Timbre

Voto

PROCESSO: 00065.038940/2023-11

INTERESSADO: ARISTIDES COSTA ALBUQUERQUE

RELATOR: ricardo bisinotto catanant

 

fundamentação legal

A Lei nº 11.182, de 27 de setembro de 2005, em seu art. 8º, incisos X, XXXV e XLIII, combinada com a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, estabelece a competência da Agência para regular e fiscalizar as atividades de aviação civil e reprimir infrações à legislação, bem como revisar, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, os processos administrativos de que resultem sanções: 

 

Lei nº 11.182/2005

Art. 8º Cabe à ANAC adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento e fomento da aviação civil, da infraestrutura aeronáutica e aeroportuária do País, atuando com independência, legalidade, impessoalidade e publicidade, competindo-lhe:

X – regular e fiscalizar os serviços aéreos, os produtos e processos aeronáuticos, a formação e o treinamento de pessoal especializado, os serviços auxiliares, a segurança da aviação civil, a facilitação do transporte aéreo, a habilitação de tripulantes, as emissões de poluentes e o ruído aeronáutico, os sistemas de reservas, a movimentação de passageiros e carga e as demais atividades de aviação civil;

XXXV – reprimir infrações à legislação, inclusive quanto aos direitos dos usuários, e aplicar as sanções cabíveis;

XLIII –  decidir, em último grau, sobre as matérias de sua competência;

 

Lei nº 9.784/1999

Art. 65. Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada.

.

A Resolução ANAC nº 472, de 6 de junho de 2018, em seu art. 50, é atribuída à Diretoria da ANAC o papel para exercer a revisão de processos administrativos de que trata o art. 65 de Lei nº 9.784, de 1999. Essa Resolução estabelece, ainda, que a admissibilidade do pedido à Diretoria Colegiada será aferida pela autoridade competente para julgamento em instância anterior - no caso em tela, a própria Diretoria Colegiada da Agência.

Pelo exposto, restam atendidos os requisitos de competência quanto à elaboração da proposta, deliberação e decisão.

análise

Conforme exposto no Relatório de Diretoria (SEI 10977760), trata-se de análise de pedido de revisão apresentado pelo senhor Aristides Costa Albuquerque (SEI 10946499) em face de deliberação da Diretoria Colegiada desta Agência, em grau de segunda instância, relativa ao Auto de Infração nº 2503.I/2023 (SEI 9097637).

Na 22ª Reunião Deliberativa Eletrônica da Diretoria Colegiada, realizada nos dias 6 a 7/8/2024, a Diretoria Colegiada decidiu pela aplicação de sanção de multa no valor de R$ 10.826,32 (Dez mil oitocentos e vinte e seis reais e trinta e dois centavos), cumulada com sanção restritiva de direitos, na forma de cassação de todas as licenças e habilitações do aeronauta. Reitera-se que, para a definição da sanção pecuniária, foi considerado que a decisão em primeira instância deveria ter deferido a solicitação de arbitramento sumário da multa e, portanto, utilizado, no cálculo da sanção pecuniária, valor de multa unitária equivalente a 50% (cinquenta por cento) do valor médio da penalidade cominada à infração, conforme disposto no art. 28 da Resolução nº 472, de 2018.

Inconformado, o interessado protocolou, em 10/9/2024, pedido de revisão (SEI 10535418) no qual pleiteou: que fosse revista e conhecida a prescrição do caso; e que fosse revista a aplicação da penalidade de cassação.

Na 31ª Reunião Deliberativa Eletrônica, realizada nos dias 26 a 27 de novembro de 2024, a Diretoria deliberou, por unanimidade, em negar conhecimento ao pedido de revisão, visto que este não apresentou fatos novos ou circunstâncias relevantes que justificassem a inadequação das sanções aplicadas na decisão em segunda instância pelo colegiado, nos termos do Voto 10619455.

O interessado então apresentou, em 17/12/2024, "pedido de reconsideração do pedido de revisão" (SEI 10946499), que, para efeito de deliberação da Diretoria, será tratado como novo pedido de revisão.

Verifica-se que o interessado argumenta novamente ter ocorrido inobservância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, pelo fato de a cassação aplicada pelo colegiado alcançar a licença de piloto privado do interessado.

