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Voto

PROCESSO: 00058.081140/2024-91

INTERESSADO: CONCESSIONÁRIA DO AEROPORTO INTERNACIONAL DE CONFINS S/A

RELATOR: MARIANA OLIVIERI CAIXETA ALTOÉ

 

DA FUNDAMENTAÇÃO LEGAL

A Lei nº 11.182, de 27 de setembro de 2005, conferiu competência à Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC para regular e fiscalizar a infraestrutura aeronáutica e aeroportuária, bem como conceder ou autorizar a exploração da infraestrutura aeroportuária, no todo ou em parte, e decidir, em último grau de recurso, sobre as matérias de sua competência (art. 8º, incisos XXI, XXIV e XLIII).

Nesses termos, em 07/04/2014, após o regular procedimento licitatório, foi assinado o Contrato de Concessão nº 002/ANAC/2014/SBCF celebrado entre a ANAC e a Concessionária do Aeroporto Internacional de Confins, cujo objeto é a Concessão dos serviços públicos para a ampliação, manutenção e exploração da infraestrutura aeroportuária do Complexo Aeroportuário do Aeroporto Internacional Tancredo Neves/Confins. 

O mencionado Contrato de Concessão prevê na Seção III (Da Revisão Extraordinária) do Capítulo VI (Do Equilíbrio Econômico-Financeiro), Cláusula 6.21, que os procedimentos de Revisão Extraordinária objetivam a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do Contrato, a fim de compensar as perdas ou ganhos da Concessionária, devidamente comprovados, em virtude da ocorrência dos eventos elencados no CAPÍTULO V – Seção I do Contrato, desde que impliquem alteração relevante dos custos ou da receita da Concessionária. 

Por sua vez, o inciso XLIII, do art. 8,º da mencionada Lei nº 11.182, de 2005, combinado com o previsto no art. 9º, caput, do Regimento Interno da ANAC, aprovado pela Resolução nº 381, de 14 de julho de 2016, dispõem que cabe à Diretoria da Agência, em regime de colegiado, analisar e decidir em instância administrativa final as matérias de sua competência. 

Constata-se, portanto, que a matéria em discussão é de alçada da Diretoria Colegiada da ANAC, estando o encaminhamento feito pela Superintendência de Regulação Econômica de Aeroportos - SRA revestido de amparo legal, estando atendidos os requisitos de competência para a deliberação sobre o Recurso Administrativo interposto pela interessada.

 

DA ANÁLISE

Trata o presente processo de pleito de reequilíbrio econômico-financeiro (SEI 10603698) protocolado em 25 de setembro de 2024, reafirmado em Recurso Administrativo (SEI 10928139) e em sustentação oral (SEI 11471971, 11471972 e 11475065),  em que a Concessionária relata fatos decorrentes da pandemia de Covid-19 que, ao seu entender, continuaram a ensejar o desequilíbrio da equação econômico-financeira do Contrato de Concessão nº 002/ANAC/2014 - SBCF no ano de 2024.

Cumpre relembrar de início que a pandemia de COVID-19 teve início em dezembro de 2019, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada sobre casos de pneumonia de origem desconhecida em Wuhan, China. A rápida disseminação do vírus levou a OMS a classificar a COVID-19 como pandemia e a declarar uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional em 30 de janeiro de 2020.

O fim da pandemia de COVID-19 no Brasil, no entanto, foi declarado pelo Ministério da Saúde em abril de 2022, quando foi encerrada a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) devido à significativa queda nos casos e óbitos, além do avanço da vacinação. Em maio de 2023, a Organização Mundial da Saúde (OMS) também declarou o fim da COVID-19 como uma emergência de saúde pública global, destacando a redução nas taxas de mortalidade e hospitalizações, bem como os altos níveis de imunidade populacional.

Em 2020 a ANAC avaliou que a pandemia de COVID-19 se enquadrava na matriz de riscos contratual como um evento de força maior/caso fortuito não passível de cobertura securitária bem como ocasionava restrições operacionais ao funcionamento dos aeroportos concedidos, justificando a revisão extraordinária dos contratos de concessão de infraestrutura aeroportuária e a concessão de medidas para reequilibrar a equação econômico-financeira dos contratos.

Ademais, era inquestionável, à época, o impacto do evento sobre as concessões aeroportuárias, materializado principalmente pelas diversas restrições impostas à circulação de pessoas e às atividades comerciais.

A partir da instauração da crise sanitária, em março de 2020, ficou evidente que os efeitos imediatos sobre o transporte aéreo e, consequentemente, sobre as operações aeroportuárias, se expressavam diretamente por meio da vertiginosa queda da demanda.

As recomendações de deferimento dos pleitos de 2020 e 21 foram chanceladas pela Procuradoria Federal junto à ANAC.

