Voto
PROCESSO: 00058.021107/2025-92
RELATOR: TIAGO SOUSA PEREIRA
DA COMPETÊNCIA
Nos termos dos artigos 8º e 11 da Lei n.º 11.182, de 27 de setembro de 2005, cabe à Anac adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento e fomento da aviação civil, da infraestrutura aeronáutica e aeroportuária do país, bem como compete à Diretoria Colegiada o poder normativo da Agência.
Por força do Regimento Interno, aprovado pela Resolução n.º 381, de 14 de julho de 2016, conforme art. 9º, inciso XXII, também compete ao Colegiado deliberar, na esfera administrativa, quanto à interpretação da legislação e sobre os casos omissos, bem como decidir, em instância administrativa final, as matérias de competência da Agência.
Conclui-se, portanto, que a matéria em discussão é de competência da Diretoria Colegiada da Anac, estando o encaminhamento feito pela Superintendência de Acompanhamento de Serviços Aéreos (SAS) revestido de amparo legal.
DA ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO
Conforme exposto no Relatório, trata-se de pedido de recurso administrativo interposto pela empresa Passaredo Transportes Aéreos S.A. (Voepass) em face da decisão exarada pela Superintendência de Serviços Aéreos (SAS) (SEI 11268105), que indeferiu solicitação de concessão de waiver referente aos slots aeroportuários alocados nos aeroportos de Congonhas (SBSP) e Guarulhos (SBGR) para as temporadas W24 (27/10/2024 a 29/03/2025) e S25 (30/03/2025 a 25/10/2025).
Destaco que tal solicitação decorre da suspensão cautelar do Certificado de Operador Aéreo (COA) da empresa, determinada pela Superintendência de Padrões Operacionais (SPO), nos termos da Portaria nº 16547, de 10 de março de 2025 (SEI 11263138), em razão do não atendimento aos requisitos mínimos de segurança operacional.
A Voepass, em seu Pedido de Reconsideração[1], argumenta, entre outros pontos, que a suspensão do COA ocorreu em caráter cautelar, não havendo perda definitiva da capacidade operativa, e que a retomada e redistribuição dos slots configurariam dupla penalização (bis in idem), visto que suas operações já foram suspensas.
A área técnica manifestou-se pelo indeferimento do pleito e recomendou a imediata retomada e redistribuição dos slots, conforme Nota Técnica nº 3/2025/SAS (SEI 11296330).
Ademais, cabe mencionar que o processo foi recebido por esta Diretoria no dia 19/03/2025 após o fechamento regulamentar da pauta de reuniões de Diretoria, previsto na Instrução Normativa Anac 166/2020. Dada a urgência e relevância do assunto, de modo a trazer maior previsibilidade e segurança jurídica para a empresa e para os demais players do setor, entendo preenchidos os requisitos para inclusão extrapauta, conforme art. 15 da IN.
Passo, então, à análise de mérito do pedido.
Da Concessão do Waiver
Em consonância com o posicionamento da SAS[2], entendo que o pleito de waiver não se justifica, uma vez que a suspensão cautelar do COA da Voepass decorreu exclusivamente de circunstâncias sob responsabilidade da empresa aérea.
Rememoro que pedido de waiver caracteriza-se como uma isenção do cumprimento do índice de regularidade, requisito necessário para a manutenção dos slots nas temporadas vigentes e obtenção de históricos de slots para as temporadas equivalentes, conforme determinam os arts. 41 e 42 da Resolução nº 682, de 2022.
À luz da referida resolução, ocorrências causadas por situações fora da capacidade de gerenciamento da empresa de transporte aéreo não serão penalizadas no cálculo do índice de regularidade, conforme art. 38 da Resolução. Em outras palavras, nessas circunstâncias, um waiver poderia ser concedido para evitar impactos negativos indevidos sobre o referido índice.
Art. 38. As ocorrências causadas por situações fora da capacidade de gerenciamento da empresa de transporte aéreo não serão penalizadas no cálculo do índice de regularidade, desde que informadas conforme os procedimentos descritos em portaria específica prevista no art. 2º desta Resolução.
§ 1º Considerar-se-ão fora da capacidade de gerenciamento da empresa de transporte aéreo, as ocorrências causadas por condições climáticas adversas, por ação ou omissão do operador do aeroporto, por medida estabelecida pelo responsável pelo controle do espaço aéreo, ou por atividade realizada por outros órgãos ou entidades públicas, desde que diretamente relacionadas com a prestação do serviço de transporte aéreo.
§ 2º Não serão consideradas fora da capacidade de gerenciamento da empresa de transporte aéreo, as ocorrências causadas por ação ou omissão de seus empregados ou de seus prestadores de serviço, por indisponibilidade de tripulação, de aeronave, de equipamentos, de sistemas, ou outros elementos intrínsecos à prestação do serviço de transporte aéreo.