Para justificar que a licença de piloto privado fora obtida de maneira correta, a defesa alega que o interessado realizou cheque com profissional credenciado pela ANAC. Além disso, a defesa apresenta declaração assinada pelo presidente do Aeroclube do Ceará à época da realização do curso prático de piloto privado pelo interessado (SEI 10946506), na qual é atestado que todos os requisitos para a concessão de licença e habilitação teriam sido cumpridos de forma satisfatória.

A defesa também alega que "em momento algum o recorrente se insurgiu contra a infração, pelo contrário, quando solicitado por essa agência informações sobre as horas em questão o autuado agiu conforme conduta de homem justo e respeitoso a essa instituição reguladora, pois de livre e boa fé informou a irregularidade dos voos anotados em sua CIV e, com intenção de eliminar qualquer falia na mesma, solicitou a ANAC que exclua as horas em questão, juntamente com a LICENÇA de PCM e as habilitações MLTE e IFRA."

Adicionalmente, argumenta-se que e "a diretoria colegiada em decisão em Primeira Instância não considerou os fatos atenuante no qual aplicou a sanção mais gravosa, cassando a licença de piloto privado do aeronauta , por via de consequência, que seja reavaliada a restritiva de direito de cassação, ainda mais quando aplicada a restrição absurdamente contra a licença de PPA (piloto privado) e habilitações MNTE, a qual não temrelação alguma comas horas de voo aqui discutida".

Sobre todos esses pontos, reafirmo o posicionamento, já pronunciado em outros casos de mesma natureza, de que a segurança da aviação se baseia em todo um sistema de boa-fé objetiva, com deveres de lealdade, transparência e colaboração, em que a confiança nos profissionais licenciados é fundamental. Independentemente da conduta do interessado após a Agência ter identificado o cometimento das fraudes, entendo que deva ser aplicada a sanção mais gravosa, qual seja, a cassação de todas as licenças e certificados de habilitação técnica. Dessa forma, considero que, diante da gravidade das ações cometidas, foi correta a decisão do colegiado.

No novo pedido de revisão, a defesa também argumenta que a decisão da Diretoria em desfavor do interessado não está alinhada a decisões deliberadas em processos recentes de idêntica natureza e semelhantes ao caso em análise. Destaca os processos 00065.028532/2023-5100065.017663/2024-94, nos quais a Diretoria decidiu pela aplicação de pena de suspensão em vez de cassação, sem, no entanto, apresentar análise comparativa detalhada entre os argumentos adotados pelas respectivas relatorias para a a aplicação da sanção menos gravosa.

No primeiro processo, o relator apresenta a seguinte argumentação no Voto 9694307:

 

2.12. Ademais, logo após a anulação da sua licença de PCM, no intuito de permanecer no sistema de aviação civil, ele retomou a realização de voos, a fim de alcançar, de forma regular, os requisitos de experiência necessários para pleitear nova licença de piloto comercial junto à Agência. Tão logo alcançou as exigências de experiência de voo, submeteu-se e foi aprovado em novo exame de proficiência promovido pela Anac, obtendo, ao final uma nova licença de PCM. Como isso tudo ocorreu no decurso do presente processo sancionador, solicitei à área técnica uma averiguação detalhada de todo o procedimento de concessão dessa nova licença, a qual atestou a ausência de qualquer indício de irregularidade.

 

2.13. Assim, à luz do parágrafo 2º do artigo 35 da Res. 472/2018, fundado nos princípios da regulação responsiva, com base no histórico do regulado e, principalmente considerando a postura dele diante da fiscalização - desde as apurações iniciais até o presente processo sancionador, bem como a busca imediata por se manter de forma regular no sistema de aviação civil, concluo não se tratar de um caso em que a penalidade de cassação do aeronauta é medida repreensora condizente com o contexto em tela. Julgo que a aplicação de multa cumulada com a suspensão punitiva das licenças e habilitações do piloto é a penalidade proporcional e suficiente para alcançar os efeitos pedagógicos, reparatórios e de desencorajamento de sua reincidência.

