Timbre

Voto

PROCESSO: 00058.085388/2023-40

RELATOR: adriano pinto de miranda

 

DA COMPETÊNCIA

A Lei nº 11.182, de 27/09/2005, conferiu competência à Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) para regular e fiscalizar a infraestrutura aeronáutica e aeroportuária, bem como conceder ou autorizar a exploração da infraestrutura aeroportuária, no todo ou em parte, e decidir, em último grau de recurso, sobre as matérias de sua competência (art. 8º, incisos XXI, XXIV e XLIII).

Por sua vez, a Lei nº 8.987, de 13/02/1995, que trata do regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos dispõe que incumbe ao Poder Concedente aplicar as penalidades regulamentares e contratuais, bem como cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares do serviço e as cláusulas contratuais da concessão.

Registre-se, ainda, que o recurso sob análise é tempestivo e atende os preceitos do art. 63 da Lei nº 9.784, de 29/01/1999, preenchendo os requisitos de admissibilidade para efeito de análise pela Diretoria Colegiada.

 

DA PENALIDADE

Conforme consta do Relatório de Diretoria[1], trata-se de recurso interposto pela Concessionária dos Aeroportos da Amazônia em face da Decisão de Primeira Instância[2] relativa à Notificação de Infração nº 003385.N/2023/GTIS/SRA-ANAC (SEI 9485817). O respectivo relatório de ocorrência[3] constatou que a concessionária deixou de assegurar a adequada prestação de serviço concedido no Aeroporto de Porto Velho (SBPV), ao não alcançar o padrão de desempenho estabelecido para os seguintes Indicadores de Qualidade de Serviço (IQS): facilidade de acessar informações de voos; limpeza de banheiros; disponibilidade de banheiros; conforto térmico; conforto acústico; e limpeza geral do aeroporto, por mais de três meses em um intervalo de doze meses, configurando reincidência de baixo desempenho na qualidade de serviço.

 

DO RECURSO

Em 22/01/2024, foi apresentada a defesa prévia[4] pela concessionária, na qual foram expostos, em síntese, os seguintes argumentos: i) a potencial inaplicabilidade do Apêndice C ao Aeroporto de Porto Velho, em razão da movimentação anual de passageiros; ii) o inapropriado enquadramento do aeroporto na Faixa 2; iii) a complexidade das intervenções necessárias para recuperar a infraestrutura herdada; iv) a alegada excelência na condução das obras da Fase I-B, seguindo os cronogramas em um ambiente desafiador; e v) as ações adotadas em relação às infrações apontadas.

Em 14/10/2024, a concessionária foi informada[5] do encerramento da instrução processual e da concessão do prazo de dez dias para apresentação de alegações finais.

Em 24/10/2024, foram apresentadas as alegações finais[6], nas quais foram trazidos dois argumentos adicionais, em síntese: i) a possível distorção gerada pela nomenclatura da escala de classificação da Pesquisa de Satisfação de Passageiros (PSP); e ii) a alegada melhoria dos indicadores avaliados nos anos seguintes.

 

DA ANÁLISE

De partida, faço referência ao conteúdo do Voto Vista SEI 11413366, proferido pelo Diretor Luiz Ricardo de Souza Nascimento, que consolida o histórico normativo e regulatório relacionado aos Indicadores de Qualidade de Serviço (IQS) no contexto da 5ª rodada de concessões, marco inicial da adoção do modelo de concessão em blocos. Considero aquele voto como referência técnica relevante para a matéria ora em exame, cujas premissas e fundamentos são tomados como incorporados, no que couber, à presente manifestação, ressalvadas as particularidades do caso concreto.

O Aeroporto de Porto Velho, que integra a 6ª rodada de concessões, foi enquadrado na Faixa 2, classificação utilizada para aeroportos com movimentação entre 1 e 5 milhões de passageiros por ano. Para tal categoria é exigida da concessionária, além de um sistema de registro e tratamento de demandas relacionadas aos serviços prestados, a avaliação do desempenho desses serviços por meio de realização da PSP.