Para melhor ilustrar situações fáticas que fogem da capacidade de gerenciamento da empresa aérea e que culminaram na concessão de waiver, podemos citar a realização de obras aeroportuárias que impactam a operação, como o fechamento da pista do Aeroporto do Recife em razão da necessidade de manutenção (Processo n. 00058.079329/2024-13); eventos de grande porte como o G20 no Rio de Janeiro, que levou a medidas excepcionais de segurança e impacto na malha aérea (Processo n. 00058.079329/2024-13); estados de calamidade pública que comprometem a infraestrutura aeroportuária e a prestação dos serviços, como as enchentes em Porto Alegre e a pandemia de COVID-19 (Processo n. 00058.021492/2021-44 e n.00058.021483/2020-72).
Assim, ao analisar o caso específico da Voepass, verificou-se, após um extenso acompanhamento operacional da empresa (Processo n. 00058.070646/2024-74), a deterioração da eficiência do seu sistema de gestão e supervisão da segurança operacional, bem como o descumprimento sistemático das exigências estabelecidas pela Agência. Diante desse cenário, a Anac determinou, de forma cautelar, a suspensão das operações da empresa até que seja evidenciada a retomada de sua capacidade de garantir o nível de segurança previsto nos regulamentos vigentes.
Assim, a meu ver, fica claro e evidente que a suspensão do COA não decorre de fatores externos à empresa aérea, mas sim de ações ou omissões do próprio operador, abordados no âmbito do Processo n. 00058.070646/2024-74.
Sobre a natureza cautelar da suspensão em tela, é importante frisar que trata-se de medida que não possui caráter definitivo, sendo passível de reversão tão logo se comprove a completa regularização das não-conformidades identificadas.
Quanto à alegação de ocorrência de bis in idem, em razão do indeferimento do waiver dos slots e possível perda desses, cumulada com a suspensão cautelar do COA, é fundamental esclarecer que a suspensão das operações e perda dos slots possuem naturezas jurídicas distintas. Como já mencionado, a suspensão do COA foi imposta com fundamento na necessidade de garantir a segurança operacional, visando à proteção do interesse público e da aviação civil. Já o indeferimento do waiver decorre da aplicação das regras objetivas estabelecidas pela Resolução nº 682.
O princípio do non bis in idem veda a imposição de duas penalidades para a mesma conduta. No entanto, no presente caso, não se verifica tal duplicidade. A suspensão do COA de forma cautelar, amparada no art. 45 da Lei 9.784/1999 e na Resolução Anac 472/2018, não deve ser interpretada como uma medida punitiva, como ocorre em casos de suspensão definitiva, mas sim como uma providência administrativa cautelar, adotada em caso de risco iminente, de modo a mitigar os riscos à operação, não constituindo, portanto, uma sanção em si. Por outro lado, a regra de perda dos slots por não cumprimento do índice de regularidade, a meu ver, tem caráter punitivo em sentido lato, baseada em critérios objetivos da Resolução n° 682, de modo que as empresas que não fazem o uso eficiente da infraestrutura escassa, podem ser penalizadas com a perda do direito histórico do slot. Tal mecanismo, conforme art. 4º da mesma Resolução, tem como objetivo minimizar os efeitos da escassez de infraestrutura aeroportuária, visando à promoção de seu uso eficiente.
Diante do exposto, não há que se falar em violação ao princípio do non bis in idem, pois a suspensão cautelar das operações e a eventual perda dos slots resultam de fundamentos normativos distintos e atendem a objetivos regulatórios específicos.
Da retomada e redistribuição dos slots
Com relação a imediata retomada e redistribuição dos slots, a SAS destaca[2] que, em seu entendimento, a melhor medida para resguardar o interesse público é a imediata retomada dos slots da Voepass para as temporadas W24 e S25, em razão da suspensão do COA, conforme o mecanismo previsto no inciso II do art. 42 da Resolução nº 682:
Art. 42. A empresa de transporte aéreo ou o operador aéreo poderá perder os slots ou as séries de slots durante o período de coordenação da temporada na ocorrência de qualquer dos seguintes casos:
(...)
II - perda ou suspensão do certificado de operador aéreo;
(...)
§ 1º Todos os slots provenientes da aplicação das regras deste artigo serão transferidos para o banco de slots da temporada, além de não gerarem histórico de slots para a próxima temporada equivalente.” (grifos nossos)
Por sua vez, a Voepass em seu pedido de reconsideração[1] argumenta que:
“Ora, denota-se que o referido artigo não reflete uma norma cogente e impositiva, mas sim atribui a faculdade de retomada dos slots ou das séries de slots durante o período de coordenação da temporada caso haja suspensão do certificado de operador aéreo, o que não ocorreu com a VOEPASS, na medida em que a suspensão do Certificado de Operador Aéreo (COA) em relação à VOEPASS ocorreu em caráter cautelar e até que seja demonstrada a sua capacidade de preservar a segurança operacional, sendo, pois, franqueada à VOEPASS pela ANAC a possibilidade de sanar todas as não conformidades apontadas e, uma vez sanadas, retomar as operações dos slots."
