Timbre

Voto

PROCESSO: 00058.071310/2024-29

INTERESSADO: CLEBER PAULO DA SILVA

RELATOR: RICARDO BISINOTTO CATANANT

 

DA COMPETÊNCIA

 

A Lei nº 11.182, de 27 de setembro de 2005​, conferiu competência à Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC para regular e fiscalizar os serviços aéreos, a formação e o treinamento de pessoal especializado, a habilitação de tripulantes, e as demais atividades de aviação civil, bem como decidir, em último grau de recurso, sobre as matérias de sua competência (art. 8º, incisos X, XXXV e XLIII).

Por sua vez, a Resolução ANAC nº 472/2018, art. 46, estabelece os casos em que cabem recurso à Diretoria, em última instância administrativa:

Art. 46. Cabe recurso à Diretoria, em última instância administrativa, a ser apresentado no prazo de 10 (dez) dias, quando as decisões proferidas pela autoridade competente para julgamento implicarem sanções de cassação, suspensão ou multa acima do valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais). (grifo meu)

Ainda, pelas disposições contidas no Regimento Interno da ANAC, aprovado pela Resolução nº 381, de 14 de junho de 2016, art. 9º, caput, compete à Diretoria, em regime de colegiado, analisar, discutir e decidir em instância administrativa final as matérias de competência da Agência.

Constata-se, portanto, que a matéria em discussão é de alçada da Diretoria Colegiada da ANAC, estando o encaminhamento feito pela ASJIN revestido de amparo legal, podendo concluir que estão atendidos os requisitos de competência para a deliberação sobre o recurso apresentado pelo interessado. 

 

DA ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO

 

Em breve síntese, conforme o Relatório de Ocorrência (SEI nº 10471390), o processo foi iniciado visando apuração de irregularidades relacionadas ao piloto CLEBER PAULO DA SILVA - CANAC 113180, o qual, segundo denúncia apresentada à GTFI, teria sido condenado judicialmente por transporte internacional de entorpecentes, e outros crimes, com utilização da aeronave de sua propriedade (matrícula PP-FFU).  Após ciência da autuação (SEI nº 10474890 e nº 10479554) em 27/08/2024, o autuado apresentou requerimento de arbitramento sumário de multa (SEI nº 10493009). Em 05/09/2024 foi emitida decisão de primeira instância (SEI nº 10513996 mil e quinhentos reais), com a aplicação de penalidade de multa e determinação para que o interessado fosse intimado a se manifestar quanto à aplicação de sanção administrativa restritiva de direitos, a saber, CASSAÇÃO do Certificado de Habilitação Técnica (CHT) do piloto.

O regulado foi regularmente notificado em 06/09/2024 (SEI nº 10525870) e efetuou o pagamento do crédito constituído (SEI nºs 10526054, 10526055 e 10609707) e, em 26/09/2024, apresentou manifestação (SEI nºs 10605613, 10605615 e 10605617). 

Na sequência, foi proferida Decisão (SEI nº 10617466), com a manutenção da penalidade pecuniárias, nos termos da Decisão COJUG 10513996, aplicando, também a sanção restritiva de direitos na forma de cassação do Certificado de Habilitação Técnica – CHT – CANAC nº 113180. Realizada a notificação ao interessado (SEI nº 10682398 e nº 10708726), este apresentou recurso administrativo (SEI nº 10756081) em 31/10/2024, admitido em 11/11/2024 (cf. SEI nº 10798206 ratificado pelo Despacho ASJIN SEI nº 10806955).

Em 11/02 do corrente ano foi proferido o Voto SEI nº 11071994 e, na mesma data, proferido Despacho SEI nº 11152418  com solicitação de vista da matéria em deliberação, nos termos do previsto no art. 22 combinado com o art. 37, § 2º, inciso II da Instrução Normativa nº 166, de 1º de outubro de 2020.

