Voto
PROCESSO: 00058.105006/2024-92
INTERESSADO: NOVA PREMIER PMG DISTRIBUIÇÃO LTDA
RELATOR: TIAGO SOUSA PEREIRA
DA COMPETÊNCIA
A Lei nº 11.182, de 27 de setembro de 2005, em seu art. 8º, estabelece a competência da Agência para regular e fiscalizar, entre outros aspectos, os serviços aéreos, a segurança da aviação civil, a habilitação de tripulantes, a movimentação de passageiros e carga e as demais atividades de aviação civil; reprimir infrações à legislação e aplicar as sanções cabíveis; bem como decidir, em último grau, sobre as matérias de sua competência. Em seu art. 11, inciso VIII, o referido diploma legal atribui à Diretoria a competência para apreciar, em grau de recurso, as penalidades impostas pela ANAC.
Por seu turno, o Regimento Interno da ANAC, Anexo à Resolução nº 381, de 14 de junho de 2016, em seu art. 9º, inciso XXVIII, atribui à Diretoria da ANAC, em regime de colegiado, analisar, discutir e decidir, em instância administrativa final, as matérias de competência da Agência, bem como julgar, em segunda instância administrativa, os recursos interpostos às sanções de suspensão ou cassação, com ou sem cumulação de sanção pecuniária, aplicadas em primeira instância administrativa.
Adicionalmente, a Resolução nº 472, de 6 de junho de 2018, em seu art. 46, estabelece a competência da Diretoria para apreciar, em última instância administrativa, o recurso administrativo no âmbito de processos administrativos sancionadores que resultarem em sanções de suspensão, de cassação ou multa acima de R$ 100.000,00 (cem mil reais), cuja admissibilidade tenha sido aferida pela autoridade competente para julgamento em instância anterior.
Nesse sentido, resta evidente a competência da Diretoria Colegiada da Agência para analisar e julgar o presente recurso administrativo.
DA ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO
Dos autos, observa-se que a NOVA PREMIER PMG DISTRIBUIÇÃO LTDA. foi regularmente notificada da lavratura do auto de infração em seu desfavor, ocasião em que lhe foi concedido prazo para apresentação de defesa, que foi protocolada tempestivamente e analisada por ocasião da decisão de primeira instância administrativa. A recorrente foi notificada do teor da decisão e do prazo para apresentação de recurso, que foi apresentado e devidamente apreciado pela segunda instância.
Ainda inconformada, a recorrente apresentou recurso ao Colegiado, feito que, após análise inicial, suscitou a convalidação do auto de infração. Notificada do novo enquadramento dos fatos apurados, inclusive acerca da possibilidade de requerer arbitramento sumário da multa, com o consequente desconto de 50% (cinquenta por cento) sobre seu valor, a recorrente apenas reiterou os argumentos já apresentados em sede de recurso, renovando o pedido de arquivamento dos autos. O curso dos atos, portanto, confirma a observância do contraditório e da ampla defesa, bem como do devido processo legal.
Em atenção a vício meramente formal, mas com potencial para prejudicar o direito de defesa, manifestei-me no sentido de convalidar o auto de infração, nos termos do artigo 28 da Resolução ANAC nº 472, de 2018, o que resultou na necessidade de notificação da recorrente, assim como na reabertura de prazo para que se manifestasse sobre a nova capitulação dos fatos (SEI 11687053 e 11869620). Rememoro que a proposta de convalidação foi apresentada ao Colegiado, que foi cientificado da matéria na 25ª Reunião Administrativa Eletrônica da Diretoria Colegiada, realizada entre os dias 7 e 11 de julho de 2025 (SEI 11769874 e 11798020).
Conforme já exposto no despacho de convalidação (SEI 11687053), não considero, a partir das peças que integram a coletânea processual, que as ocorrências identificadas pela fiscalização caracterizem, de forma inequívoca, uma prestação de serviços de transporte aéreo clandestino remunerado de passageiros (TACA Pax), por parte da NOVA PREMIER PMG DISTRIBUIÇÃO LTDA., proprietária da aeronave PT-OIF.
Isso não significa, contudo, que os fatos trazidos aos autos não sejam suficientes para evidenciar a ocorrência de infração distinta daquela imputada originalmente à recorrente. Das circunstâncias que envolvem o caso, além da alegada existência de um contrato de intercâmbio operacional celebrado entre os envolvidos, por parte da recorrente, constata-se que as notas de abastecimento foram emitidas em nome de duas empresas, que já haviam também celebrado entre si um contrato de intercâmbio de aeronave, este devidamente registrado no Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB), e que, inclusive, ainda estava vigente à época das ocorrências (SEI 10909998, fl. 61).
Trata-se do intercâmbio da aeronave PT-OUF, de propriedade da SV+ PRODUCOES ARTÍSTICAS E EDIÇÕES MUSICAIS LTDA., que possui entre seus sócios os membros da dupla sertaneja, “Hugo e Guilherme” (Srs. Spartaco Luiz Neves Vezzani e Matheus Neves Ferreira), que foram os passageiros transportados durante os 4 (quatro) voos apontados no auto de infração. Fato é que a aeronave PT-OUF, um Beechcraft E90 King Air, é de modelo análogo ao da utilizada durante as ocorrências, a PT-OIF, um Beechcraft F90 King Air, de propriedade da recorrente, aeronave esta que somente foi utilizada em virtude da indisponibilidade, por manutenção, da PT-OUF.
Nesse contexto, não vislumbro a presença de assimetria de informações sobre a segurança, a legalidade e sobre às condições do transporte entre as partes envolvidas. Em verdade, sequer identifico a presença de um contrato de transporte ou a prestação de algum serviço de transporte aéreo, na medida em que os passageiros supostamente transportados de forma clandestina eram os próprios sócios da empresa que assumiu, ocasionalmente, a direção técnica da aeronave e a autoridade sobre sua tripulação, sob a vigência de um contrato de compartilhamento de aeronave – ainda que este não tenha sido registrado no RAB.
