Voto
PROCESSO: 00058.034495/2025-71
RELATOR: LUIZ RICARDO DE SOUZA NASCIMENTO
DA COMPETÊNCIA DA DIRETORIA COLEGIADA
Os incisos X, XXXV e XLIII do art. 8º da Lei n.º 11.182/2005, conferem competência à Anac para regular e fiscalizar, entre outros aspectos, os serviços aéreos, a formação e o treinamento de pessoal e a habilitação de tripulantes; reprimir infrações à legislação e aplicar as sanções cabíveis; e decidir, em último grau, sobre as matérias de sua competência.
A Resolução n.º 381/2016, que trata do Regimento Interno da Anac, apresenta no caput do art. 9º que compete à Diretoria da Agência, em regime de colegiado, analisar, discutir e decidir em instância administrativa final as matérias de competência da Anac.
Já a Resolução n.º 472/2018, que estabelece providências administrativas decorrentes do exercício das atividades de fiscalização sob competência da Anac, estabelece no art. 46, que cabe recurso à Diretoria, em última instância administrativa, quando as decisões proferidas pela autoridade competente para julgamento implicarem sanções como a cassação ou multa cujo valor seja superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Desta forma, resta clara a competência deste Colegiado para a deliberação da presente matéria.
DA ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO
Como abordado no Relatório, Trata-se de recurso administrativo interposto pela Passaredo Transportes Aéreos S.A. - doravante denominada Passaredo, recorrente, autuada, empresa - em face de Decisão de Primeira Instância prolatada pela Superintendência de Padrões Operacionais (SPO), relativa aos Autos de Infração (AI) n.ºs 648.I/2025 e 649.I/2025.
De partida, verifica-se que a Passaredo foi regularmente notificada sobre os Autos de Infração, tendo sido concedido prazo regulamentar para apresentação de defesa prévia, a qual foi apresentada e considerada na decisão em primeira instância. Em que pese a recorrente ter solicitado concessão de prazo adicional para a preparação de sua defesa, corroboro com o posicionamento da setorial competente de que não foi comprovado nos autos motivo de força maior que justificasse a suspensão do prazo processual ordinário, conforme requer o art. 67 da Lei n.º 9.784/1999, não merecendo prosperar a alegação da recorrente quanto ao suposto cerceamento de defesa e limitação da efetividade do contraditório.
Adicionalmente, observa-se que a autuada interpôs recurso a esta Diretoria Colegiada dentro do prazo legal, atendendo aos demais requisitos formais de admissibilidade. Ao longo da tramitação do processo, constata-se o pleno respeito às garantias do contraditório e da ampla defesa, evidenciado pela atuação da recorrente em ambas as instâncias administrativas, inclusive nesta instância final, onde o feito se encontra em fase de deliberação.
Dito isso, passo, então, a analisar os argumentos apresentados pela recorrente em sua peça recursal, sendo eles, em breve síntese: (i) atribuição de imediato efeito suspensivo quanto a decisão aplicada em primeira instância; (ii) reconhecimento de nulidade quanto à decisão proferida pela CCPI/SPO por suposta ausência de competência legal e regimental; (iii) alternativamente à anulação integral da decisão de primeira instância, reforma quanto à sanção de cassação do Certificado de Operador Aéreo - COA, por medida que, no seu entender, seja mais proporcional, responsiva e adequada, como a celebração de um ajustamento de conduta (TAC) ou acordo substitutivo de penalidade; e, por fim, requer o reconhecimento da excessividade das sanções pecuniárias aplicadas, com a reclassificação e adequação das multas.
Da solicitação de efeito suspensivo
A recorrente solicita concessão de efeito suspensivo ao recurso administrativo com fundamento no art. 38, §1º, da Resolução n.º 472/2018, combinado com o art. 61, parágrafo único, da Lei n.º 9.784/1999.
O art. 61 da Lei n.º 9.784/1999 determina que, salvo disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito suspensivo e, seu parágrafo único pontua que, havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida poderá conceder efeito suspensivo ao recurso. Considerando as circunstâncias dos autos, não vislumbro situações aptas a justificar a atribuição do pretendido efeito suspensivo até a deliberação final da matéria pelo Colegiado, haja vista que os efeitos da penalidade de cassação do COA produzir-se-ão somente a partir da data do conhecimento do trânsito em julgado administrativo, como informado pela Anac no Ofício nº 1140/2025/ASJIN-ANAC (SEI 11573959) que notificou a empresa em relação à decisão aplicada em primeira instância.
