Voto
PROCESSO: 00065.033791/2024-85
INTERESSADO: CANYON SUL BALONISMO LTDA.
RELATOR: LUIZ RICARDO DE SOUZA NASCIMENTO
DA COMPETÊNCIA
O art. 8º, inciso X, da Lei nº 11.182, de 27 de setembro de 2005, define como competência da Anac, dentre outras, regular e fiscalizar os produtos e processos aeronáuticos, a formação e o treinamento de pessoal especializado e a habilitação de tripulantes. Adicionalmente, essa lei também estabelece no art. 11, V, a competência da Diretoria da Anac para exercer o poder normativo da Agência.
Por sua vez, o art. 31, XVII, do Regimento Interno da Anac, aprovado pela Resolução nº 381, de 14 de junho de 2016, estabelece entre as competências comuns às Superintendências, avaliar e submeter à Diretoria as petições de isenção a requisitos de regulamentos, bem como rejeitar aquelas que, por mérito ou forma, não atenderem aos critérios estabelecidos.
Ainda, o art. 41-A, II, "a", do Regimento Interno atribui à Superintendência de Pessoal da Aviação Civil (SPL) competência para emitir parecer relativo a padrões mínimos de desempenho e eficiência, sob o aspecto de segurança operacional, a serem cumpridos pelas organizações de instrução, em articulação com as demais Superintendências da Anac.
Por fim, o art. 47, §1º, da Instrução Normativa nº 154, de 20 de março de 2020, estabelece que as petições de isenção a requisitos de RBAC, recebidas em conformidade com o previsto no RBAC n.º 11, após avaliação de mérito pela área finalística competente pelo assunto, que conclua pela recomendação de deferimento, serão encaminhadas para apreciação da Diretoria.
Restam atendidos, portanto, os requisitos de competência quanto à elaboração da proposta, deliberação e decisão sobre a matéria.
DA ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO
Conforme abordado no relatório (11366263), trata-se de solicitação de isenção protocolada pela Canyon Sul Balonismo Ltda., entidade candidata à certificação como Centro de Instrução de Aviação Civil (CIAC), visando a autorização para utilizar, em atividades de instrução, balão experimental para o qual foi emitido um Certificado de Autorização de Voo Experimental (CAVE). Tal prática é atualmente vedada pelo parágrafo 141.45(d)(1) do RBAC nº 141. A peticionária solicita, ainda, isenção de cumprimento do parágrafo 61.29(i) do RBAC nº 61 para que as horas de voo realizadas em balão experimental possam ser consideradas tão somente para a concessão de licença de piloto de balão, uma vez que tal contabilização encontra vedação no citado dispositivo do RBAC n° 61.
A peticionária solicitou, ainda, isenção quanto ao cumprimento aos dispositivos 141.45(d)(2) do RBAC n° 141 e 91.319(a)(2) do RBAC nº 91, buscando, assim, endereçar todas as barreiras normativas vislumbradas para a consecução da atividade almejada. A peticionária sustenta que a sua solicitação seria similar àquela tratada no âmbito do processo 00065.043810/2020-58, que resultou na publicação da Decisão nº 609, de 25 de abril de 2023.
A documentação apresentada nos autos esclarece ainda que a Canyon Sul Balonismo pretende iniciar suas atividades como CIAC utilizando o balão experimental de marcas PP-XQF, modelo Golfier G20-3600, número de série 026. O citado modelo está com sua certificação de tipo em curso junto à Superintendência de Aeronavegabilidade (SAR), conforme consta no processo 00066.014042/2023-68.
De partida é relevante registrar que o parágrafo 141.45(d)(1) do RBAC n° 141 estabelece que cada aeronave utilizada por um CIAC para ministrar instrução de voo deve possuir certificado de aeronavegabilidade padrão ou certificado de aeronavegabilidade especial na categoria primária ou leve esportiva, bem como certificado de matrícula válidos. Assim, como um padrão estabelecido por esta Agência, estão excluídas as aeronaves experimentais para utilização em atividades de instrução de voo.