De início, cumpre enaltecer a fundamentação e análise do Diretor-Relator, assim como da área técnica, em ponderar sua fundamentação com a complexidade da matéria em exame. O exame do Diretor Relator apresentou reflexão, sensível, acerca dos objetivos do conjunto normativo penal, em oposição a entendimento e univocidade que se traduzem na criminalização e apenamento excessivo.

Não obstante, com a devida vênia, permito-me expor alguns pontos de divergência, parcial, em relação à proposição apresentada pelo Relator.

A meu juízo, existem duas dimensões que devem ser analisadas, quais sejam: (i) a gravidade e a natureza de crime hediondo praticada pelo autuado mediante o exercício de habilitação técnica, (ii) em cotejo com os parâmetros adotados pelo Voto já proferido nestes autos. Acrescento a este tópico, a necessidade de se adequar a instrução processual à Lei 8.069/90, eis que foram juntados aos autos - de maneira absolutamente injustificável - fotografias do autuado com seus familiares, a rigor, menores de idade, nos anexos Foto Fotografia filha (SEI nº 10756089) e Foto Fotografia família (SEI nº 10756088). 

Em primeiro plano, observo que este processo administrativo sancionador foi iniciado a partir da lavratura do Auto de Infração nº 001956.I/2024, e tem como fato gerador o conhecimento dos documentos constantes do Inquérito Policial n.º 0460/2015-4 - SR/DPF/CE e da Ação Penal de n.º 0000289-61.2015.4.05.810, a saber, o fato de que em 13/04/2015, o piloto CLEBER PAULO DA SILVA utilizou a aeronave de matrícula PP-FFU, de sua propriedade, para a prática de tráfico internacional de drogas, tendo sido julgado e condenado pela Justiça Penal.

Como premissa inicial, identifica-se que a instrução probatória é suficiente para demonstrar que o autuado utilizou-se de suas prerrogativas de piloto com licença concedida por esta ANAC para o cometimento de graves condutas criminais, com falta de idoneidade profissional para o exercício das prerrogativas do seu certificado de habilitação técnica, cometendo infração ao Código Brasileiro de Aeronáutica.

Tendo em conta a instrução processual, observo que restou comprovado a utilização de habilitação para a realização do tráfico internacional de substâncias entorpecentes, sem dúvida, um dos crimes de maior gravidade dentro do ordenamento jurídico brasileiro, classificado expressamente como crime hediondo pela Lei nº 8.072/1990, que lhe confere um regime jurídico mais rigoroso, com consequências mais severas para os condenados. 

Tal qualificação decorre, especialmente, da periculosidade social da conduta, que atenta contra a saúde pública e fomenta cadeia criminosa que abarca, desde pequenos distribuidores, até grandes organizações criminosas transnacionais1.  O reconhecimento do caráter hediondo do delito de nacotráfico é tema recorrente em decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ): Sexta Turma, AgRg no HC n. 747.089/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 21-6-2022, Quinta Turma, AgRg no HC n. 730.356/RS, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, julgado em 2-8-2022; Sexta Turma, AgRg no HC n. 745.958/PR, Rel. Ministro Antônio Saldanha Palheiro, julgado em 2-8-2022, Quinta Turma, HC n. 747.809/SC e HC n. 739.694/SC, dentre vários outros precedentes. 

Não por razões diversas, de acordo com o artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, o tráfico ilícito de entorpecentes é crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, refletindo o entendimento de que sua repressão deve ser uma prioridade estatal - de competência da Justiça Federal. Portanto, na esfera do âmbito penal, a Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006), em seu art. 33, estabelece uma pena de 5 a 15 anos de reclusão, além de multa, para quem produz, vende, transporta ou distribui drogas ilícitas, e a progressão de regime é mais rigorosa em razão da natureza hedionda do delito, exigindo 40% do cumprimento da pena para réus primários e 60% para reincidentes, conforme alterações promovidas pela Lei nº 13.964/2019. Além disso, a condenação por tráfico impede o acesso a benefícios como indulto, graça e anistia, medidas que, em outros crimes, podem permitir uma extinção antecipada da pena. 