Com relação à sanção pecuniária, nos termos do art. 53 da Resolução n.º 472/2008, após o encerramento do presente contencioso administrativo, a recorrente ainda terá, se for o caso, mais 30 (trinta) dias, contados de sua intimação, para efetuar o cumprimento da decisão proferida, ou seja, o efeito da aplicação da sanção pecuniária somente se estabelece após a conclusão da apuração, portanto, não subsiste a hipótese prevista no parágrafo único do art. 61 da Lei n.º 9.784/99.
Da competência para aplicação da sanção de cassação em 1ª instância
A despeito da pretensa preliminar de incompetência da Coordenadoria de Controle e Processamento de Irregularidades (CCPI/SPO) para a aplicação da pena de cassação do COA da recorrente, afirmo, de antemão, que esta alegação não possui respaldo legal, senão veja-se.
Para uma melhor intelecção, inicio a análise a partir do estabelecido no art. 31 da Resolução n.º 381/2016, que dispõe sobre o Regimento Interno da Anac. Tal dispositivo atribui, como competência comum às Superintendências da Agência, a apuração, autuação e decisão, em primeira instância, quanto aos processos administrativos relativos à aplicação de penalidades, de acordo com a respectiva área de atuação de cada unidade. Ademais, o parágrafo 2º deste mesmo artigo prevê que essas competências atribuídas ao Superintendentes poderão ser objetos de delegação.
Neste ponto, é imperioso observar o que consta na Portaria n.º 16.164, de 7 de janeiro de 2025, que dispõe sobre a organização interna da SPO. Por meio dos art. 13, inciso XXIV, bem como do art. 15 de tal Portaria, o Superintendente de Padrões Operacionais delegou tanto à Gerência de Normas Operacionais e Suporte (GNOS) quanto à CCPI - coordenação que compõe a GNOS - competência para decidir, em primeira instância, os processos administrativos sancionatórios afetos à SPO.
Nesse sentido, reforço ainda as competências atribuídas a cada um dos servidores que subscreveram a decisão de primeira instância, estabelecidas na Portaria de Pessoal n.º 126, de 4 de março de 2022 bem como na Portaria n.º 7449/SPO, de 7 de março de 2022.
Em vista disso, vê-se com segurança que tanto a GNOS, quanto a coordenadoria CCPI - que compõe a GNOS - possuem delegação expressa do Superintendente de Padrões Operacionais para analisar e decidir sobre matérias que tratem de infrações às normas de segurança operacional relacionadas às atribuições da SPO, como se identifica no presente processo.
Além disso, para fortalecer toda a argumentação até aqui esposada, os artigos 9º, 33 e, especialmente, o art. 35 da Resolução n.º 472/2018 estabelecem, de maneira clara, a base legal que permite a aplicação da sanção de cassação de certificados pela primeira instância. Importante ressaltar que a imposição de penas de suspensão e cassação de outorgas deve ser realizada diretamente pela Diretoria, o que, neste caso específico, não se aplica. Ressalto ainda que, desde o advento da Medida Provisória n.º 1.089 de 29 de dezembro de 2021, posteriormente convertida na Lei n.º 14.368, de 14/06/2022 (“lei do Voo Simples”), o processo de outorga de concessão para exploração de serviço de transporte aéreo público foi extinto, não havendo que se falar de competência primária da Diretoria Colegiada para a aplicação de sanção de cassação a um certificado COA de operador aéreo que opere sob o RBAC 121. Desta feita, confirma-se, assim, a atuação competente da SPO e da CCPI para tal feito.
Diante do exposto, rejeito, em absoluto, a arguição da recorrente quanto à ausência de competência da CCPI para a aplicação da sanção de cassação do COA da Passaredo Transportes Aéreos, afastando-se, portanto, a ocorrência de nulidade da decisão de primeira instância, como suscitado pela interessada.
Do mérito
Quanto ao pleito de reforma da decisão que aplicou a penalidade de cassação do COA da Passaredo, sob a alegação de que tal medida foi supostamente excessiva e desproporcional aos preceitos da regulação responsiva, é essencial rememorar o contexto em que se deu tal decisão administrativa.
A ocorrência do acidente aéreo com a aeronave de marcas PS-VPB, no dia 9 de agosto de 2024, em Vinhedo-SP, operada pela Passaredo Transportes Aéreos S.A., levou a Agência a intensificar a vigilância continuada e o monitoramento do serviço prestado pela empresa, por meio de um conjunto de medidas de controle e supervisão[1], que foi chamada de Operação Assistida[2].