Muito embora a Anac tenha emitido a Resolução nº 572, de 8 de julho de 2020, concedendo isenção aos CIAC quanto ao cumprimento com o requisito estabelecido no parágrafo 141.45(d)(1) do RBAC nº 141, seu alcance é limitado a aeronaves experimentais de até 750 kg de peso máximo de decolagem e unicamente para uso em curso prático com vistas à obtenção de um Certificado de Piloto Aerodesportivo (CPA). Uma vez que a peticionária pretende fornecer curso para obtenção de licença de Piloto de Balão Livre (PBL), tal resolução não abarca o caso em análise.
É essencial compreender que a imposição presente no parágrafo 141.45(d)(1) do RBAC nº 141, como uma regra geral, se dá com a finalidade de garantir que as aeronaves utilizadas no ambiente de instrução possuam um nível mínimo de segurança, atendendo a padrões, tanto afetos ao projeto como à fabricação, que foram estabelecidos em regulamentos técnicos pela Anac ou em normas consensuais definidas pela indústria. Objetivam, assim, junto a várias outras regras estabelecidas no contexto de um CIAC, salvaguardar instrutores e instruendos em uma atividade que envolve riscos e desafios típicos do ambiente de aprendizado de voo.
De maneira semelhante, a vedação presente no parágrafo 61.29(i) do RBAC nº 61 quanto à utilização de horas de voo em aeronave experimental para fins de obtenção de licença de piloto ou elevação de graduação fundamenta-se no fato de que, algumas vezes, tais aeronaves são projetos únicos, o que dificultaria a comparação de experiência de voo quanto a outras aeronaves. É importante ressaltar que a Anac deve garantir que todos os pilotos passaram por treinamentos equivalentes e padronizados, o que nem sempre pode ser garantido em aeronaves experimentais, sobretudo naquelas com características não usuais.
Por outro lado, cabe compreendermos que o contexto da operação com balões atualmente no país envolve particularidades que não devem ser ignoradas pelo Colegiado desta Agência. Em que pese existirem modelos de balões que possuem certificação de tipo, não há hoje registrado no Brasil qualquer balão com certificado de aeronavegabilidade padrão, conforme pontua a SPL na Nota Técnica nº 10/2025/GTNO-SPL/SPL (11279035). Some-se a isso que, por anos, o elevado valor cobrado pela Taxa de Fiscalização da Aviação Civil (TFAC) para a certificação de novos projetos de balão - cerca de R$ 900 mil reais - desincentivou o surgimento de novos produtos certificados. Essa situação somente foi modificada com o advento da Medida Provisória nº 1.089, de 28 de dezembro de 2021 (MP do Programa Voo Simples), convertida posteriormente na Lei nº 14.368, de 13 de junho de 2022. Essa medida legislativa permitiu uma redução substancial daquela TFAC.
Tal contexto, em combinação com fatores conjunturais e econômicos do setor, levou a um amplo uso de balões com CAVE no país ou, ainda, de balões que não possuem qualquer certificação de aeronavegabilidade, como aqueles utilizados em operações aerodesportivas conduzidas sob o RBAC nº 103.
Embora a redução da TFAC para a certificação de balões tenha sido meritória, seus efeitos somente serão perceptíveis no médio e longo prazo, uma vez que o processo de certificação de tipo se dá ao longo de alguns anos. Ainda que o modelo de balão que a peticionária pretende utilizar esteja em processo de certificação, é relevante que a Agência apresente posicionamento tempestivo face às necessidades atuais do setor.
Some-se ao contexto, a conhecida necessidade de se ampliar a disponibilidade de pilotos detentores de licença de Piloto de Balão Livre (PBL). Em um país com dimensões continentais e múltiplos potenciais é relevante que se adote ações que possibilitarão a prática do balonismo dentro de padrões mínimos de segurança, e a certificação de profissionais para essa operação é um passo fundamental. Entendo que a isenção ora em análise insere-se, portanto, nesse contexto mais amplo.