O presente processo trata do não atendimento ao padrão contratual em seis IQS, a saber: facilidade de acessar informações de voos; limpeza de banheiros; disponibilidade de banheiros; conforto térmico; conforto acústico; e limpeza geral do aeroporto. Considerando que o não atendimento se verificou por mais de três meses em um intervalo de doze meses, configura-se, nos termos contratuais, reincidência de baixo desempenho na qualidade de serviço. Pontue-se que o período avaliativo, no presente caso, se deu entre agosto de 2021 e julho de 2022, durante a Fase I-B do respectivo contrato de concessão. No período avaliativo em questão, a concessionária não atendeu o padrão em quatro dos doze meses, gerando uma multa por indicador, totalizando seis multas.

Com base na Decisão de Primeira Instância, a aplicação das penalidades acima descritas resultou em uma multa total de R$ 257.798,74 (duzentos e cinquenta e sete mil setecentos e noventa e oito reais e setenta e quatro centavos), conforme tabela abaixo:

 

Indicador

Mês de referência

Receita em 2022 (anualizada)

Percentual da receita

Multa

Facilidade de acessar informações de voos

jul/22

R$ 336.991.816,88

0,01275%

R$ 42.966,46

Limpeza de banheiros

R$ 42.966,46

Disponibilidade de banheiros

R$ 42.966,46

Conforto térmico

R$ 42.966,46

Conforto acústico

R$ 42.966,46

Limpeza geral do aeroporto

R$ 42.966,46

Total

R$ 257.798,74

 

Analisando os autos do processo, entendo fundamental sopesar diferentes fatores para alcançar uma decisão proporcional e razoável. Não há dúvidas de que a instrução processual foi adequada e as regras contratuais foram corretamente aplicadas pela SRA. Por outro lado, tenho que se afigura pertinente levar em consideração as características específicas inerentes à Fase I-B dos contratos de concessão de aeroportos de porte médio (até 5 milhões de passageiros), que impõem aos operadores elevado desafio: manter a operação do aeroporto, atendendo a toda regulamentação imposta e com a oferta de um serviço de qualidade, simultaneamente à execução de obras de considerável vulto, necessárias ao atendimento das obrigações contratuais de ampliação da infraestrutura aeroportuária. Ou seja, o operador aeroportuário tem a seu cargo a complexa tarefa de prestar um serviço de qualidade em um ambiente já deteriorado e bastante limitado, durante a execução de obras de ampliação e melhoria, em condições, portanto, claramente desfavoráveis. O Voto Vista SEI 11413366, anteriormente mencionado, trata com profundidade essa temática para aeroportos da Faixa 2.

Trago à baila, todavia, traço específico ao caso em análise: o fato de que o Aeroporto de Porto Velho, apesar de enquadrado contratualmente como Faixa 2 (aeroportos com movimentação anual de passageiros entre 1 e 5 milhões), conta com movimentação inferior a 1 milhão de passageiros desde o início do contrato. Com efeito, a média anual de movimentação considerando o período de 2021 a 2024, a partir da eficácia do contrato, foi de 597 mil passageiros por ano. Considerando o período a partir de 2019, último ano considerado nos estudos de viabilidade da 6ª rodada, a média foi de 594 mil passageiros por ano.

 

Fonte: Horus (https://horus.labtrans.ufsc.br/gerencial/#Siros/Mapa)

 

O segundo ponto acima indicado foi trazido pela concessionária em sua peça de defesa[7], sintetizado conforme trecho abaixo:

Essa constatação é de importância central para a interpretação e aplicação do contrato, pois indica que as disposições do Apêndice D, concebidas especificamente para aeroportos com movimentação inferior a 1 milhão de passageiros, seriam mais congruentes com a situação desse aeroporto.