Tal medida revelou-se necessária diante dos possíveis impactos decorrentes de eventos críticos, como um grave acidente aéreo, os quais podem gerar efeitos colaterais em diversos processos internos da empresa. Isso se torna ainda mais relevante ao se considerar o papel central do fator humano na segurança operacional, especialmente em organizações que prestam serviços de transporte aéreo de passageiros. A intensificação do monitoramento adotada segue uma abordagem comum entre autoridades de aviação civil, frequentemente aplicada em resposta a eventos dessa natureza — sobretudo em empresas de grande porte, regidas pelas normas do RBAC 121.
Ainda durante a primeira fase da Operação Assistida, ocorrida nos meses de agosto e setembro de 2024, as inspeções de rampa, voos de acompanhamento, auditorias de Bases Principal e Secundárias de Manutenção, sob a certificação RBAC 121, e auditoria na base principal da Organização de Manutenção da empresa certificada segundo o RBAC 145, evidenciaram, além de inconformidades em processos e procedimentos relacionados à aeronagevabilidade continuada, importantes deficiências no Sistema de Análise e Supervisão Continuada (SASC) e no Sistema de Gestão da Segurança Operacional (SGSO).
Em uma primeira escalada responsiva, os achados foram comunicados à Passaredo e requerida sua imediata correção. Foi solicitada também a implementação de ações que endereçassem as causas raízes, evitando a recorrência desses problemas.
É importante destacar que, nesse contexto inicial da Operação Assistida, mereceu especial atenção a identificação, por parte da área técnica da Anac, da não realização de inspeções em Itens de Inspeção Obrigatória (IIO), em manutenções realizadas na aeronave de marcas PR-PDZ. Assim, de pronto, em 1º/10/2024, a Anac notificou a Passaredo desses e de outros achados com vistas à correção tempestiva e à rápida adequação ao status de conformidade com os requisitos regulamentares, haja vista a criticidade de tais atividades para a segurança operacional. Como dito acima, essas ações seguiram em linha à uma primeira abordagem responsiva.
Após a citada notificação da recorrente, seguiram-se planos de ações corretivas (PAC) apresentados pela empresa e protocolados no âmbito do processo administrativo no qual estão registradas as tratativas da Operação Assistida[2]. Dentre as ações indicadas, inclusive para endereçar a falta de controle na execução das inspeções obrigatórias, a empresa propôs realizar um amplo treinamento dos profissionais envolvidos na manutenção das aeronaves e nos procedimentos afetos aos itens IIO, bem como sugeriu uma reestruturação de seu SASC, incluindo a criação de um novo departamento para a gestão deste sistema. As medidas foram comunicadas à Anac ainda em outubro de 2024.
A Agência, ainda em uma postura colaborativa, no âmbito dos planos corretivos na Operação Assistida, definiu condicionantes para que a empresa pudesse continuar suas operações em um ambiente de segurança operacional adequada. Nas tratativas administrativas e documentais, as respostas apresentadas pela empresa foram tempestivas e satisfatórias até que, em uma segunda fase da Operação Assistida, em uma nova investida de intensificação da vigilância, visando em especial verificar, na prática, a correção às discrepâncias identificadas na primeira fase da operação e a observância às medidas prometidas nos planos de ações corretivas, ao contrário da expectativa gerada no âmbito administrativo, os achados foram ainda mais críticos.
Destarte, diante da plena incapacidade da empresa em solucionar as irregularidades, bem como da violação de condicionantes estabelecidas anteriormente para a continuidade da operação dentro dos padrões de segurança exigidos, a Agência, novamente pautada na escalada gradual responsiva e na intolerância absoluta em relação à degradação da segurança operacional decidiu pela suspensão cautelar e imediata do COA da Passaredo.
É nesse contexto, qual seja, dentro da Operação Assistida, notadamente entre agosto de 2024 e março de 2025, durante e até mesmo após todas as tratativas que apresentei acima, que a Agência novamente constatou a ausência de execução de inspeções em itens IIO, desta vez em um total de 20 (vinte) manutenções realizadas e que tiveram aprovação para retorno ao serviço em 7 (sete) aeronaves, resultando na realização de 2.687 voos com aviões em condições não aeronavegáveis. Ademais, como exposto nos autos, neste momento a área técnica também constatava relevante degradação nos processos organizacionais da empresa, em que, um dos sintomas percebidos, dentre vários outros, foi a sistêmica perda de controle na execução das inspeções em IIO, que levou à lavratura dos autos de infração tratados no presente processo.