No caso em análise, é necessário ressaltar que o autuado foi condenado por tráfico internacional de substância entorpecente, fazendo uso de sua própria aeronave, com carregamento de 405,5kg de cocaína acondicionado em 7 (sete) malas de viagem e 350 tabletes, tendo realizado sobrevoo por 5 estados da Federação, a partir da Bolívia. 

Com efeito, e também ante as particularidades da espécie de substância narcótica de alto valor monetário agregado (ainda que ilícito), a condenação criminal demonstra também o elo de cadeia criminosa em que o autuado não apenas transportou substâncias ilícita em proporções substanciais, contando ainda com o porte ilegal de armamento embarcado, circunstâncias que se mostram, ao fim e ao cabo, absolutamente incompatíveis com o exercício da habilitação técnica do autuado - em patente situação de periculosidade na aviação civil(VIDE Anexo Cópia do Laudo Pericial - arma de fogo.pdf SEI nº 10471425

Como referido, consta da condenação criminal a materialidade, a internacionalidade e autoria dos crimes praticados pelo autuado, de forma que o Poder Judiciário relata que "...as circunstâncias do crime de tráfico transcenderam ao ordinário, considerando a natureza e a gravidade da substância apreendida" (à página 25 do Anexo Pecas_decisorias___TJ - completo.pdf  SEI nº 10471442).  

Em aprofundamento, vale anotar que está em exame não propriamente a conduta criminal do autuado, mas as responsabilidade e deveres associados ao seu porte de habilitação para o exercício das atividades de piloto, isso porque o sistema de aviação civil pressupõe que os profissionais atuem com boa-fé, em um sistema autorreferente de confiança e proteção, e residem nessa perspectiva, tanto a segurança quanto a confiabilidade de todo o sistema.

A partir dessa constatação, deve-se refutar argumento no sentido de que o tráfico de drogas, por via área, não prejudicaria o sistema pela perspectiva de segurança das operações. Uma observação integral da aviação civil demonstra que não conformidades de safety e security e outras violações às regras de operação não podem ser consideradas absolutamente independentes, ou isoladas em abstrato. Isso porque o transporte de substâncias ilícitas utiliza de artifícios e incorpora fragilidades semelhantes a atos de interferência ilícita, bem como soma também fatores de risco à segurança operacional, já que sua execução pressupõe a burla a sistemas de vigilância ou controle, com os riscos associados3

Ainda assim, ao tempo em que manifesto-me de acordo com as premissas do voto do Diretor-Relator, que observou alguma insegurança jurídica e disparidade no tempo de tramitação deste processo, além de conferir primazia aos aspectos pedagógicos e preventivos das medidas sancionatórias, de forma que a cassação da habilitação poderia caracterizar algo como a perpetuidade da 'persecutio criminis' (matéria que não é de competência desta ANAC), identifico que a gravidade da conduta apurada recomenda que o período estabelecido para suspensão de suas habilitações seja estabelecido em patamar superior ao consignado no Voto SEI nº 11071994.

