Timbre

Voto

PROCESSO: 00058.028821/2024-21

RELATOR: ricardo bisinotto catanant

 

fundamentação legal

A Lei nº 11.182, de 27 de setembro de 2005, estabelece competência à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para regular e fiscalizar a infraestrutura aeronáutica e aeroportuária, bem como conceder ou autorizar a exploração da infraestrutura aeroportuária, no todo ou em parte, e decidir, em último grau, sobre as matérias de sua competência (art. 8º, incisos XXI, XXIV e XLIII). 

Nesses termos, em 14/6/2012, após o regular procedimento licitatório, foi celebrado o Contrato de Concessão entre a Anac e a Concessionária do Aeroporto Internacional de Guarulhos (GRU Airport), cujo objeto é a concessão dos serviços públicos para ampliação, manutenção e exploração da infraestrutura do complexo aeroportuário do referido aeroporto.

O mencionado Contrato de Concessão prevê na Seção III (Da Revisão Extraordinária) do Capítulo VI (Do Equilíbrio Econômico-Financeiro), Cláusula 6.20, que os procedimentos de Revisão Extraordinária objetivam a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do Contrato, a fim de compensar as perdas ou ganhos da Concessionária, devidamente comprovados, em virtude da ocorrência de riscos suportados pelo Poder Concedente, desde que impliquem alteração relevante dos custos ou da receita da Concessionária, nos moldes de norma específica da Anac sobre o assunto.

Conforme disposto no Regimento Interno da Agência, aprovado pela Resolução nº 381, de 2016, em seu art. 41, inciso XXI, é competência da Superintendência de Regulação Econômica de Aeroportos (SRA) decidir em primeira instância os processos de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão de aeroportos, que, por mérito ou forma, não atenderem aos critérios estabelecidos em norma e nos respectivos contratos.

Ainda conforme disposto na Resolução nº 381, de 2016, art. 9º, caput, compete à Diretoria, em regime de colegiado, analisar, discutir e decidir em instância administrativa final as matérias de competência da Agência.

Dessa forma, resta evidenciado que foram atendidos os requisitos de competência em relação a elaboração da proposta, análise e decisão sobre a presente matéria.

análise

Do pleito do Consórcio AEROGRU

Conforme exposto no Relatório de Diretoria (SEI 11057300), trata-se de processo administrativo originado a partir de carta encaminhada pela concessionária GRU Airport para a Anac (SEI 9901995) indicando que o Consórcio AEROGRU - grupo econômico responsável por projetar, construir e operar o sistema Automated People Mover do Aeroporto Internacional de Guarulhos (APM-GRU), havia apresentado pleito de revisão extraordinária à Concessionária. Na referida carta, a Concessionária destaca que a obrigação assumida por ela perante o Consórcio com relação ao pleito seria unicamente de encaminhá-lo ao Poder Concedente, sendo vedada a ela qualquer intervenção no mérito da discussão.

No pleito do Consórcio (SEI 9902475), este alega que o contrato para construção e operação do Sistema APM-GRU sofreu abalos imprevistos, decorrentes de eventos supervenientes que provocaram mudanças na equação econômico-financeira que:

Segundo o Consórcio, os eventos que provocaram o desequilíbrio econômico-financeiro foram os seguintes:

Em decorrência dos custos imprevistos ocasionados por esses eventos, o consórcio solicita reequilíbrio econômico-financeiro no montante de R$ 84.183.960,27 (oitenta e quatro milhões cento e oitenta três mil novecentos e sessenta reais e vinte e sete centavos).

 

Da análise do pleito pela SRA

Na Nota Técnica nº 95/2024/GEIC/SRA (SEI 10251458), a SRA destaca o fato de que a concessionária GRU Airport apenas encaminhou pedido oriundo do Consórcio AEROGRU, não tendo apresentado qualquer solicitação da Concessionária requerendo a revisão extraordinária do Contrato de Concessão firmado com a Anac. Dessa forma, a SRA concluiu que a “inexistência de solicitação da Concessionária consiste óbice à discussão de qualquer matéria constante da solicitação do Consórcio AEROGRU”.

A SRA acrescenta em sua avaliação que o Consórcio AEROGRU não possui legitimidade para discutir questões contratuais, como a repartição de riscos contratualmente entabulada entre a concessionária GRU Airport e o Poder Concedente. Da mesma forma, a área técnica assinala que a Anac não figura como parte do contrato firmado entre a Concessionária e o Consórcio AEROGRU para a construção e operação do sistema APM, não cabendo à Agência participar de debate sobre a matriz de riscos relativa a esse contrato. Ainda assim, a área técnica apresenta uma análise sobre o enquadramento dos eventos narrados pelo Consórcio à luz do Contrato de Concessão firmado entre a Anac e GRU Airport.

