fundamento para este voto. Passo, então, à análise de mérito das alterações apresentadas.
Contagem do período de armazenagem
A proposta levada à Consulta Pública[7] gerou preocupação entre as Concessionárias e Operadoras dos Terminais de Carga (TECA), pois definia que a contagem do período de armazenagem em "dias úteis" fosse atrelada ao funcionamento dos órgãos governamentais necessários para a liberação e retirada de carga importada ou para o embarque de carga a ser exportada.
Isto posto, nota-se que o conceito de funcionamento dos órgãos públicos é de difícil aferição, visto que a liberação da carga pode requerer a presença física e atuação das autoridades no recinto ou pode se dar à distância, de forma eletrônica e automatizada (a exemplo da parametrização da carga como canal verde). Além do que, pode imputar aos operadores dos TECAS o ônus das greves e paralisações dos órgãos anuentes.
Ante o exposto, a opção regulatória foi de alterar a forma de contagem do período de armazenagem, passando-se a adotar, como parâmetro de “dia útil”, para fins de cobrança das tarifas, o dia em que o TECA estiver em funcionamento, não mais dependendo do efetivo funcionamento dos órgãos públicos envolvidos.
Da operação da carga internacional por diferentes agentes
Após a etapa de consulta pública, a SRA reformulou a redação do artigo 3°, com a inclusão de um caput e três parágrafos, de modo a trazer maior clareza ao normativo. Embora concorde com a alteração proposta, pois atende ao objetivo de aprimorar a compreensão do artigo, considero desnecessária a inclusão do §2°, entendendo que este não agrega valor significativo ao texto.
Nesse sentido, proponho a exclusão do atual §2°, com a renumeração do §3° para §2°. Essa mudança visa preservar a objetividade e evitar redundâncias no dispositivo, visto que cada contrato de concessão já entabula quais as regras de acesso às áreas aeroportuárias aplicáveis a cada aeroporto concedido.
Ademais, reforço que essa revisão normativa não tem o condão de ampliar ou alterar as disposições relativas ao acesso às áreas do sítio aeroportuário para atividades de armazenagem e capatazia da carga importada e a ser exportada. Além do que o disposto nesta proposta de resolução aplicar-se-á subsidiariamente às disposições constantes nos respectivos contratos de concessão.
Assim, a nova redação redação do artigo 3° seria:
Art. 3º. As cargas importadas ou a serem exportadas poderão ser recebidas e permanecer sob guarda e controle de recintos alfandegados operados por terceiros, no sítio aeroportuário, mediante contratos de arrendamento de área específica para esse fim, observada a legislação aplicável.
§ 1º Devem ser observadas as disposições contratuais relativas ao acesso às áreas aeroportuárias e à remuneração pelo seu uso.
§ 2º As disposições sobre as tarifas de armazenagem e capatazia e suas isenções, estabelecidas nessa Resolução, não se aplicam aos serviços ofertados pelos arrendatários aos usuários.
Sobre a utilização dos serviços do TECA e incidência das tarifas
Reforça-se que a proposta normativa[3] esclarece, em seu artigo 4°, quais são os elementos definidores para a incidência das tarifas pelos serviços do TECA, com isso apresenta-se que as tarifas de armazenagem e capatazia não incidem sobre cargas importadas ou a serem exportadas que não utilizem os serviços de armazenagem, guarda, movimentação e manuseio ofertados pela administração aeroportuária no recinto alfandegado operado sob sua responsabilidade.
Ou seja, buscou-se delimitar o escopo de incidência das tarifas de armazenagem e capatazia às cargas que efetivamente utilizam o recinto alfandegado operado pela administração aeroportuária, isto é, que permaneçam sob guarda da Concessionária em área delimitada por ela para desembaraço aduaneiro.
De maneira complementar, isenta a Concessionária responsabilidade sobre as cargas importadas e a serem exportadas que não permanecerem sob guarda do recinto alfandegado operado sob sua responsabilidade, desobrigando-a assim de assumir o ônus resultante de indenização de qualquer natureza.
Da não incidência das tarifas de armazenagem e capatazia sobre as aeronaves em voo
Ressalto que nas contribuições[1] houve elevado descontentamento com o proposto no artigo 10 por parte dos operadores aeroportuários. Propôs-se que sobre as aeronaves importadas ou a serem exportadas que chegam ao aeroporto em voo e permanecem nos pátios de aeronaves, durante o período de despacho aduaneiro, serão devidas as tarifas de pouso e de permanência aplicáveis, nos termos das disposições contratuais e regulamentares vigentes.
É válido apontar que, em razão das próprias características, tais aeronaves não são armazenadas nos TECAs, ficando estacionadas nos pátios ou áreas de estadia do aeroporto, enquanto aguardam o desembaraço aduaneiro. Não há, assim, uma diferenciação nítida entre essas aeronaves e aquelas em operação no aeroporto, em relação à infraestrutura aeroportuária empregada. Nessa esteira, também se observa que a Concessionária não efetua qualquer movimentação da aeronave, visto que toda movimentação necessária é conduzida pelo próprio operador aéreo, por necessitar muitas vezes de acompanhamento de piloto ou mecânico habilitados.