À partir dessas considerações, e levando a prova constante dos autos (Auto de Infração – SEI nº 10471382,  Relatório de Ocorrência – SEI nº 10471390, Anexo Cópia da Certidão de Ônus Reais.pdf – SEI nº 10471397, Anexo Cópia da Certidão de Transito em Julgado.pdf – SEI nº 10471400, Anexo Cópia da Decisão - Recurso de Apelação.pdf – SEI nº 10471402, Anexo Cópia da Guia de recolhimento de preso.pdf – SEI nº 10471404, Anexo Cópia da matéria publicada na imprensa.pdf – SEI nº 10471407, Anexo Cópia da Nota de Culpa.pdf – SEI nº 10471411, Anexo Cópia da Sentença Condenatória.pdf – SEI nº 10471413, Anexo Cópia do Auto de apreensão da anv.pdf – SEI nº 10471415, Anexo Cópia do Boletim de identificação Criminal.pdf – SEI nº 10471418, Anexo Cópia do Despacho - Prisão em flagrante.pdf – SEI nº 10471420, Anexo Cópia do Laudo de Pericia Criminal - entorpecente. – SEI nº 10471423, Anexo Cópia do Laudo Pericial - arma de fogo.pdf – SEI nº 10471425, Anexo Cópia do Laudo Pericial - local do crime.pdf – SEI nº 10471429, Anexo Cópia do Laudo Pericial Quimica Forense - entorpec – SEI nº 10471431, Anexo Cópia do registro no SACI - CLEBER PAULO DA SILVA. – SEI nº 10471434, Anexo Cópia do Relatório - Apelação Criminal.pdf – SEI nº 10471436, Anexo IPL_completo_e_decisao_de_recebimento_da_denuncia. – SEI nº 10471440 e Anexo Pecas_decisorias___TJ - completo.pdf – SEI nº 10471442), entendo que não se pode deixar de prever medida sancionatória mais gravosa. Não restam dúvidas de que a conduta infracional, pela sua gravidade que conservou o caráter ilícito – de natureza penal hedionda – deve incorrer também em preceito secundário4,5,além da aplicação de multa, com a imposição de medida administrativa sancionatória de natureza preventiva e pedagógica. Cabe apontar, mais uma vez, que esta Diretoria não expressa qualquer juízo quanto ao cometimento de conduta criminosa pelo autuado, e sim sua repercussão com os deveres e responsabilidade do portador de habilitação técnica.

Convém ressaltar, ainda, que existem precedentes que recomendariam a cassação de todas as habilitações (VIDE Processos SEI nº 00058.069167/2022-43, 00069.000179/2022-24 e 00058.071094/2023-31).

Não obstante, o argumento central do Voto SEI nº 11071994  apresenta fundamentação irretocável que, por si mesma, sustenta entendimento diverso, ao concluir que a cassação caracterizaria medida sancionatória excessiva na hipótese. Refere ainda o princípio da independência entre as esferas civil, penal e administrativa, que justificaria a aplicação da cassação — mas também a necessidade de manter o caráter educativo da punição.

Acompanho, nesse ponto particular, o Voto do Relator, com a reforma da decisão de primeira instância, substituindo a cassação pela suspensão das habilitações do autuado. Registra-se que, também no âmbito regulatório e administrativo sancionadoro Estado tem fundamento em Constituição principiológica, humanística, de maneira que as decisões não devem ser ditadas sem considerar a distinção entre os casos precedentes e a realidade do estado de vida do regulado, que já cumpriu pena de reclusão e encontra-se, no momento atual, regularmente empregado. 

O Voto já proferido realizou a necessária verificação de fatos e prognoses dos efeitos da medida sancionatória de cassassão, propondo a adoção do elemento de suspensão da habilitação do regulado: enfoque que entendo  proporcional e bem associado com o princípio da razoabilidade. Note-se que a ponderação de princípios realizada nos termos do Voto SEI nº 11071994 6 (e que, a rigor, sustenta o provimento parcial do Recurso) contemplou valores raramente considerados em decisões administrativas e, para tanto, abordou a própria dogmática dos institutos do Direito Penal, do poder punitivo do Estado e, acrescento,  por conseguinte, do sistema legal de garantia dos direitos dos regulados a uma razoável duração do processo sancionador.