Inicialmente, a SRA rememora que a inclusão do investimento relativo à implementação do sistema APM como investimento atrelado ao contrato de concessão do Aeroporto Internacional de Guarulhos foi decorrente de tratativas posteriores, documentadas no processo administrativo 00058.028637/2019-13, que resultaram na celebração Termo Aditivo nº 8/2021. No referido processo, fica transparente o ambiente negocial no qual se deu a celebração do termo aditivo e que o risco de alteração dos custos dos investimentos, de operação e de manutenção do sistema APM são atribuídos à Concessionária. Para reforçar o seu argumento, a SRA cita em sua nota técnica trechos do termo aditivo, aos quais julgo pertinente reiterar na presente análise:

 

3.2. Ficam incluídos os subitens 2.15-A.3 a 2.15-A.9, e seus subitens, ao Contrato de Concessão

2.15-A.3 Com vistas a recompor o equilíbrio econômico-financeiro do Contrato ante os investimentos relativos à elaboração de projeto e construção do APM, as Contribuições Mensais sofrerão redução automática, a partir da primeira parcela devida após a eficácia do presente aditamento, até que seja satisfeito o montante total de R$ 376.058.944,00 (trezentos e setenta e seis milhões cinquenta e oito mil novecentos e quarenta e quatro reais) a valores de dezembro de 2019, atualizado pelo INCC-DI até a data de eficácia do presente aditivo

2.15-A.4 Com vistas a recompor o equilíbrio econômico-financeiro do Contrato ante os investimentos relativos à operação e manutenção do APM, além da dedução de que trata o item anterior, será devido o desconto de R$ 1.242.752,00 (um milhão duzentos e quarenta e dois mil setecentos e cinquenta e dois reais), a valores de dezembro de 2020, em cada parcela da Contribuição Mensal devida a partir da data de conclusão das obras do APM definida no PEA.

2.15-A.5 Os valores dos itens 2.15-A.3 e 2.15-A.4 acima estabelecidos não serão alterados em decorrência dos custos efetivamente realizados para a implantação, operação e manutenção do Projeto APM, sendo aplicável exclusivamente em relação aos valores relativos ao item 2.15-A.4 a atualização pelo IPCA divulgado no mês anterior ao da redução automática da Contribuição mensal.

 

A SRA aponta que os dispositivos referenciados materializam os entendimentos prévios à assinatura do aditivo contratual ao evidenciarem que os custos efetivamente realizados para a implantação, operação e manutenção do sistema APM não tem o condão de alterar os valores a serem abatidos pela Concessionária em contribuições ao sistema devidas ao Poder Concedente. Isto equivale a dizer que o risco pela variação (para mais ou para menos) dos custos a serem efetivamente despendidos com o sistema APM constituem-se riscos assumidos pela Concessionária, de modo que não são capazes de alterar os abatimentos em contribuições ao sistema já acordados no contrato de concessão.

A área técnica ainda ressalta que, embora tenha sido necessária a celebração do Termo Aditivo nº 9/2022, o qual passou a permitir a compensação de valores do sistema APM também com a contribuição fixa e variável, por conta da extinção da Contribuição Mensal a partir de 1º/1/2023, nos termos da Lei nº 14.368, de 2022, não houve, naquela ocasião, alteração da essência do acordo firmado entre a Concessionária e a Anac para a realização do investimento.

Por fim, a SRA destaca que o Consórcio defende o enquadramento dos eventos que teriam majorado os custos e o prazo para a construção do sistema APM na matriz de riscos suportados pelo Poder Concedente, com base na Teoria da Imprevisão. A área técnica rememora que a Procuradoria-Geral Federal junto à Anac (PFE-Anac) já se pronunciou, reiteradas vezes, pela sua não aplicabilidade aos contratos de exploração de infraestrutura aeroportuária. Isso porque esses contratos, incluindo o contrato celebrado com a Concessionária do Aeroporto de Guarulhos, estabelecem, em suas cláusulas, a divisão de riscos entre o parceiro privado e o Poder Concedente. Eles determinam que os riscos não atribuídos expressamente ao Poder Concedente (isto é, os riscos residuais) são assumidos pelo parceiro privado, conforme a cláusula 5.3 do Contrato de Concessão.

Como conclusão da análise, a SRA decide pelo indeferimento do pleito do Consórcio AEROGRU.

 

Do recurso da Concessionária

No recurso interposto (SEI 10592922), a Concessionária alega que os eventos citados pelo Consórcio AEROGRU estariam alocados como risco do Poder Concedente no Contrato de Concessão, desequilibrando a equação econômico-financeira inicialmente prevista, e que, portanto, seria necessária a revisão extraordinária por parte da Agência. No documento, são reiterados vários dos argumentos apresentados originalmente pelo Consórcio.