Diante do exposto, tendo a concordar com a empresa aérea ao considerar que o inciso II do art. 42 não impõe a retomada automática dos slots em casos de suspensão do COA, mas sim confere à Anac a faculdade de adotar essa medida, dependendo da análise do caso concreto.
No presente caso, a suspensão do COA da Voepass, conforme já explicitado, foi aplicada em caráter cautelar, com a possibilidade de reversão mediante a adoção das medidas resolutivas estabelecidas no âmbito do Processo n. 00058.070646/2024-74. Dessa forma, a não retomada imediata dos slots decorre do próprio caráter cautelar da suspensão, uma vez que a medida não representa, por si só, a cessação definitiva das operações da empresa. Assim, entendo que a retomada imediata dos slots poderia ser precipitada, pois, caso a empresa saneie as não conformidades apontadas e tenha seu COA restabelecido, poderá retomar suas operações.
No entanto, ressalto que a Resolução nº 682 tem como um de seus principais objetivos possibilitar a utilização mais eficiente possível de infraestruturas aeroportuárias escassas, as quais, por esse motivo, são coordenadas pela Agência. Se por um lado a atual situação da empresa – com COA suspenso cautelarmente, mas com possibilidade de retorno – não é suficiente, a meu ver, para a retomada imediata dos slots a ela alocados, por outro lado essa não retomada imediata não pode implicar à infraestrutura uma ociosidade que seria deletéria ao interesse público e ao referido objetivo regulatório. Portanto, compartilho com a visão da SAS de que a Agência deve adotar os mecanismos dispostos na regulação em vigor para evitar a subutilização de infraestruturas escassas em razão da suspensão da Voepass, mas divirjo da medida de redistribuição imediata dos slots.
Dessa maneira, saliento que a não retomada imediata, defendida no presente voto, não pode eximir a empresa do monitoramento contínuo pela Anac de utilização dos slots (art. 36 e seguintes da Resolução nº 682). É necessário, então, que o índice de regularidade dos slots seja rigorosamente monitorado pela SAS, estando a Voepass sujeita a perda da série de slots, conforme § 2º do art. 42 da Resolução, caso não sejam cumpridos requisitos de regularidade.
Art. 42. A empresa de transporte aéreo ou o operador aéreo poderá perder os slots ou as séries de slots durante o período de coordenação da temporada na ocorrência de qualquer dos seguintes casos:
I - operação abaixo do mínimo da meta de regularidade;
(...)
§ 2º Para os fins do disposto no inciso I do caput, a perda da série de slots ocorrerá a partir do momento em que se verifique que a empresa de transporte aéreo não tenha condições de cumprir com a meta de regularidade até o final da temporada, para os casos em que não tenha iniciado o serviço aéreo referente à série de slots alocada ou o tenha descontinuado durante a temporada, ou ainda que a empresa de transporte aéreo tenha perdido a sua capacidade operativa.
Ademais, conforme item 2.22, reforço a determinação de que a área técnica proceda com o devido monitoramento dos índices de regularidade de uso dos slots, sem qualquer abono na avaliação de sua utilização, de forma a manter a isonomia de tratamento entre os operadores aéreos.
Por fim, não vislumbro necessidade de consulta ao órgão de assessoramento jurídico da Agência, pois o rito de retomada dos slots em tela é uma discricionariedade da Agência, cujos os procedimentos estão claramente definidos na norma, não exigindo qualquer interpretação jurídica adicional.
DO VOTO
Diante do exposto, VOTO
pelo INDEFERIMENTO da concessão do waiver para os slots das temporadas W24 e S25; e
pela NÃO RETOMADA IMEDIATA dos slots da empresa, bem como execução do monitoramento constante dos índices de regularidade, devendo ser aplicado estritamente o previsto no art. 42, I e § 2º caso não haja o atingimento dos índices, conforme os itens 2.22 e 2.24 do voto.
É como voto.
TIAGO SOUSA PEREIRA
Diretor
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Pedido Pedido de Reconsideração (SEI 11277726) e Requerimento Requerimento (SEI 11322877)
Nota Técnica nº 3/2025/SAS (SEI 11296330)
| Documento assinado eletronicamente por Tiago Sousa Pereira, Diretor, em 26/03/2025, às 12:11, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 4º, do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020. |
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SEI nº 11325303 |