Voto
PROCESSO: 00065.035057/2023-70
RELATOR: TIAGO SOUSA PEREIRA
DA COMPETÊNCIA
A Lei n.º 11.182, de 27 de setembro de 2005, em seu art. 8º, incisos X, XXXV e XLIII, estabelece a competência da Agência para regular e fiscalizar, entre outros aspectos, os serviços aéreos, a segurança da aviação civil, a habilitação de tripulantes e demais atividades da aviação civil; reprimir infrações à legislação e aplicar as sanções cabíveis; bem como decidir, em último grau, sobre as matérias de sua competência.
Por sua vez, o art. 65 da Lei n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, dispõe que os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada.
Nos mesmos moldes, há previsão na Resolução ANAC n.º 472, de 6 de junho de 2018, de que a competência para o julgamento de Pedido de Revisão cabe à Diretoria da Agência. A referida Resolução estabelece, ainda, que a admissibilidade do pedido à Diretoria Colegiada será aferida pela autoridade competente para julgamento em instância anterior - no caso em tela, a própria Diretoria Colegiada da Agência.
Ainda, o Regimento Interno da ANAC, Anexo à Resolução n.º 381, de 14 de junho de 2016, em seu artigo 9º, inciso XXVIII, atribui à Diretoria da ANAC, em regime de colegiado, analisar, discutir e decidir, em instância administrativa final, as matérias de competência da Agência.
Nesse sentido, resta evidente a competência da Diretoria Colegiada da Agência para analisar e julgar a matéria em apreço nos autos deste processo.
da ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO
Conforme exposto no Relatório, trata-se de Pedido de Revisão apresentado pelo Sr. Adalton Silva dos Santos perante decisão da Diretoria Colegiada desta Agência (SEI 9352252), que determinou a aplicação de multa no valor de R$ 32.291,18 (trinta e dois mil, duzentos e noventa e um reais e dezoito centavos), cumulada com sanção restritiva de direitos, na forma de cassação de todas as suas licenças e habilitações.
Da análise dos autos, observa-se que o interessado foi regularmente notificado da emissão do auto de infração em seu desfavor, ocasião em que foi oportunizado prazo para apresentação de defesa prévia, protocolada tempestivamente junto a esta Agência. A decisão de primeira instância foi emitida pela Superintendência de Pessoal da Aviação Civil (SPL), sobre a qual o autuado interpôs recurso administrativo tempestivo. Posteriormente, a Diretoria Colegiada, na análise recursal, manteve a decisão da SPL em todos os seus termos. Desta forma, o curso dos atos confirma a observância do contraditório e da ampla defesa, bem como a regularidade processual.
Em face do pedido de revisão, protocolado nos autos em momento posterior à decisão administrativa de última instância, forçoso se faz analisar a natureza da peça interposta, bem como seus efeitos e desdobramentos processuais.
Nesse sentido, algumas constatações preliminares precisam ser destacadas à luz dos ditames da Lei n.º 9.784/99 que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal e da Resolução n.º 472/18 que estabelece providências administrativas decorrentes do exercício das atividades de fiscalização sob competência da ANAC.
A primeira delas é de que o pedido de revisão não possui natureza jurídica de um recurso administrativo propriamente dito, embora guarde certos contornos recursais. É o que se depreende do próprio título do Capítulo XV da Lei n.º 9.784/99, quando se destina a disciplinar os temas “Do Recurso Administrativo e da Revisão”, deixando claro que se referem a institutos díspares.
No mesmo dispositivo legal, verifica-se que o Pedido de Revisão é remédio jurídico que pode ser interposto a qualquer tempo e que não permite o agravamento da pena, tampouco possui efeito suspensivo. Contudo, a sua utilidade jurídica está sobreposta ao cumprimento irrestrito de algumas formalidades legais.
Em palavras mais precisas, tal remédio jurídico é admitido somente quando do surgimento de fatos novos (que podem mesmo ser fatos anteriores, só posteriormente conhecidos) ou circunstâncias relevantes, suficientes para motivar a inadequação da sanção aplicada. Acerca disso, colaciona-se o disposto no art. 65, da Lei n.º 9.784/99:
“Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada.
Parágrafo único. Da revisão do processo não poderá resultar agravamento da sanção.”
A respeito dos parâmetros jurídicos que definem os conceitos de “fatos novos” e “circunstâncias relevantes”, conforme preconizado no dispositivo legal supracitado, adoto as premissas estabelecidas no Parecer nº 00485/2016/PROT/PFANAC/PGF/AGU[1] da Procuradoria Federal junto à ANAC, abaixo transcrito:
a) Fatos Novos - Fatos novos são aqueles não levados em consideração no processo original de que resultou a sanção por terem ocorrido a posteriori. O sentido de "novo" no texto guarda relação com o tempo de sua ocorrência e, por conseguinte, com sua ausência para análise ao tempo em que se apurava a infração. O fato novo pode alterar profundamente a conclusão antes firmada, protagonizando convicção absolutória no lugar do convencimento sancionatório adotado na ocasião. Surgindo fato dessa natureza, não seria mesmo justo que perdurasse a sanção, decorrendo daí que esta deve ser anulada ou modificada conforme a hipótese, mas não mantida da forma como foi imposta.
Do exposto não é difícil notar que, se um fato já existia ao momento em que tramitava o processo original, mas, por qualquer razão, não foi levado em conta na apreciação global do processo, talvez por culpa (desinteresse ou inércia) do próprio administrado, não se pode considerar o evento como fato novo. O pedido revisional, por isso, deve ser indeferido.
b) Circunstâncias relevantes - Circunstâncias relevantes também são fatos justificadores da alteração do ato punitivo, mas enquanto a ideia de fatos novos se baseia no fator tempo, considerado o momento da tramitação do processo, a de circunstâncias relevantes leva em conta não o tempo, mas a importância do fato para chegar-se à revisão da sanção.