Tais circunstâncias devem ser consideradas nos autos, sobretudo para que sejam ponderadas com o único elemento apresentado que, sob a perspectiva da fiscalização, comprovaria a realização de pagamento à NOVA PREMIER PMG DISTRIBUIÇÃO LTDA., pela prestação de um serviço de transporte aéreo: as notas de abastecimento lançadas em nome de terceiros, e não do proprietário da aeronave.
Entendo que tal elemento comprova o pagamento de despesas relacionadas à utilização da aeronave, despesas estas que costumam naturalmente ser assumidas pelo operador da aeronave, que, no caso, figura como parte intercambiada no contrato celebrado com o proprietário da aeronave, que é a NOVA PREMIER PMG DISTRIBUIÇÃO LTDA. É isso que se deduz da manifestação da própria SV+ PRODUCOES ARTÍSTICAS E EDIÇÕES MUSICAIS LTDA. quando diz que (SEI 10909998, fl. 29):
“(...) No período em que a aeronave PT-OUF encontrava-se em manutenção, utilizamos, de forma eventual e sem ônus, a aeronave PT-OIF, de propriedade dos senhores Fernando e Flávio Ribeiro, registrada em nome da empresa Nova Premier. Esclarecemos que, em tais ocasiões, conforme acordado, os custos com o abastecimento das aeronaves foram por nós assumidos.” (original não grifado)
Ainda que não tenha sido comprovada qualquer vantagem ou benefício material consistente auferido pela NOVA PREMIER PMG DISTRIBUIÇÃO LTDA., como compensação pelo intercâmbio de sua aeronave, ou de sua participação concreta na operação de transporte da dupla sertaneja, entendo que houve emprego irregular da aeronave de sua propriedade, vez que a relação contratual estabelecida entre os envolvidos não foi, a priori, instrumentalizada e, sobretudo, averbada junto ao RAB.
Essa condição irregular ensejou o reenquadramento dos fatos no disposto na Resolução ANAC nº 472, Anexo II, COD "ASD" (d), em eventual continuidade delitiva em função dos 4 (quatro) voos apontados no auto de infração:
d) Utilizar ou empregar aeronave sem os documentos exigidos ou sem que estes estejam em vigor” 2.000, 3.500, 5.000.
Nos termos do artigo 2º, inciso XV da Resolução nº 293, de 19 de novembro de 2013, cumpre destacar que são atividades do RAB, no que se refere a aeronaves civis, inscrever atos ou contratos de exploração ou utilização de aeronaves, em que se instituam, reconheçam, transfiram, modifiquem ou extingam os direitos de uso sobre aeronave, como contrato de arrendamento e subarrendamento operacional e mercantil, fretamento, intercâmbio, cessão temporária, consórcio, compra e venda com reserva de domínio.
Ademais, em atenção ao artigo 31 do mesmo ato normativo, compete ao detentor da posse, requerer, no prazo de 30 (trinta) dias, a averbação dos contratos translativos da posse direta de aeronaves, gratuitos ou onerosos, a contar da data da transação, sob pena de multa nos termos da legislação vigente. Quanto a isso, não há qualquer elemento nos autos que comprove que o contrato de intercâmbio tenha sido protocolado perante a Agência para a devida averbação junto ao RAB.
Por seu turno, a Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, que dispõe sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), em seu artigo 124, estabelece que quando o nome do explorador estiver inscrito no Registro Aeronáutico Brasileiro, mediante qualquer contrato de utilização, exclui-se o proprietário da aeronave da responsabilidade inerente à sua exploração. O proprietário da aeronave será reputado explorador, até prova em contrário, se o nome deste não constar no RAB.
Sendo provado, em contrapartida, que havia explorador, embora sem ter seu nome inscrito no RAB – tal como se revela o caso ora analisado –, haverá solidariedade do explorador e do proprietário por qualquer infração ou dano resultante da exploração da aeronave, conforme prevê o artigo 124, § 2º da lei federal já mencionada. Nesse sentido, uma vez tendo sido conduzido o presente processo sancionador para a apuração da irregularidade praticada pelo proprietário da aeronave, com a sua consequente penalização, considero inviabilizada a possibilidade de instaurar novo processo sancionador em face da omissão do detentor da posse da aeronave durante as ocorrências, que era a SV+ PRODUCOES ARTÍSTICAS E EDIÇÕES MUSICAIS LTDA.
Quanto ao cálculo da multa, tendo-se em conta a continuidade delitiva deduzida a partir das 4 (quatro) ocorrências apontadas no auto de infração, caracterizada pela prática de condutas infracionais de natureza idêntica, apuradas em uma mesma oportunidade fiscalizatória, entendo aplicável a fórmula prevista no artigo 37-B da Resolução nº 472, de 2018, com a incidência da circunstância atenuante considerada pelas instâncias anteriores – a inexistência de aplicação definitiva de sanções nos 12 (doze) meses anteriores à data do cometimento da infração em julgamento –, resultando no montante de R$ 7.000,00 (sete mil reais), a título de sanção pecuniária a ser aplicada à recorrente.
DO VOTO
Ante o exposto, VOTO PELO CONHECIMENTO do recurso administrativo, DANDO-LHE PROVIMENTO PARCIAL, aplicando a penalidade de multa à empresa NOVA PREMIER PMG DISTRIBUIÇÃO LTDA. no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais).
Encaminhem-se os autos à ASJIN para a adoção das providências cabíveis.
É como voto.
TIAGO SOUSA PEREIRA
Diretor
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