Na oportunidade, o parecer jurídico (Parecer n. 00266/2020/PROT/PFEANAC/PGF/AGU - SEI 5014067) já apontou a necessidade de se compatibilizar o risco de força maior e caso fortuito, contratualmente alocado ao Poder Concedente, ao risco de demanda alocado aos Concessionários, de modo a considerar como risco do Poder Concedente apenas a variação de demanda que tivesse nexo de causalidade direto com a pandemia. Nesse sentido, explica que, uma vez cessada a causa excepcional que atrai a alocação do risco ao Poder Concedente, buscar-se-á novamente no contrato as bases em que está estabelecido o equilíbrio contratual, não se podendo olvidar o risco assumido pela Concessionária quanto à flutuação na demanda. (grifo meu)

Nesse sentido, conforme salientado pela área técnica em sua análise consubstanciada na Nota Técnica 191 (SEI 10656313), para o ano de 2023, ganhou ainda mais relevância a necessidade de se separar a parcela da variação de demanda decorrente do caso fortuito/força maior passível de gerar desequilíbrio contratual da variação de demanda caracterizada como risco ordinário do contrato de concessão alocado ao concessionário.

Destacou a área técnica que: “a realidade vigente em 2023 difere daquela que permitiu o enquadramento na matriz de riscos dos pleitos apresentados nos últimos três anos” porque “é evidente que a pandemia deixou de exercer impacto direto sobre o transporte aéreo, uma vez que não há mais restrições governamentais à circulação de pessoas ou às atividades econômicas, tampouco a disseminação da doença tem sido causa para cancelamento de voos ou de viagens pelos passageiros”.

Ainda, conforme defendido pela área técnica na referida nota técnica: "com o decorrer dos anos, além dos impactos econômicos causados pela pandemia, surgem outros efeitos que, por sua vez, derivam de eventos não previstos na matriz de riscos. Esses eventos imprevistos podem ter consequências significativas e influenciar o cenário econômico de maneira imprevisível".

Assim sendo, restou ressaltado na análise técnica formulada nos autos que, conforme já abordado em análises pretéritas da área técnica, da Procuradoria e da Diretoria da Agência, já havia se constatado a necessidade de acomodar o risco por conta da ocorrência de caso fortuito/força maior, a ser suportado pelo Poder Concedente, do risco de demanda, que por previsão contratual deve ser suportado exclusivamente pela Concessionária.

As preocupações aventadas pela Agência quanto à necessidade de empreender uma separação entre a variação de demanda decorrente do Pandemia e aquela decorrente de outros fatores ordinários da concessão são ainda mais presentes no pleito relativo aos supostos prejuízos do ano de 2024.

Conforme defendido na Nota Técnica 191 (SEI 10656313): 

7.6 É necessário sopesar o estabelecimento do parâmetro limitador com a análise do cenário fático enfrentado a cada ano. Isso é necessário porque a Resolução 528/2019 (art. 2º), bem como o Contrato de Concessão (cláusula 6.21), estabelecem que a revisão extraordinária é procedimento que visa compensar perdas e ganhos devidamente comprovados. Enfaticamente: é necessário comprovar que, em 2024, houve perda à Concessionária em decorrência da Pandemia.

7.7 Essa constatação é necessária e essencial na medida em que o mero estabelecimento de parâmetro limitador pode não ser suficiente para comprovar que eventual perda financeira da Concessionária seja atribuível à Pandemia.

7.8 Nesse sentido, podem-se antever ocasiões em que o não atingimento do parâmetro limitador (demanda baseline do ano de 2022) tenha ligação direta com outros fatores para além da Pandemia. Tome-se, por exemplo, a imposição de restrições operacionais à movimentação de aeronaves ou passageiros em decorrência de fatos imputáveis à própria concessionária.

7.9 Ademais, evidências podem indicar para uma redistribuição da malha aérea nacional baseada na liberdade para a operação de quaisquer linhas aéreas conferida às empresas prestadoras de serviços aéreos (Art. 48, §1º, da Lei nº 11.182, de 27 de setembro de 2005). Essa redistribuição pode ter como consequência o aumento da atuação de determinadas empresas aéreas em determinados aeroportos em detrimento de outros.

7.10 É possível listar uma infinidade de fatores que já podem ter superado a Pandemia em importância para determinar a demanda observada em aeroportos, dentre eles o prolongamento da guerra entre Ucrânia e Rússia, a recente escalada no conflito entre Israel e Palestina, a proximidade das eleições presidenciais nos Estados Unidos e municipais no Brasil, novas políticas públicas do governo brasileiro, variações cambiais, preço de combustíveis etc.

7.11 Naturalmente, esses riscos não estão atribuídos ao Poder Concedente.

Enfim, como bem salientado pela área técnica, é necessário reconhecer que inúmeros fatores contribuem para a variação na demanda de cada aeroporto. Assim, à medida que se afasta do fim da Pandemia, vai se reduzindo a probabilidade de que o não atingimento da demanda projetada pela Concessionária possa ser atribuível a um risco suportado pelo Poder Concedente, sendo necessário considerar a situação de cada aeroporto em si.