Saliento que tal comportamento, de continuidade da conduta infracional, não era, de forma alguma, esperado para um operador regular após a ocorrência do grave acidente com uma de suas aeronaves, pois, a tal fato esperava-se suceder um aumento do nível de alerta da empresa, uma maior diligência na execução dos procedimentos de manutenção e um reforço em seus sistemas que visavam a proteção aos voos. Além disso, a notificação de falta de execução das inspeções obrigatórias (IIO) ainda durante a primeira fase da operação deveria ter levado a empresa a ajustar os seus procedimentos internos, reforçar treinamentos das equipes técnicas, bem como a conduzir as demais ações cabíveis para evitar recorrência das discrepâncias, inclusive conforme a própria empresa se comprometeu a fazer. No entanto, revelou-se, como pontuado nos autos, a ocorrência de inúmeras operações por parte das citadas aeronaves com potencial risco à sua segurança, o que acentuou a gravidade da situação, haja vista que durante todo esse período houve aumento da exposição ao risco da integridade física de pessoas e diretamente da segurança de voo.
É imperioso compreender a importância das inspeções em itens IIO no contexto de um operador sob o RBAC 121. Tais inspeções são avaliações essenciais para garantir a aeronavegabilidade das aeronaves, a segurança e a conformidade regulatória. As inspeções em itens IIO estão focadas em tarefas e sistemas que são mais críticos para a segurança de voo. Isso inclui inspeções ou ações de manutenção em que uma falha, instalação inadequada ou descuido poderia levar a uma consequência relevante. O escrutínio realizado nessas inspeções, materializado a partir de verificações independentes por profissionais qualificados, reduz diretamente o risco de possíveis eventos catastróficos. Não é demais lembrar que, por reconhecer a relevância das inspeções em IIO, tal inspeção é considerada pela Agência como um dos pilares do Programa de Manutenção de Aeronavegabilidade Continuada (PMAC) de um operador aéreo.
Além disso, a falta de realização das inspeções em IIO se revelou, como bem descrito pela área técnica, uma grave deficiência do SASC do operador. Desenvolvido para assegurar que o programa de manutenção seja eficaz e continuamente aprimorado, tem-se que a falta de controle identificada na realização das inspeções em IIO descortina a completa ineficácia do SASC da empresa.
Considerando o pano de fundo descrito, entendo que o presente processo sancionador precisa ser avaliado e decidido por esta Diretoria considerando o contexto específico da Operação Assistida para o caso, a trajetória da escalada responsiva percorrida até aqui e o amplo cenário que se apresentou com a intensificação do monitoramento na empresa e que culminou nos autos em voga. Se, por um lado, restou clara a existência de diferentes problemas interconectados, por outro, também ficou evidente a incapacidade da empresa em identificar as suas causas raízes e corrigi-los tempestivamente, o que a fez permanecer na reincidência contínua das inconformidades identificadas durante a Operação Assistida.
Como sempre pondero em meus posicionamentos, a Agência não pode transigir quanto ao quesito de segurança. É nossa missão garantir a segurança operacional e a excelência da aviação civil, sendo a segurança o nosso mais caro valor institucional.
Nesse diapasão, é importante destacar que os operadores sob o RBAC 121 são submetidos a um minucioso escrutínio pela Agência, devendo demonstrar cumprimento com rigorosos requisitos para a obtenção do seu certificado de operador aéreo. Os padrões estabelecidos nos regulamentos aplicáveis a tais operadores estão alinhados aos standards adotados mundialmente, e seu contínuo cumprimento é condição essencial para que uma empresa permaneça certificada e prestando serviço de transporte aéreo seguro à sociedade brasileira. Conforme asseverado pela SPO, em sua Decisão de Primeira Instância:
“(...) uma empresa aérea fere a relação de confiança que deve existir entre o regulador e o regulado quando age de forma recorrente não cumprindo normas e procedimentos, subestima a gravidade de irregularidades, descumpre ações corretivas propostas, viola medidas mitigadoras estabelecidas, falha em identificar e corrigir problemas recorrentes, faz a gestão da segurança operacional de forma deficiente.”
Dessa forma, entendo que os autos trazem a este Colegiado um conjunto amplo de evidências de que a recorrente possui deficiências em sua gestão e na execução da manutenção de sua frota que se mostram sistêmicas. Mesmo após a identificação dos problemas técnicos e procedimentais por parte da Agência - após a concessão de prazos plausíveis para o saneamento das pendências e o estabelecimento de condicionantes objetivas -, revelou-se evidente a inépcia da empresa em solucionar as deficiências.