Passo a adentrar, então, os aspectos técnicos da petição da interessada. Tendo em vista que se está diante de utilização de balão para o qual foi emitido um CAVE, ou seja, cujo projeto de tipo e processo de fabricação não foram submetidos ao escrutínio prévio da Agência, torna-se central estabelecer condicionantes mínimas para que a operação da aeronave ocorra dentro de um nível de segurança aceitável. Nesse sentido, considero que o aspecto de manutenção da aeronavegabilidade continuada do balão possui relevante papel, e por isso, coaduno com a área técnica no sentido de que não se deve conceder isenção ao dispositivo 141.45(d)(2) do RBAC nº 141 conforme peticionado pela interessada. Enfatizo a importância de que a aeronave seja mantida e inspecionada conforme os requisitos aplicáveis da Subparte E do RBAC nº 91.
De maneira similar, entendo que a área técnica justificou adequadamente nos autos que a operação pretendida pela peticionária não requer a isenção ao parágrafo 91.319(a)(2) do RBAC nº 91, uma vez que se concluiu que o voo de instrução não se enquadra, no espectro técnico, como atividade de transporte de pessoas. Manifesto concordância com o posicionamento da SPL quanto à dispensa de isenção ao citado dispositivo.
Ressalto que a área técnica, em prévia coordenação com a Superintendência de Padrões Operacionais (SPO), propôs condicionantes a serem aplicadas ao balão objeto da isenção - bem como a outros balões que possam vir a ser utilizados -, conforme consta na Minuta de Decisão juntada aos autos (11279428), em conjunto com a minuta de CAVE proposta (11339986). Tais condicionantes perpassam aspectos técnicos julgados relevantes relativos a utilização de manuais de voo e de manutenção atestado por profissional qualificado, realização da manutenção, aplicação de diretrizes de aeronavegabilidade, maior controle de alterações ao balão e minimização da assimetria de informação aos alunos. Entendo que as condicionantes propostas pela SPL agregam razoável valor em termos de segurança operacional, com a proporcionalidade necessária a um ambiente de instrução de voo. Portanto concordo, no mérito, com o seu teor.
Entendo, contudo, ser oportuno implementar ajustes de forma em relação à proposta da área técnica. Tendo em vista que o CAVE é um instrumento que autoriza o voo da aeronave experimental dentro de condições pré-estabelecidas e, considerando que ele se aplica individualmente a uma determinada aeronave, acredito ser mais eficiente estabelecer as condicionantes no âmbito da própria Decisão que defere a isenção pleiteada. Dessa maneira, as condicionantes passam a ter amplo alcance sobre todos os balões eventualmente operados sob a isenção e afasta-se a necessidade de reemissão dos CAVE.
Além dos aspectos atinentes à segurança operacional acima tratados, é crucial endereçar a assimetria de informação presente quando do uso de aeronaves experimentais por um ente certificado, como um CIAC. Nesse sentido, reveste-se de importância a cientificação dos instruendos quanto à condição experimental dos balões utilizados nas instruções de voo, o que os municiará com informações para uma tomada de decisão consciente. A proposta apresentada pela SPL, no meu entender, endereça essa distorção ao requerer que os alunos sejam cientificados quanto à natureza experimental do balão, e que tal fato esteja formalmente documentado.