Ainda assim, proponho nova análise das circunstâncias agravantes e atenuantes já que o reconhecimento da prática da infração (inciso I do § 1º do art. 36) não está totalmente alinhado com o intuito da Resolução nº 472, qual seja, uma renúncia do direito de litigar administrativamente em relação à infração (disposição do seu art. 28, § 1º). O teor do SÚMULA ADMINISTRATIVA ANAC Nº 001/2019 a qual dispõe que: "A apresentação pelo autuado de argumentos contraditórios ao “reconhecimento da prática da infração” é incompatível com a aplicação da atenuante prevista no art. 22, § 1º, inciso I , da Resolução nº 25, de 25 de abril de 2008, e no art. 36, § 1º, inciso I, da Resolução nº 472, de 6 de junho de 2018, a menos que se trate de explanação do contexto fático no qual ocorreu a infração ou de questões preliminares processuais". Na hipótese dos autos, em que pese não haja negativa de autoria, o reconhecimento da prática conflita com a arguição de prescrição da matéria no item 13 do Recurso RECURSO ADMINISTRATIVO (SEI nº 10756081).  Como se sabe, a tese de prescrição é matéria levantada como 'preliminar de mérito' e se sustenta, em especial, na forma como o ordenamento disciplina as hipóteses de extinção do processo. A justificativa central está no fato de que a prescrição atinge o próprio direito material do autuado - muito além da dosimetria. Ainda que se possa dizer que a alegação de prescrição tem conotação processual (pois é apresentada como matéria em preliminar de defesa), o seu efeito é o de fulminar a pretensão punitiva do Estado - no plano substancial. Em outras palavras, não se trata apenas de uma condição, ou pressuposto para o regular desenvolvimento do processo, mas sim de uma causa substancial,  extinguindo o direito de ação estatal. Desse modo, a arguição de prescrição é classificada como pedido de extinção da pretensão material e não pode ser entendida como contestação à dosimetria aplicada. Diferentemente de meros vícios processuais, a prescrição retira do autor (no caso, a Administração) a possibilidade de sancionar o autuado. Uma das razões dos institutos da prescrição (e da decadência) é promover a segurança jurídica e a estabilidade das relações sociais, de modo que reconhecer o decurso do prazo prescricional implica, fundamentalmente, em proteger o interessado contra reivindicações extemporâneas. Essa proteção se dá no campo material, pois extingue a pretensão exigível, e, portanto, mostra-se incompatível com a aplicação do atenuante. 

Por outro lado, duas circunstâncias agravantes devem ser considerados, quais sejam: a obtenção, para si, de vantagens resultantes da infração e a exposição ao risco da integridade física de pessoas ou da segurança de voo. É indiscutível que o tráfico ilícito de entorpecentes, por via aérea, sujeita a aeronave à incidência da gravíssima "medida de destruição" disposta no Decreto nº 5.144, de 16 de julho de 2004, que regulamenta as medidas coercitivas contra essas aeronaves, estabelecendo os procedimentos para interceptação (abordagem e identificação); persuasão (sinais visuais, alertas e comunicação); e, em último caso, o tiro de detenção e abatimento da aeronave considerada hostil ou envolvida em atividade ilícita, caso todas as outras formas de coerção tenham se esgotado:


(...) 
Art. 4o A aeronave suspeita de tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins que não atenda aos procedimentos coercitivos descritos no art. 3º será classificada como aeronave hostil e estará sujeita à medida de destruição.

Art. 5o A medida de destruição consiste no disparo de tiros, feitos pela aeronave de interceptação, com a finalidade de provocar danos e impedir o prosseguimento do vôo da aeronave hostil e somente poderá ser utilizada como último recurso e após o cumprimento de todos os procedimentos que previnam a perda de vidas inocentes, no ar ou em terra.

(...)

[Destacou-se]
   

Diante disso, em observância ao artigo 37 da referida Resolução nº 472, e considerando as atenuantes e agravantes descritas, entendo que o prazo de suspensão deve ser de 80 (oitenta) dias.

Como último tópico, observo que o regulado juntou aos autos, a título de instrução probatória, duas imagens de seus filhos (a saber, menores de idade) sem qualquer pertinência com o objeto do feito, que trata da cassação de habilitação em razão de crime de tráfico de drogas.

Tal expediente soa como tentativa de instrumentalização da fundamentação de seu recurso, com flagrante desvio de finalidade, com o fito de influenciar a decisão administrativa deste Colegiado. Cabe salientar, qualquer processo administrativo sancionador deve se pautar por critérios objetivos e jurídicos. A exposição da imagem de menores de idade configura evidente violação ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em especial aos arts. 17 e 18 7, que garantem a inviolabilidade da imagem e a proteção contra constrangimentos.