A aplicação estrita do Apêndice C ao Aeroporto de Porto Velho não apenas desconsidera o número real de passageiros, mas também impõe exigências desproporcionais à capacidade operacional da instalação. Essa discrepância resulta em um cenário onde as penalidades e obrigações impostas não se coadunam com a realidade e as necessidades específicas do aeroporto, infringindo os princípios de razoabilidade e proporcionalidade que devem guiar contratos dessa natureza.

Além disso, é crucial enfatizar que a correta aplicação dos apêndices do contrato, alinhada com a realidade operacional de cada aeroporto, é um fator essencial para garantir uma gestão eficiente e apropriada. A imposição de penalidades com base em critérios destinados a aeroportos com maior volume de tráfego pode resultar em uma alocação ineficaz de recursos e em uma gestão não otimizada da operação do aeroporto.

Diante disso, essa Concessionária entende que seria essencial uma reconsideração acerca da autuação aplicada, decorrente da aplicação do Apêndice C ao Aeroporto de Porto Velho, reforçada pelo entendimento de que as penalidades previstas neste apêndice não refletem devidamente a realidade operacional e as limitações específicas que o referido aeroporto enfrenta.

É de suma importância ressaltar que, ao longo da gestão do Aeroporto de Porto Velho, esta Concessionária tem empreendido esforços contínuos para atender às normas e expectativas estabelecidas pela ANAC. No entanto, tais esforços devem ser avaliados dentro de um contexto realista, considerando as particularidades e limitações do aeroporto.

No meu entender, não há que prosperar a pretensão da concessionária em afastar a aplicabilidade do Apêndice C do Plano de Exploração Aeroportuária (PEA) do respectivo contrato de concessão. Ora, a aplicação do arcabouço regulatório desenhado para aeroportos de nível intermediário (Faixa 2) para o Aeroporto de Porto Velho se tratou de escolha consciente, devendo a unidade gestora dos contratos observá-lo em sua integralidade. Todavia, o não atingimento da movimentação anual de passageiros esperada após mais de três anos e meio de eficácia do contrato de concessão, e a falta de expectativa de atingimento de tal patamar em um futuro próximo, é elemento a ser levado em consideração na análise da razoabilidade da medida sancionatória imposta.

Adicionalmente, entendo importante reforçar aspecto já tratado no precedente acima referenciado, associado diretamente aos padrões de IQS exigidos durante a Fase I-B dos contratos de concessão. Essa fase concentra os efeitos acumulados do legado operacional anterior, frequentemente caracterizado por infraestrutura deteriorada e obsoleta, ao mesmo tempo em que se sujeita aos impactos temporários – embora previsíveis – decorrentes das obras de melhoria e ampliação da infraestrutura exigidas contratualmente. A regulação, ao impor os mesmos padrões de qualidade aplicáveis às fases posteriores, busca assegurar que a experiência dos passageiros não seja negligenciada durante o período de transição, incentivando o operador a adotar medidas de mitigação dos efeitos adversos. Ainda assim, a ausência de mecanismos de flexibilização ou ponderação específicos para a Fase I-B desafia a razoabilidade na avaliação do desempenho da concessionária, especialmente para aeroportos da Faixa 2, em relação aos quais a regulação de qualidade impõe medidas sancionatórias.

Um simples exercício de sensibilidade nos dados revela que uma redução de apenas 3% nos padrões exigidos em Porto Velho teria resultado na inaplicabilidade de quaisquer penalidades no caso concreto.

Esta sensibilidade a pequenas variações no padrão exigido evidencia como os desvios das notas em relação a eles foram, no geral, pequenos, mesmo em uma fase sujeita aos impactos de grandes intervenções na infraestrutura.

Adicionalmente, observo que os IQS que ensejaram a aplicação da penalidade são direta ou indiretamente impactados pelas obras executadas no terminal ou dependem da ampliação da infraestrutura física para que possam alcançar o padrão contratual exigido. Em contextos de intervenção estrutural, como o da Fase I-B, é natural que áreas estejam temporariamente indisponíveis ou com limitações operacionais, afetando direta ou indiretamente a percepção dos passageiros e, consequentemente, a pontuação atribuída a esses indicadores.