Inobstante a Passaredo, em seu recurso, ter pleiteado a adoção de alternativas à pena de cassação, com base nos preceitos da regulação responsiva, o fato é que tais medidas foram adotadas pela Agência no curso da Operação Assistida. Friso: não estamos diante da primeira irregularidade da empresa[3]. Na verdade, diversas ações dialógicas, colaborativas e orientativas, seguidas por medidas concessivas e repreensivas não surtiram qualquer efeito que pudesse apontar indício de alteração no status quo na conduta da empresa. Pelo contrário, na última etapa da Operação Assistida, os técnicos da Agência identificaram uma degradação da eficiência do sistema de gestão da empresa em relação às atividades monitoradas.
É fato que a Anac, nos últimos anos, tem se empenhado em implementar uma abordagem regulatória com o objetivo de criar um ambiente mais propício a investimentos e à expansão dos serviços oferecidos, sem perder de vista a proteção dos usuários e a melhoria da qualidade dos serviços. Nesse sentido, a Agência lançou o Projeto Regulação Responsiva, que vem promovendo uma atuação mais dinâmica e adaptável às necessidades do setor. Assim como citado pela própria recorrente, a Anac, quando revestida de oportunidades institucionais, jurídicas e regulatórias, tem promovido o uso de conjuntos de estratégias e técnicas que abrem espaço para uma construção consensual e dinâmica de soluções complexas.
Repiso, foi com esse espírito que a Agência implementou, em meio a situação pós acidente, a Operação Assistida, objetivando aproximar-se mais da empresa e de suas operações, em uma abordagem construtiva, buscando o saneamento de eventuais inconformidades. Nesta toada, foram oportunizadas ações colaborativas e corretivas, num espaço de integração mútuo, durante um prazo razoável, sem, em princípio, predominar pretensões punitivas. No entanto, como fartamente argumentado neste voto, tal providência administrativa foi frustrada diante da própria improficiência do operador em implementar as adequadas medidas corretivas às inúmeras deficiências verificadas no curso de tal Operação, medidas estas que são essenciais para a operação e manutenção de uma empresa sob a égide do RBAC 121.
A meu ver, diante de todo o contexto exposto e ainda, considerando (i) o grau de certificação de uma empresa sob o RBAC 121, qual seja, trata-se da certificação mais complexa concedida pela Anac, tanto nas dimensões de obtenção como nas prerrogativas e obrigações, exigindo de seu detentor elevado comprometimento com a garantia da segurança operacional em todos os seus sistemas de gestão e em todos níveis operacionais; (ii) a gravidade das condutas infracionais que violaram medidas essenciais na operação de uma empresa aérea; (iii) a acentuada degradação dos mecanismos de gestão da empresa para a manutenção da aeronavegabilidade de sua frota, em especial do sistema SASC; (iv) o esgotamento das ferramentas de persuasão que possam ser eficazes à postura da empresa diante de todas as tratativas colaborativas agenciadas pela Anac; e (v) que a pirâmide responsiva impele a aplicação de penalidade crível e proporcional ao tipo de regulado (incluindo sua prerrogativa e posição no sistema de aviação civil), à gravidade da infração e à forma como o regulado responde à fiscalização e busca o retorno à conformidade; não vislumbro alternativa senão a de confirmar a penalidade capital aplicada pela primeira instância, qual seja, a sanção restritiva de direitos na forma de cassação do certificado COA nº 2009-06-0PTB-01-02/Anac da Passaredo Transportes Aéreos.
Da sanção pecuniária
Alega a recorrente, em seu recurso, haver excessividade nas sanções pecuniárias aplicadas na Decisão de Primeira Instância, sustentando ser necessária a reclassificação e adequação das multas no contexto de continuidade e aplicação dos redutores previstos na regulamentação vigente.
Antes de tudo, é relevante compreender que os Autos de Infração (AI) nºs 648.I/2025 e 649.I/2025 tratam de infrações de naturezas distintas. Enquanto o AI nº 648.I/2025 endereça uma execução deficiente da manutenção pela operadora, haja visto que as aeronaves tiveram aprovação para retorno ao serviço em 20 (vinte) ocasiões sem a necessária execução das inspeções em IIO, o AI nº 649.I/2025 atém-se a outro aspecto do contexto infracional, qual seja, a operação dessas aeronaves em situação não aeronavegável em 2.687 (duas mil seiscentas e oitenta e sete) oportunidades. São, portanto, infrações de natureza completamente diversa, regidas por arcabouços distintos, como operador aéreo e empresa de manutenção.