 

No segundo processo, a argumentação apresentada pelo relator no Voto 10557428 foi a seguinte:

 

2.10. Por todo exposto, à luz do parágrafo 2º do artigo 35 da Res. 472/2018 e com base no perfil do regulado, em seu histórico e comportamento diante das apurações, bem como nos riscos potenciais e reais consequentes da infração e da utilização da prerrogativa obtida ilicitamente, concluo não se tratar de um caso em que a penalidade de cassação do aeronauta é substancial para a manutenção da segurança da aviação nos patamares regulamentares, tampouco é medida repressora condizente com o contexto da violação em tela. 

 

2.11. Rememoro ainda que o regulado, desde o momento em que forneceu as informações inexatas do processo em tela, já passou por mais de uma dezena de verificações, por parte desta Agência, de suas qualificações técnicas, seja em novas habilitações de tipo, seja em revalidações de habilitações de voo por instrumentos, além de voos em aviões multimotores e monomotores. Ante o exposto, visando a adequação entre meios e fins e o princípio basilar da regulação responsiva, é importante levar em consideração a utilização dos meios estritamente necessários para trazer o regulado de volta à conformidade.

 

Verifica-se que, nos dois casos, a realização de avaliações para a obtenção de novas licenças e habilitações foram determinantes para comprovar a qualificação técnica dos profissionais e convencer o Colegiado de que a aplicação da penalidade suspensão seria suficiente para alcançar os efeitos pedagógicos, reparatórios e de desencorajamento de reincidência das infrações.

Diferentemente do comportamento apresentado pelos pilotos nesses dois casos, o senhor Aristides Albuquerque apenas reconheceu o cometimento das infrações, realizou a exclusão dos registros das horas irregulares em sua CIV e apresentou informações relativas à revalidação de sua habilitação MNTE. Tal comportamento é comum entre pilotos que cometeram o mesmo tipo de infração e para os quais a Diretoria concluiu que a pena de cassação de todas as licenças e habilitações dos interessados seria a mais apropriada. Não há que se falar, portanto, que o senhor Aristides Albuquerque esteja sendo tratado de forma diferenciada no presente processo.

Passando agora para análise dos requisitos de admissibilidade do novo pedido de revisão, primeiramente, ressalta-se que o art. 65 da Lei nº 9.784, de 1999, estabelece que a revisão é aplicável, a qualquer tempo, "quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada". Isso significa que apreciação de uma revisão de deliberação, como no presente caso, depende da apresentação de fatos não levados em consideração na análise dos autos por terem ocorrido em momento posterior à tomada de decisão ou da demonstração de circunstâncias suficientemente relevantes, ainda não apreciadas nos autos, para justificar a inadequação das sanções aplicadas. Tal entendimento encontra sustentação no Parecer nº 00485/2016/PROT/PFANAC/PGF/AGU da Procuradoria Federal Especializada junto à ANAC (PFEANAC):

a) Fatos Novos ­- Fatos novos são aqueles não levados em consideração no processo original de que resultou a sanção por terem ocorrido a posteriori. O sentido de "novo" no texto guarda relação com o tempo de sua ocorrência e, por conseguinte, com sua ausência para análise ao tempo em que se apurava a infração. O fato novo pode alterar profundamente a conclusão antes firmada, protagonizando convicção absolutória no lugar do convencimento sancionatório adotado na ocasião. Surgindo fato dessa natureza, não seria mesmo justo que perdurasse a sanção, decorrendo daí que esta deve ser anulada ou modificada conforme a hipótese, mas não mantida da forma como foi imposta.

Do exposto não é difícil notar que, se um fato já existia ao momento em que tramitava o processo original, mas, por qualquer razão, não foi levado em conta na apreciação global do processo, talvez por culpa (desinteresse ou inércia) do próprio administrado, não se pode considerar o evento como fato novo. O pedido revisional, por isso, deve ser indeferido.

b) Circunstâncias relevantes - ­ Circunstâncias relevantes também são fatos justificadores da alteração do ato punitivo, mas enquanto a ideia de fatos novos se baseia no fator tempo, considerado o momento da tramitação do processo, a de circunstâncias relevantes leva em conta não o tempo, mas a importância do fato para chegar­-se à revisão da sanção.