Nesse sentido, a relação entre a fase de obras e o desempenho nos IQS é evidenciada pela melhora observada logo após a conclusão da Fase I-B. Relatórios posteriores à entrega dessa fase indicam que todos os indicadores objeto da presente autuação passaram a apresentar notas acima do padrão mínimo contratual[8]. De forma objetiva, os dados disponíveis reforçam que houve recuperação dos indicadores sancionados tão logo se concluíram as intervenções previstas no contrato.

Destaco que a melhoria dos IQS após a conclusão da Fase I-B foi também reconhecida em precedentes desta Agência. No caso do Aeroporto de Cuiabá[9], observou-se padrão semelhante de recuperação dos indicadores após a entrega de obras estruturantes. Situações análogas podem ser verificadas em outras decisões da Diretoria Colegiada[10] e em processos sancionadores arquivados pela SRA[11].

Em complemento, ressalto que a concessionária responsável pelos 7 (sete) aeroportos que integram o Bloco Norte da 6ª Rodada, sob gestão da VINCI Airports, realizou as entregas da Fase I-B, inclusive no Aeroporto de Porto Velho, dentro de um cenário de cumprimento contratual. Considero que esse contexto pode ser levado em conta na análise da razoabilidade da penalidade aplicada.

Nesse sentido, considerando: i) as dificuldades inerentes à manutenção da qualidade de serviço percebida durante a Fase I-B, em um cenário de infraestrutura tipicamente deteriorada; ii) a proximidade das notas observadas em relação aos padrões exigidos; iii) a recuperação dos indicadores após o término da Fase I-B; e iv) os precedentes administrativos relacionados à matéria, entendo ser razoável, neste caso em específico, afastar as penalidades aqui tratadas.

 

DO VOTO

Ante o exposto, VOTO pelo conhecimento do recurso administrativo interposto pela Concessionária dos Aeroportos da Amazônia e, no mérito, por DAR-LHE PROVIMENTO, afastando a aplicação da penalidade de multa.

Ressalto, contudo, que este voto não acolhe a tese de inaplicabilidade do Apêndice C ao Aeroporto de Porto Velho. A classificação do aeroporto na Faixa 2 decorreu de decisão regulatória legítima e vigente, razão pela qual devem ser mantidas, até que sobrevenha eventual reenquadramento contratual, todas as obrigações previstas para essa categoria, nos termos da regulação aplicável.

Encaminhem-se os autos à SRA para as providências cabíveis.

É como voto.

 

ADRIANO PINTO DE MIRANDA
Diretor Substituto

____________________________

[1] Relatório de Diretoria SEI 11268774

[2] Decisão Primeira Instância - PAS 17 (SEI 10736013)

[3] Relatório de Ocorrência SEI 9485819

[4] Carta nº 2438/2024 (SEI 9580866) e anexos (SEI 9580867, SEI 9580868 e SEI 9580869)

[5] Ofício 144/2024/GOIA/SRA-ANAC (SEI 10643868)

[6] Carta nº 3117/2024/Norte (SEI 10730599) e anexo (SEI 10730600)

[7] Anexo 01 da CARTA Nº 3294 / 2025 / Norte (11034887)

[8] Relatório IQS - Dezembro/2024, Janeiro/2025 e Fevereiro/2025. Disponível em https://www.portovelho-airport.com.br/pt-br/qualidade-de-servico.

[9] Voto Vista (SEI 11413366)

[10] Voto 10387596, de 21/08/2024 - Concessionária Aeroporto Rio de Janeiro - RIOgaleão.

[11] Decisão Primeira Instância - PAS 24 (10913813), de 30/12/2024 - Aeroporto de João Pessoa (Aeroportos do Nordeste do Brasil).


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Documento assinado eletronicamente por Adriano Pinto de Miranda, Diretor, Substituto, em 06/05/2025, às 17:06, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 4º, do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020.


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