Nesse sentido, o princípio da infração continuada somente é aplicável quando configuradas infrações administrativas de natureza idêntica, apuradas em uma mesma oportunidade fiscalizatória. Isso posto, não é cabível entender, a meu ver, que ao primeiro conjunto de 20 infrações (afetas à execução deficiente da manutenção) se seguiriam, de maneira continuada, 2.687 infrações relativas a execução dos voos, supostamente configurando 2.707 infrações de natureza continuada. Tal entendimento violaria o pressuposto presente no art. 37-A da Resolução 472/2018, pois não se trataria de infração de natureza idêntica.
Ressalto ainda que, no âmbito dos dois conjuntos infracionais (de maneira isolada), é aplicável o princípio de infrações de natureza continuada, metodologia que foi utilizada pela área técnica quando da construção da Decisão de Primeira Instância.
Contudo, com respeito à aplicação dos parâmetros para o cálculo da multa, especialmente com relação ao fator “f” aplicado pela área técnica na decisão quanto ao Auto de Infração 649.I/2025 (processo 00058.034494/2025-27), entendo que cabe, nesse caso, o previsto na Súmula Anac nº 002/2019, no sentido de que não deve ser aplicada a agravante quando a circunstância for inerente à prática infracional. A meu ver, na condução dos 2.687 voos com as aeronaves em situação não aeronavegável, a exposição ao risco da integridade física de pessoas ou da segurança de voo é algo intrínseco a essa operação. É relevante ter em mente que a capitulação da infração no citado auto foi sustentada no não cumprimento ao parágrafo 121.153(a)(2) do RBAC 121, o qual requer que a operação de uma aeronave ocorra somente se ela estiver em condições aeronavegáveis. Portanto, uma operação onde ocorra afronta a tal requisito já envolve, por si só, a exposição ao risco da integridade física de pessoas ou da segurança de voo, não sendo necessário aplicar a circunstância agravante prevista no art. 36 ,§ 2º, inciso IV da Resolução nº 472/2018.
Assim, na ausência de circunstâncias atenuantes e agravantes, o fator “f” deve ser utilizado com o valor de 1,85. Portanto, o novo cômputo da multa referente ao Auto de Infração nº 649.I/2025 (processo 00058.034494/2025-27), indica que a multa a ser aplicada deve ser no valor de R$ 499.753,95.
AI nº 000649.I/2025 - Processo nº 00058.034494/2025-27:
Valor da multa = R$ 7.000,00 * 2.6871/1,85
Valor da multa = R$ 499.753,95
No que tange ao valor da multa referente ao julgamento do Auto de Infração nº 648.I/2025 (00058.034495/2025-71), entendo que o valor foi adequadamente calculado pela área técnica no montante de R$ 70.694,80 (setenta mil, seiscentos e noventa e quatro reais e oitenta centavos).
DO VOTO
Ante a todo o exposto e com base no conteúdo dos autos, VOTO PELO CONHECIMENTO DO RECURSO interposto pela Passaredo Transportes Aéreos S.A. e, no mérito, PELA REFORMA DA DECISÃO proferida em primeira instância, para aplicar sanções de multas nos valores de R$ 70.694,80 (setenta mil, seiscentos e noventa e quatro reais e oitenta centavos) referente ao Auto de Infração nº 648.I/2025 e de R$ 499.753,95 (quatrocentos e noventa e nove mil reais, setecentos e cinquenta e três reais e noventa e cinco centavos) referente ao Auto de Infração nº 649.I/2025, mantendo a sanção restritiva de direitos na forma de cassação do Certificado de Operador Aéreo (COA) nº 2009-06-0PTB-01-02/ANAC.
É como voto.
LUIZ RICARDO DE SOUZA NASCIMENTO
Diretor
[1] https://www.gov.br/anac/pt-br/noticias/2024/anac-intensifica-monitoramento-na-voepass
[2] O processo SEI 00058.070646/2024-74 concentra as principais informações da Operação Assistida.
[3] Despacho 11627564. Há inúmeros Processos Administrativos Sancionadores concluídos com penalidades aplicadas e mais de uma dezena em tramitação.
| Documento assinado eletronicamente por Luiz Ricardo de Souza Nascimento, Diretor, em 24/06/2025, às 19:04, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 4º, do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020. |
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