Inicialmente, o recurso aborda os efeitos que teriam sido provocados pela paralisação do projeto pelo TCU por, aproximadamente, cinco meses. Tal fato, segundo a recorrente, se enquadraria na teoria do fato do príncipe e teria trazido efeitos adversos no desenvolvimento do projeto APM, sobretudo na definição final do fornecedor do sistema de controle dos veículos. Em paralelo, na peça recursal, a Concessionária alega que o rompimento unilateral do contrato pelo fornecedor do sistema de controle de veículos com o Consórcio AEROGRU configuraria caso fortuito externo, constituindo-se em risco não alocado à Concessionária.

A Concessionária também busca configurar como fortuito externo as situações relacionadas à necessidade de tratamento de interferências e de alteração de metodologia de lançamento de vigas durante as obras no Terminal 2, bem como o impacto no preço dos insumos necessários à execução do projeto, em decorrência da pandemia da Covid-19 e da guerra entre Rússia e Ucrânia.

No recurso, alguns dos eventos e premissas apresentados originalmente pelo Consórcio não são considerados, ficando o pleito de reequilíbrio da Concessionária no montante de R$ 43.714.288,27 (quarenta e três milhões setecentos e quatorze mil duzentos e oitenta e oito reais e vinte e sete centavos).

 

Da análise do recurso pela SRA

Na análise do recurso (SEI 10808470), inicialmente, a SRA afirma que a peça apresentada pela Concessionária não aborda a questão suscitada na nota técnica que avaliou o pleito original quanto à legitimidade do Consórcio AEROGRU para apresentar o pedido. Por esse motivo, a área técnica manteve a observação realizada anteriormente de que o pleito não foi solicitado pela Concessionária em nome próprio, pois, em essência, trata-se de pleito do Consórcio AEROGRU. Adicionalmente, a SRA reitera os argumentos já apresentados na análise anterior e rebate as novas alegações da Concessionária.

Antes do encaminhamento para deliberação da Diretoria, a SRA submeteu o processo à avaliação da PFE-Anac, que se manifestou por meio do Parecer nº 185/2024/PROT/PFEANAC/PGF/AGU (SEI 11001921), apontando a regularidade do procedimento adotado pela SRA.

 

Da Conclusão

Diante das informações prestadas pelo Consórcio AEROGRU e pela Concessionária GRU Airport e da análise realizada pela SRA, além de observado o parecer da PFE-Anac indicando a regularidade do procedimento adotado pela área técnica, manifesto concordância com a conclusão da SRA de que o Consórcio AEROGRU não dispõe de legitimidade para apresentar pleito de revisão extraordinária no âmbito do Contrato de Concessão do Aeroporto Internacional de Guarulhos, assim como entendo que os fatos apresentados originalmente pelo Consórcio e reiterados na fase recursal pela Concessionária não representam circunstâncias que implicam em necessidade de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do Contrato de Concessão.

Reitero que o Termo Aditivo nº 8/2021, que materializa a inclusão do investimento relacionado ao sistema APM no Contrato de Concessão, é cristalino ao indicar que os valores definidos nos itens 2.15-A.3 e 2.15-A.4 para a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro em razão do investimento não estão sujeitos a alteração em decorrência dos custos efetivamente realizados para a implantação, operação e manutenção do Projeto APM. Adicionalmente, o referido Termo Aditivo, ao incluir o item 2.15-A.9, deixa nítido que eventuais prejuízos financeiros e/ou operacionais decorrentes da construção, operação e manutenção do APM, não ensejarão por si só o direito de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do Contrato ou responsabilidade do Poder Concedente perante a Concessionária do Aeroporto. O item 2.15-A.9 ainda prevê que tais prejuízos devem ser objeto de composição entre a Concessionária do Aeroporto e a entidade contratada para construção, operação e manutenção do APM (no presente caso, o Consórcio AEROGRU), em qualquer de suas etapas.

 

voto

Assim sendo, ante todo o exposto e com base no conteúdo dos autos, VOTO pelo conhecimento do recurso administrativo apresentado pela Concessionária do Aeroporto Internacional de Guarulhos e, no mérito, por NEGAR-LHE PROVIMENTO, mantendo a decisão da SRA em relação ao indeferimento do pleito de revisão extraordinária..

É como voto.

RICARDO BISINOTTO CATANANT

Diretor


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Documento assinado eletronicamente por Ricardo Bisinotto Catanant, Diretor, em 11/02/2025, às 18:48, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 4º, do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020.


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