Em contraponto, os operadores aeroportuários discordam dessa lógica, sob o argumento de que, a despeito da utilização da infraestrutura como uma aeronve, o aeroporto ainda é o depositário fiel dessa aeronave enquanto perdurar o desembaraço aduaneiro, o que lhe acarreta responsabilidades e dispêndios (reais ou potenciais) em face da regulamentação aduaneira.
Nesse sentido, é pertinente refletir sobre o fato de que, até meados de 2019, havia uma isenção tarifária automática por 30 dias para as aeronaves importadas, e que não há relatos anteriores a 2019 que abordem os custos significativos para os aeroportos ao receber essas aeronaves, que, na época, gozavam de uma isenção de longa duração. Contudo, com a redução do período de isenção de 30 para 5 dias, pela Resolução nº 519/2019, ficou evidenciado o impacto considerável da cobrança da tarifa de armazenagem, que é calculada como um percentual sobre o valor CIFdas aeronaves importadas.
Logo, do ponto de vista regulatório, é necessário estabelecer bases mais razoáveis para a remuneração aos aeroportos pelos serviços prestados a importadores de aeronaves nesta situação, visto que, na prática, pode se imputar uma excessiva onerosidade às aeronaves importadas pela cobrança das tarifas de armazenagem e capatazia aplicáveis às cargas importadas armazenadas no TECA.
Das isenções
Quanto às isenções tem-se como principal mudança a ampliação do período de isenção de tarifas para a armazenagem de cargas, passando de 5 (cinco) para 10 (dez) dias corridos. A alteração proposta é detalhada no artigo 11 da proposta, que estabelece que as cargas, desde que não ultrapassem o limite de 10 (dez) dias corridos de armazenagem, continuam dispensadas do despacho concessivo de isenção, conforme estipulado pela Lei nº 6.009/1973. A proposta também mantém a lista atual de mercadorias isentas, sem a criação de novas isenções. Rememora-se que, anteriormente, a Portaria nº 219/GC-5, de 2001 concedia isenção por 30 (trinta) dias, antes da implementação da isenção de 5 dias da Resolução nº 519/2019.
Ademais, para os aeroportos cujos contratos de concessão foram firmados entre 2021 e 2023, o período de isenção continuará sendo de 5 (cinco) dias corridos, de modo a evitar desequilíbrios contratuais. Isso ocorre porque os processos licitatórios realizados nas 6ª e 7ª rodadas, bem como na relicitação do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, ocorreram dentro do período em que a isenção de 5 (cinco)dias estava em vigor (período da Resolução nº 519/2019). A ampliação do período de isenção para 10 (dez) dias poderia gerar a necessidade de reequilíbrio financeiro dos contratos, razão pela qual a minuta propõe a manutenção do prazo de 5 (cinco) dias para esses casos específicos.
Outrosim, até a 5ª rodada, o período de isenção vigente à época da licitação correspondia a 30 dias (período original da Portaria 219), de modo que a alteração posterior promovida pela Resolução 519 foi benéfica às Concessionárias. Logo, a isenção de 10 (dez) dias permanece positiva para essas concessões, não se tratando, portanto, de reequilíbrio a favor dessas concessionárias.
Quanto à proposição do período de vacatio legis de 90 dias, entendo como adequada, para proporcionar tempo hábil à internalização dos regulados das modificações aqui propostas.
Ante todo o exposto, considerando que a proposta normativa alcança os objetivos designados, ao harmonizar as necessidades do setor com as condições contratuais e as políticas públicas vigentes, acolho os fundamentados apresentados pela SRA[4] [5], os quais adoto como razões de decidir do presente voto.
VOTO
Ante o exposto, VOTO FAVORAVELMENTE à aprovação da Resolução que dispõe sobre as tarifas de armazenagem e capatazia aplicáveis sobre a carga importada e a ser exportada, em substituição integral da Portaria do Comando da Aeronáutica n.º 219/GC-5, de 27 de março de 2001, nos termos propostos pela Superintendência de Regulação Econômica de Aeroportos - SRA, conforme minuta anexa (SEI 10477886), com os ajustes propostos no item 2.11 e 2.13 do presente Voto.
É como voto.
TIAGO SOUSA PEREIRA
Diretor
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Despacho GERE 9403765 e Relação Contribuições CP 09/2023 (SEI nº 9403740), Relação Contribuições CP 09/2023 - Anexos (SEI nº 9403748) e Relação Contribuições CP 09/2023 - Anexos planilhas (SEI nº 9403758)
Despacho 623/2024/PROT/PFEANAC/PGF/AGU (10401067)
Proposta de Ato (Normativo, Decisão etc.) de Ato (10477886)
Tabela Comparativa (SEI nº 10709521)
Proposta de Ato (Normativo, Decisão etc.) 8922804
| Documento assinado eletronicamente por Tiago Sousa Pereira, Diretor, em 23/01/2025, às 11:02, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 4º, do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020. |
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SEI nº 10777258 |