O uso indevido de menores de idade, nesse contexto processual, afronta diretamente a sua dignidade. Note-se que, o princípio da proteção integral é um dos pilares do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e está fundamentado na Constituição Federal de 1988. Ele determina que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos plenos, devendo receber tratamento prioritário e especial proteção do Estado, da sociedade e da família. Esse princípio tem implicações diretas no caso concreto, justificando o desentranhamento das imagens dos menores deste processo administrativo. 

A proteção integral (a rigor de competência de qualquer órgão público) impõe que qualquer ato ou medida que envolva uma criança seja pautado pelo seu melhor interesse. Disso se segue que a Administração deve disciplinar com todo zelo a questão relativa à proteção da imagem de crianças e adolescentes, impondo a obrigação de procedimento e instrução processual. Na hipótese dos autos, o uso de sua imagem em processo administrativo que trata de delito grave não as beneficia e, em sentido contrário, as expõe de maneira desnecessária e injustificada. Não subsiste justificativa processual, jurídica ou administrativa válida para que as imagens de crianças sejam anexadas a estes autos. Por mais óbvia que seja a noção a que me refiro, ressalte-se que o fato de um interessado possuir uma família numerosa, ou mesmo caso tenha o status civil solteiro(a) e sem filhos, são circunstâncias que em nada alteram as conclusões deste Colegiado em processo administrativo sancionador - o qual deve ser norteado pela isenção de ânimo e juízo em relação a tais aspectos. Esta Agência não tem - nem pode ter - interesses na situação familiar de seus regulados. É evidente que a Administração, na apreciação de processo sancionador, é indiferente às questões de cunho particular dos autuados e seria inaceitável sua consideração como argumento de defesa, ou mesmo sancionamento, por tratar-se de domínio estranho às atividades regulatórias da ANAC. 

 

da conclusão

Ante todo o exposto, e com base no conteúdo dos autos, VOTO pelo conhecimento do Recurso Administrativo apresentado por CLEBER PAULO DA SILVA para, no mérito, DAR PARCIAL PROVIMENTO, promovendo a revisão da decisão de primeira instância apenas quanto a aplicação da penalidade de restritiva de direitos, alterando a penalidade de CASSAÇÃO do Certificado de Habilitação Técnica – CHT – CANAC nº 113180 do interessado para a sanção de SUSPENSÃO punitiva de todas as habilitações do interessado pelo período de 80 (oitenta) dias, e mantendo-se a inalterada a sanção de multa aplicada e VOTO pela desanexação dos arquivos "Foto Fotografia família (SEI nº 10756088) e "Foto Fotografia filha (SEI nº 10756089)"

 

É como voto.

 

ROBERTO JOSÉ SILVEIRA HONORATO

Diretor-Presidente Substituto

 

 

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1- O tráfico internacional de substâncias entorpecentes por via aérea é objeto também de diversos estudos e grupos de trabalho internacionais, como por exemplo o Projeto Colibri: Projeto Colibri - Aviação Geral e o WORKING PAPER A38-WP/1721 EX/56 .

 

2- UMBRIA, Luis. DRUG TRAFFICKING AND TERRORISM: IDENTICAL STRUCTURES FOR CRIMINAL OPPORTUNITIES UTILISING AVIATION: (...) A very relevant model, which explains how institutional intervention can prevent crimes that require planning and organisation in order to be executed, is known as ‘situational prevention’; this is highly applicable to the prevention of both drug trafficking and terrorist activity within aviation operations. Situational prevention refers to a set of criminological theories that depart from the theory that organised crime is based on rational, utilitarian, instrumental, and highly selective choices, looking for the right space, the right time, the necessary collaborators and appropriate victims. Consequently, it is necessary to intervene to neutralise risks (opportunities) that make aviation attractive to criminal and terrorist agents. The constant neutralisation of situations that constitute a risk to civil aviation is precisely the goal of SeMS, which IATA has been driving for some years and ICAO outlines in the latest edition of the ’Manual of Aviation Security’ (ICAO Doc 8973 v.8). Therefore, by trying to distinguish whose responsibility it is for addressing existing vulnerabilities at airports exploited by those intent of committing crimes, such as drug trafficking, from those who wish to exploit them for the commission of acts of terrorism, one is making a serious error in risk management (...)". ((PDF) Drug Trafficking and Terrorism: Identical structures for criminal opportunities utilising aviation.