Se um fato, por exemplo, ocorreu ao tempo em que tramitava o processo original, mas não era conhecido do interessado e da Administração, não pode caracterizar-­se como novo, mas se for fundamental para o acolhimento do pedido de revisão deve qualificar-­se como circunstância relevante, porque o fundamental, nesse caso, é a importância de que se reveste para a apreciação final do pedido revisional. A descoberta de determinado documento já existente à época do fato, mas desconhecido pelas partes, é circunstância relevante, se necessário para justificar a injustiça da punição.

Importante destacar que as circunstâncias previstas na Lei nº 9.784, de 1999, não se caracterizam simplesmente em argumentos comuns utilizados em sede de recurso administrativo. A revisão administrativa é medida excepcional, não se prestando à análise de inconformidade com os fundamentos e motivação da decisão.

Nesse sentido, verifica-se que o pedido de revisão trazido pelo aeronauta apresenta como circunstâncias a serem apreciadas: a desproporcionalidade do alcance da penalidade de cassação à licença de piloto privado do aeronauta; a boa conduta e as boas intenções do regulado após a identificação das infrações pela área técnica; e a aplicação de pena menos gravosa (suspensão) em julgados recentes da Diretoria para processos de idêntica natureza e similares.

Salienta-se que, embora tenham sido trazidos argumentos não apresentados nas manifestações anteriores, estes não configuram fatos novos: são alegações comumente utilizadas em sede de recurso administrativo; sobre fatos que já existiam durante o período de tramitação do processo; e relativas a critérios que sempre são levados em consideração pela Diretoria em suas decisões, ainda que não apresentadas nos recursos interpostos. Da mesma forma, tais alegações tampouco podem ser caracterizadas como circunstâncias relevantes, pois não tratam de informações desconhecidas pelo Colegiado que justifiquem eventual injustiça da sanção aplicada.

Neste ponto, cabe aqui reiterar a argumentação exposta no voto apresentado por esta Diretoria (SEI 10318793) na 22ª Reunião Deliberativa Eletrônica da Diretoria Colegiada, de 2024, que manteve a sanção restritiva de direitos aplicada pela primeira instância:

 

2.4.1. De acordo com a manifestação da área técnica na decisão em primeira instância, a necessidade de aplicação adicional da sanção de cassação das licenças e habilitações do interessado justifica-se pelo fato de que foram violadas regras com potencial de elevação do risco à segurança de terceiros e do sistema de aviação civil como um todo.

2.3.4. Em concordância com a exposição da SPL, considero que o imputado cometeu fraude em componente essencial no treinamento de pilotos, o que compromete sua própria preparação e capacidade para enfrentar os desafios e garantir a segurança nas operações aéreas, colocando a vida de terceiros em risco. Além disso, considero que o interessado demonstra falta de idoneidade no sentido de não ser digno da confiança necessária no sistema de aviação civil.

2.4.3. A Resolução ANAC nº 472/2018 estabelece que, quando da aplicação de sanção de suspensão ou cassação, será considerada a gravidade dos fatos apurados e observada a existência de práticas ou circunstâncias que evidenciem violação ao dever de lealdade e boa-fé que rege as relações entre administrado e Administração.

2.4.4. Assim, diante da gravidade do presente caso, concordo com a decisão de primeira instância que aplicou sanção restritiva de direitos na forma de cassação das licenças e habilitações do aeronauta.

 

Em nenhum momento, o novo pedido de revisão apresenta circunstância suficientemente relevante que justifique que a conduta fraudulenta do aeronauta, que atentou contra o sistema de boa-fé objetiva que promove a segurança do setor de aviação, não deva receber a punição aplicada pela Diretoria Colegiada.

Dessa forma, conclui-se que não foram observados os pressupostos legais para admissibilidade do pedido de revisão.

voto

Assim sendo, ante a todo o exposto e com base no conteúdo dos autos, VOTO pelo NÃO CONHECIMENTO do pedido de revisão apresentado pelo Sr. Aristides Costa Albuquerque, por não apresentar fatos novos ou circunstâncias relevantes que justifiquem a inadequação das sanções aplicadas, mantendo-se a decisão desta Diretoria Colegiada (SEI 10397668) em todos os seus termos.

 

RICARDO BISINOTTO CATANANT

Diretor


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Documento assinado eletronicamente por Ricardo Bisinotto Catanant, Diretor, em 04/02/2025, às 10:22, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 4º, do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020.


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