Considerando o exposto, enfatizo que foram implementados nesta Diretoria ajustes à proposta de Decisão, aperfeiçoando a minuta originalmente desenvolvida pela SPL. Essas alterações foram resultado de discussões estabelecidas sobre o tema com as áreas envolvidas. Nesse sentido, foi anexada aos autos por esta Diretoria a Proposta de Decisão 11444501. Em síntese, as alterações relevantes consistiram de:
Art. 2°, I: complementação quanto a informação ao aluno de que o voo de instrução com o balão experimental ocorrerá por sua conta e risco. Embora estivesse implícito, entendeu-se relevante esse acréscimo para reduzir a assimetria de informação de maneira mais eficaz;
Art. 2°, I: inclusão do prazo de arquivamento de cinco anos para a declaração de ciência dos alunos, dado que a redação original não era clara quanto a esse aspecto;
Art. 3° e parágrafos subsequentes: remoção da necessidade de reemissão do CAVE. Adicionalmente as condicionantes anteriormente previstas na minuta de CAVE proposta pela SPL passam a constar como parágrafos sob este artigo;
Art. 4°: reestruturação do artigo, que passa a tratar da necessidade de vistoria para balões que não tenham sido inspecionados pela Anac nos últimos 5 anos; e
Art. 5°: inclusão desse artigo visando endereçar possíveis discordâncias que possam existir entre as disposições presentes no CAVE e aquelas apresentadas na Decisão. Nesse caso, as prescrições estabelecidas na Decisão terão precedência sobre o disposto no CAVE.
Convém ainda enfatizar que no presente processo definiu-se, em essência, as condições que permitirão a utilização do balão experimental em atividades de instrução, porém não se adentrou no mérito quanto à adequabilidade do modelo do balão a ser utilizado pelo CIAC. Entendo que tal análise foge ao escopo deste processo de isenção e deverá ser oportunamente realizada pela SPL durante o processo de certificação da peticionária como CIAC, seguindo os requisitos estabelecidos no RBAC nº 141.
Quanto ao intervalo de vigência para a isenção proposta, o prazo de 60 (sessenta) meses indicado pela área técnica mostra-se adequado, sendo tempo razoável para que a peticionária planeje-se para dispor de balão devidamente certificado, seja a partir da conclusão do processo de certificação do modelo que pretende inicialmente operar no CIAC, ou utilizando outro modelo certificado. Além disso, tal prazo de vigência está harmonizado com o que foi concedido na Decisão nº 609, de 25 de abril de 2023.
Considerando o exposto, acredito que a minuta de Decisão proposta por esta Diretoria representa uma evolução frente ao estabelecido na Decisão n° 609/2023, o que é um processo natural fruto do amadurecimento atingido pela Agência para o assunto em tela. Ressalto que a proposta foi previamente discutida com a SPL, a qual não manifestou óbices.
Tendo em vista que no presente processo houve acréscimo de cláusulas ausentes na Decisão nº 609, de 25 de abril de 2023, e considerando que os processos possuem elevada similaridade conceitual, faz-se necessário a aplicação do princípio da isonomia entre os entes regulados. Assim, determino que a SPL realize as devidas tratativas com a entidade beneficiária da Decisão n° 609/2023 com vistas a harmonizar o seu conteúdo com a proposta de Decisão que será aprovada no presente processo.
Por fim, parabenizo as áreas técnicas envolvidas pelo esforço de coordenação empreendido. Este processo, pela sua complexidade, requereu análises que perpassaram múltiplos domínios, culminando no desenvolvimento das condições necessárias para permitir que as instruções possam ser realizadas, atendendo ao interesse público, dentro de um nível de segurança aceitável.
DO VOTO
Ante o exposto, VOTO FAVORAVELMENTE à concessão de isenção temporária de cumprimento com os requisitos 141.45(d)(1) do RBAC n° 141 e 61.29(i) do RBAC nº 61 à Canyon Sul Balonismo Ltda., pelo período de 60 (sessenta) meses, nos termos da Proposta de Ato SEI 11444501.
É como voto.
LUIZ RICARDO DE SOUZA NASCIMENTO
Diretor - Relator
| Documento assinado eletronicamente por Luiz Ricardo de Souza Nascimento, Diretor, em 22/04/2025, às 12:57, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 4º, do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020. |
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SEI nº 11443073 |