Se um fato, por exemplo, ocorreu ao tempo em que tramitava o processo original, mas não era conhecido do interessado e da Administração, não pode caracterizar-se como novo, mas se for fundamental para o acolhimento do pedido de revisão deve qualificar-se como circunstância relevante, porque o fundamental, nesse caso, é a importância de que se reveste para a apreciação final do pedido revisional. A descoberta de determinado documento já existente à época do fato, mas desconhecido pelas partes, é circunstância relevante, se necessário para justificar a injustiça da punição.
Em síntese, as alegações apresentadas pelo interessado questionam a adequação da sanção de cassação de suas licenças e habilitações por ferir os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Também apresenta caso julgado por esta Agência no qual, a seu ver, haveria novo entendimento da Agência perante as práticas de lançamentos inexatos em CIV Digital.
As alegações não merecem prosperar. Na verdade, o pleito revisional não traz fatos novos ou circunstâncias que já não tenham sido consideradas no julgamento realizado por este Colegiado.
Mister destacar que, ao contrário do que afirma o interessado, não há penas distintas para o que, em suas palavras, seriam "casos análogos". Ao contrário, esta Agência envida hercúleo trabalho para que todos os julgamentos, nas instâncias julgadoras e recursais, levem em conta o conjunto completo de elementos fáticos apresentados pelas áreas técnicas, as manifestações do regulado em sede de defesa, documentos obtidos junto a provedores de serviços aéreos, enfim, todo um conjunto robusto de evidências e manifestações que forneçam aos julgadores, em particular a este Colegiado, elementos para formar sua convicção e dosar, respeitados todos os princípios da Administração Pública, a pena aplicada ao regulado ante a constatação de infrações aos regulamentos de aviação civil brasileiros.
Reexaminando detidamente os autos, constato que o aeronauta em epígrafe obteve certificações de pessoal junto a esta Agência desrespeitando frontalmente os requisitos de experiência utilizados internacionalmente como baliza para garantir que os pilotos detenham a experiência operacional necessária para o exercício de suas atividades. Destaco o Parecer no 30/2023/CMCP/GCEP/SPL (SEI 8398662), no qual se atesta que, para a obtenção da habilitação multimotor (MLTE), o regulado não possuía uma única hora de voo em tal tipo de aeronave. Tal conduta reforça que a cassação de todas as licenças e habilitações do aeronauta foi a medida imperativa tomada pela Agência para reprimir a prática de infração gravíssima, que violou de forma inadmissível a estrutura regulatória do sistema de aviação civil, especialmente por terem sido cometidas fraudes na comprovação de requisitos que visaram atestar o cumprimento de instruções e/ou experiências de voos do candidato a uma licença/habilitação junto à ANAC.
Relembro que a Agência tem por principal objetivo garantir à sociedade que os regulados por ela certificados atendam aos padrões de segurança estabelecidos. A repressão a condutas lesivas que induzem o poder público a atestar uma certificação, quando, na verdade, as informações prestadas são fraudulentas, é punida proporcionalmente ao cometimento da falta - qual seja, com a penalidade de cassação. No caso concreto, o afastamento do infrator do sistema de aviação civil pelo maior prazo regulamentar possível é a medida que melhor atende ao interesse público no intuito de preservar a excelência da segurança da aviação civil brasileira, além de desencorajar esse tipo de conduta por outros profissionais da aviação.
Resta, portanto, indubitável a não observância dos pressupostos legais de admissibilidade da Revisão, quais sejam, a manifestação de fatos novos ou de circunstâncias suscetíveis de demonstrar a inadequação da pena aplicada.
Por fim, aproveito a oportunidade para lembrar que o regulado apresentou pedido de parcelamento do crédito de multa constituído em seu desfavor, que implica, conforme art. 6 da Resolução ANAC no 621, "confissão irretratável da dívida quanto aos débitos indicados para compor o parcelamento". Dessa forma, se vale de dois institutos, de forma contraditória, para deles extrair vantagens inconciliáveis - por um lado, o parcelamento suspende a exigibilidade do crédito, postergando sua execução integral por parte do poder público, com a contrapartida da confissão da dívida por parte do devedor; por outro lado, o regulado se vale da revisão para questionar, num ciclo interminável, decisão tomada há quase 18 meses, plenamente fundamentada nos autos.
do voto
Ante o exposto, VOTO pelo NÃO CONHECIMENTO do Pedido de Revisão (SEI 11502132) apresentado pelo interessado ADALTON SILVA DOS SANTOS, em face da inexistência de fatos novos ou circunstâncias relevantes que justifiquem a inadequação das sanções aplicadas, mantendo-se a decisão desta Diretoria Colegiada (SEI 9352252) em todos os seus termos.
Encaminhem-se os autos à Superintendência de Pessoal da Aviação Civil - SPL para as providências cabíveis.
É como voto.
TIAGO SOUSA PEREIRA
Diretor
[1] Parecer nº. 00485/2016/PROT/PFANAC/PGF/AGU (SEI 0290128)
| Documento assinado eletronicamente por Tiago Sousa Pereira, Diretor, em 03/06/2025, às 16:10, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 4º, do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020. |
| A autenticidade deste documento pode ser conferida no site https://sei.anac.gov.br/sei/autenticidade, informando o código verificador 11579961 e o código CRC B544137B. |
SEI nº 11579961 |