 

3- Artigo publicado no site do Royal United Services Institute: https://rusi.org/networks/shoc/informer/invisible-air-force-increasing-threat-drug-flights: (...) Notwithstanding these more costly transport options, the majority of criminal organisations opt for slower, smaller aircraft to transport drugs. One pilot is usually sufficient to operate these aircraft, which are typically stripped of any other onboard equipment such as additional seats and emergency equipment to increase fuel capacity and efficiency. These aircraft take off, and land from, short ad hoc airstrips. Their low altitude avoids radar detection. These aricraft frequently land, or throw out cargo, at pre-established locations with the help of a GPS navigator. Within single-engine aircraft of this type, the most common are the Cessna 150/52/72 and Piper J-3/12/18/24 models. Among the twined engine typegroup, the most common is the Beechcraft King Air series, Piper Cherokee and Seneca as well as the Aero Commander series (...)" e  "(...) In spite of local efforts in Latin America, this method remains popular.A series of fatal accidents in Mexico during 2019 showed that Colombia’s cocain air trafficking route to Mexico is increasing. A similar situation can be observed in Brazil, who’s advanced radar system (SIVAM) and volume of interceptor aircraft were insufficient to prevent more than 800 irregular flights from Bolivia and Peru in 2017 alone. In Venezuela, the Cartel de Los Soles, a criminal organisation named after a group officers and former officers of the armed forces, coordinates shipments of cocaine to Central America using light aircraft. Against the backdrop of COVID-19, the use of light aircraft poses a growing threat, with incidents likely to increase as organised criminal groups find it harder to traffic narcotics through traditional channels. The use of light aircraft for cocaine trafficking also poses a risk to flight safety, as these flights do not provide flight plans (counterfeit or otherwise), often flying at low altitudes to avoid radar detection. A further danger is the catalytic effect of establishing criminal flight routes which could be exploited by other criminal organisations, such as human traffickers, arms traffickers and terrorists (...).

 

4- VOTO DIR-RC SEI nº  10020107: "(...) Por fim, é relevante ressaltar que, a segurança da aviação se baseia em todo um sistema de boa-fé objetiva, com deveres de lealdade, transparência e colaboração, em que a confiança nos profissionais licenciados é fundamental. Grande parte da segurança de voos privados, como é o caso em questão, reside exatamente na confiança sobre o piloto. Mesmo as ações fiscalizatórias da ANAC muitas vezes se baseiam em declarações do piloto, como registro na Caderneta Individual de Voo (CIV) e no Diário de Bordo. Sendo assim, a idoneidade profissional é um aspecto fundamental para a segurança da aviação civil e uma das motivações mais relevantes para a imposição contida no art. 164 do CBA. A conduta praticada pelo autuado é grave, por si só, e suficiente para impactar a confiança extremamente necessária e indispensável a concessão de licença para piloto e desempenho de atividades no setor aéreo".

 

5- VOTO DIR-RBC SEI nº 10127185: "(...) Outrossim, a gravidade da conduta também afasta os questionamentos apresentados pelo requerente acerca da motivação concreta que inviabilize a atuação profissional em defesa de um bem maior. Isso porque é notório que a aviação civil se baseia em um sistema de boa-fé objetiva na qual a confiança dos profissionais que atuam no setor é componente indispensável à manutenção da segurança do setor. Isto posto, a conduta imputada ao requerente é grave o suficiente para impactar a confiança necessária à manutenção de sua licença de piloto, sendo a cassação medida mais adequada ao caso em questão".

 

6 - Com critérios que consideram a natureza “hic et nunc”, ou seja, em função de determinado contexto e sob perspectiva concreta, qual deve ser a sanção a preponderar para a conduta.

 

7 -LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

 

 

 


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