Voto
PROCESSO: 00058.068884/2024-10
RELAT
OR: TIAGO SOUSA PEREIRA
DA COMPETÊNCIA
A Lei n.º 11.182/2005, em seu art. 8º, incisos XXI e XLIII, combinado com o art. 64 da Lei n.º 9.784/1999 estabelecem a competência da Agência para regular e fiscalizar a infraestrutura aeronáutica e aeroportuária e decidir, em último grau de recurso, sobre as matérias de sua competência.
Adicionalmente, a Resolução n.º 472/2018, em seu art. 46, delimita quando o recurso à Diretoria é cabível, o que inclui os casos em que há sanções de suspensão, como é o caso em tela.
Nesse sentido, fica evidente a competência da Diretoria Colegiada da Agência para analisar e julgar o presente recurso administrativo.
DA análise e FUNDAMENTAÇÃO
Dos autos, observa-se que o Instituto de Desenvolvimento da Mobilidade Urbana de Pessoas e Cargas, também denominado Instituto Mine Too, foi regularmente notificado da emissão do Auto de Infração em seu desfavor, ocasião em que lhe foi concedido prazo para apresentação de defesa, a qual foi protocolada tempestivamente e considerada na decisão em primeira instância. Ato contínuo, a autuada foi notificada do teor da Decisão, e do prazo para apresentação de recurso, devidamente considerado na decisão de segunda instância. Ainda inconformada, a autuada apresentou recurso ao Colegiado, feito que está em apreciação na presente deliberação. Portanto, o curso dos atos confirma a observância do contraditório e da ampla defesa, bem como a regularidade processual.
Conforme apontado no relatório, apuram-se no presente processo infrações imputadas à entidade por operar, em 20 (vinte) oportunidades distintas, realizando supostamente transporte comercial de passageiros regulado sob o RBAC no 135, sem autorização para tanto, o que configuraria transporte aéreo clandestino de passageiros, “TACA Pax”, no jargão empregado pela Resolução no 472 da ANAC.
No recurso à Diretoria a entidade alega, em breve síntese, que: a) a associação não possui fins lucrativos; b) que o exercício regular do direito é um excludente de ilicitude; c) que a Administração Pública não pode desrespeitar as expectativas que cria nos particulares.
As alegações merecem prosperar parcialmente.
Inicialmente, destaco que, no mérito, a atuação da associação, conforme apuração da SFI, aponta para o que se pode denominar “abuso das formas jurídicas” para alterar definições essenciais quando se analisam os entes característicos da legislação aeronáutica. A título exemplificativo, omite-se o termo característico “passageiro” ou “passageiro pagante” para dar lugar a figura de um “associado”, com vínculo à organização meramente formal, muitas vezes utilizado para um voo isolado, via uma moção, conforme apontado pela área técnica, assinada no dia de seu primeiro - quiçá único - voo.
Essa situação, em seu extremo, poderia ser estendida “ad infinitum”, com centenas ou milhares de associados se inscrevendo, de forma a voar isoladamente em um voo de sua preferência, o que afastaria sua condição de “passageiro”. Diante disso, dado que transportar o associado seria uma forma de uma entidade “fomentar seus negócios”, na terminologia empregada pelo parágrafo 91.501 do RBAC 91, a operação se moldaria a um “91 puro”, sem finalidade comercial, afastando a necessidade de tal operação ser certificada pelo RBAC 135 ou pela Subparte K do RBAC 91.
Enfatizo que essa situação não é nova - o próprio FAA, nos Estados Unidos, desenvolveu a Subparte K de seu Part 91, denominada “Fractional Ownership Operations”, ou operação com propriedade compartilhada, na tradução livre para a língua portuguesa, exatamente para coibir as práticas de fracionamento indiscriminado da propriedade e/ou utilização de uma aeronave, que poderia levar a seu uso por milhares de pessoas sem que tais indivíduos pudessem ser caracterizados pelo que efetivamente são - passageiros pagantes. Relembro que uma das consequências de inscrever uma aeronave na Subparte K é limitar o número de cotas a 16, para aeronaves de asa fixa, ou 32, para veículos de asas rotativas, exatamente para conter os já qualificados abusos nas nomenclaturas e a indevida substituição do termo “passageiro pagante” por “sócio”, “associado” ou termo similar.
Lembro que, mesmo para autorizar uma empresa para voar sob a Subparte K, exigem-se padrões de segurança cujo atendimento não foi demonstrado pelo regulado. Como exemplo, destaco os requisitos de qualificação dos tripulantes, elencados pelo parágrafo 91.1053 do RBAC, bem como a necessidade de um programa de treinamento dos tripulantes, conforme parágrafo 91.1073 do mesmo regulamento.