Nesse sentido, deve-se pontuar que o aeroporto de Confins registrou em 2024 o maior nível de movimentação de passageiros de sua história, superando em quase 17% a demanda realizada em 2023 e em mais de 10% do nível pré-pandêmico. Quando analisado exclusivamente o tráfego de passageiros internacionais, o número foi 35% superior em relação ao período anterior à pandemia (SEI 11093499).

Destacou ainda que: 

12. Os dados acima demonstram que a Taxa de Crescimento Anual Composta (CAGR) da movimentação de passageiros no período compreendido entre 2019 e 2024 foi de 1,97%. Verifica-se que o CAGR do período que vai de 2019 a 2024 (o que inclui os graves impactos da COVID) é consistentemente superior ao período anterior à pandemia. Quando analisado o período de 2015 a 2019 verifica-se que a movimentação em 2019 ainda não havia recuperado o nível de 2015. Diferentemente, no ano 2024 já é possível observar que a movimentação aeroportuária é 10% superior ao período anterior à eclosão da pandemia.

13. Isto é, no quinquênio 2015-2019 a Concessionária apresentou movimentação estagnada: a movimentação de 2019, considerando-se tráfego doméstico e internacional, ainda era 1,43% menor do que em 2015. Por outro lado, ao final do período seguinte (2019-2024), a Concessionária apresentou crescimento de 10% mesmo com a drástica queda de movimentação durante os períodos mais agudos da Pandemia. (grifo meu)

Não obstante esse entendimento, em estrito cumprimento à determinação da Diretoria Colegiada e, no sentido de pacificar os entendimentos sobre as revisões extraordinárias efetivadas em razão da pandemia de Covid-19 sobre o contrato de Concessão, a SRA apresentou proposta de celebração de acordo consensual por meio de Termo Aditivo, nos mesmos moldes do que foi apresentado para as outras Concessionárias, com o condão de evitar a rediscussão de questões que podem ser consensadas no âmbito administrativo de forma definitiva, inclusive quanto aos pleitos de reequilíbrio referentes aos anos anteriores (2020/2023).

Reforça-se que o acordo proposto se caracteriza como uma solução abrangente, englobando aspectos estratégicos, jurídicos e operacionais. Ao formalizar consenso, visa-se também evitar a rediscussão de temas que podem ser pacificados no âmbito administrativo, contribuindo para a criação de um ambiente regulatório estável, com maior segurança jurídica e previsibilidade.

Nesse sentido, resta claro, conforme Despacho GEIC 11093499, que em momento algum esta Agência reconheceu o mérito do pleito em favor das alegações da Concessionária para o reequilíbrio por efeitos da pandemia em 2024, nem mesmo no âmbito da proposição do referido acordo. Não há que se falar, sequer, em "parcela incontroversa" do reequilíbrio, visto que não foi reconhecido o mérito do pleito, bem como a proposta de aditivo consensual serviria única e exclusivamente à solução do evento no bojo contratual, ou seja, fazia parte indissociável de um conjunto de cláusulas com efeitos vinculantes para a Concessionária e para a Administração Pública.

De qualquer modo, a Concessionária declinou da continuidade das negociações para a formalização do mencionado aditivo, postura similar à adotada na âmbito da SECEX Consenso (Processo do TCU-006.449/2023-9), quando a ANAC tentou solucionar em definitivo questões relacionadas a construção da segunda pista do aeroporto de Confins. 

Assim sendo, diante da impossibilidade de acordo, o objeto da presente análise refere-se, tão somente, à recomposição de prejuízos ocasionados pela Pandemia na concessão no ano de 2024. Necessário, portanto, estabelecer um nexo de causalidade que aponte para os alegados prejuízos à movimentação aeroportuária advindos da Pandemia. Nessa toada, não resta demonstrado no pleito, de forma inequívoca, que a diferença entre o nível de movimentação alcançado em 2024 e o projetado pela Concessionária tenha como nexo de causalidade a Pandemia, mesmo porque o crescimento real anual experimentado pela Concessionária - 2019 a 2024 (1,97%) - já é substancialmente superior ao crescimento de períodos anteriores, restando imprescindível a manutenção do indeferimento do pleito de reequilíbrio apresentado.

 

DO VOTO

Assim sendo, diante das razões acima expostas e em observância aos preceitos do Contrato de Concessão nº 002/ANAC/2014/SBCF, atento ainda ao conteúdo dos autos, VOTO pelo conhecimento do Recurso Administrativo apresentado pela Concessionária do Aeroporto Internacional de Confins S.A., e no mérito, por NEGAR-LHE PROVIMENTO, confirmando-se a decisão recorrida em todos os seus termos.

É como voto.

 

MARIANA OLIVIERI CAIXETA ALTOÉ

Diretora Substituta

 

 


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Documento assinado eletronicamente por Mariana Olivieri Caixeta Altoé, Diretora, em 29/04/2025, às 13:16, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 4º, do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020.


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  SEI nº 11458631