Ante a ausência de uma operação estruturada sob a Subparte K do RBAC 91, afastada também a incidência de qualquer hipótese prevista no RBAC 91 para transporte de passageiros sem fins comerciais, chega-se ao fato de que tais operações caracterizam-se, de forma inequívoca, como exploração de serviços de transporte aéreo de passageiros, cuja exploração enseja a aplicação dos RBAC no 119 e 135, o que requer, em suma, a certificação da entidade pelo RBAC 135 para a exploração de tais serviços. Dessa forma, quanto ao mérito, julgo que a área técnica logrou êxito, no conjunto probatório apresentado, em caracterizar cada uma das 20 ocorrências descritas como uma infração ao disposto na Resolução ANAC nº 472, Anexo II, COD “ESA” (i.1).
Inobstante tal constatação, passo agora à busca da decisão mais conveniente ao interesse público e à segurança jurídica nas relações entre a Anac e o regulado. Significa dizer que no exercício de seu poder de polícia, sobretudo no que concerne à aplicação de sanções pelo descumprimento de normas da aviação civil, a Agência deve constantemente avaliar a adequação entre meios e fins, com o objetivo de não impor, em face de seus regulados, sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público.
Nesse contexto, em que pese tenha havido parecer da Anac posterior à data dos voos em análise (SEI 9456031), resultado de diligências feitas junto à autuada, e indicando que, até aquele momento, não teria sido possível, de forma inequívoca, “a comprovação de que a empresa estivesse utilizando as suas aeronaves para a prática de Transporte Aéreo Clandestino de Passageiro - TACA Pax”, é importante salientar que essa manifestação não afasta o poder-dever normativo e fiscalizatório da Agência e, de fato, após o aprofundamento das apurações, foi constata a ocorrência da infração que ora se encontra em julgamento.
Por outro lado, ao deliberar sobre a aplicação de sanções no contexto do modelo de regulação responsiva, é primordial que seja verificado o histórico recente do regulado, tanto no aspecto da conduta colaborativa nas relações com a administração quanto na busca constante pelo atendimento dos normativos vigentes. Logo, entendo que a postura da associação durante o processo de apuração de ilícito 00058.009966/2023-41, deve ser considerada, visto que esta se manteve, tanto quanto possível, disponível não apenas para a fiscalização da Agência, quanto também para possível orientação deste órgão regulador.
Julgo, portanto, que o parecer formulado pela Anac, cujo objeto são os mesmos fatos descritos pelos autos de infração em epígrafe, sujeitam a Agência à resposta compatível, agora, com uma postura mais assertiva ocorrida quase 2 anos depois, devendo seus efeitos serem modulados temporalmente a bem da segurança jurídica. Esse é o corolário, aliás, da aplicação do art. 4-A, inciso I, da chamada “Lei da Liberdade Econômica”, in verbis:
“Art. 4º-A É dever da administração pública e das demais entidades que se sujeitam a esta Lei, na aplicação da ordenação pública sobre atividades econômicas privadas:
I - dispensar tratamento justo, previsível e isonômico entre os agentes econômicos;” (grifo nosso)
A bem da regulação responsiva, entendo que o autuado deva ser notificado, imediatamente, para que se abstenha de praticar voos, sob o mesmo modelo de negócio, sem que haja certificação prévia desta Agência sob o RBAC 135, ou sua adesão a Subparte K do RBAC 91 e demais normas aplicáveis.
Contudo, quanto ao contexto infracional apurado no presente processo, apesar de concordar inequivocamente com a capitulação das ocorrências, considero que a dosimetria ideal para endereçá-las demanda a aplicação de uma multa única, em patamar mínimo - compatível com os atenuantes e agravantes já elencados pelas decisões das duas instâncias anteriores - equivalente ao valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), valor constante na Resolução ANAC nº 472, Anexo II, COD “ESA” (i.1), tendo em vista, em especial, o comportamento cooperativo do regulado ao longo de todo o processo, que prontamente atendeu às determinações desta Agência.
Reitero que a Anac não busca, com a medida por ora tomada, inibir o desenvolvimento das atividades do regulado ou tolher sua livre iniciativa, mas adequar suas operações a padrões de segurança operacional internacionalmente adotados, para o bem da aviação civil e de toda a sociedade brasileira.
DO VOTO
Ante o exposto, VOTO PELO CONHECIMENTO e, no mérito, por PROVER PARCIALMENTE O RECURSO, reformando as decisões de primeira e segunda instâncias (SEI 10863947 e 11541922), aplicando a penalidade de multa ao Instituto de Desenvolvimento da Mobilidade Urbana de Pessoas e Cargas, também denominado Instituto Mine Too, no valor de R$ 80.000 (oitenta mil reais), pela exploração de serviço aéreo sem a devida autorização, caracterizada como Transporte Aéreo Clandestino de Passageiros (TACA Pax), capitulada na Resolução ANAC nº 472/2018, Anexo II, COD “ESA” (i.1).
Encaminhem-se os autos à ASJIN e à SFI para a adoção das providências cabíveis.
É como voto.
TIAGO SOUSA PEREIRA
Diretor
| Documento assinado eletronicamente por Tiago Sousa Pereira, Diretor, em 12/08/2025, às 14:41, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 4º, do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020. |
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