Nota Técnica nº 14/2023/GESP/SGP
Assunto: Análise sobre instituição de um programa e cultura de Gestão de conflitos e relacionamentos na ANAC
SUMÁRIO EXECUTIVO
Trata a presente Nota Técnica sobre proposta de instituição de uma cultura de Gestão de conflitos e relacionamentos na ANAC
ANÁLISE
A divergência e o conflito são essenciais em uma sociedade livre, pois não há como imaginar uma democracia plural sem a existência de desacordos e divergências relacionadas. Os choques entre as diversas concepções morais e políticas definem a nossa convivência como seres humanos.
Uma sociedade somente pode ser considerada plural quando oferece condições para o respeito às divergências e aos desacordos entre as pessoas, por meio de procedimentos que permitam fazer do conflito um combustível para impulsionar mudanças de cultura e permitir que os anseios dos diversos setores da população sejam atendidos pelo Estado.
O conflito já foi encarado como algo negativo, como uma causa de desagregação e desunião entre as pessoas. De acordo com este raciocínio, deveríamos buscar sempre eliminá-lo. Afinal, se ele apenas desagrega e dissolve laços, por que preservá-lo? Por que não criar uma comunidade em que todos pensam da mesma forma e perseguem os mesmos objetivos?
Essa ideia pode até parecer atraente se não a analisarmos com cuidado. No entanto, a afirmação de que as pessoas devem ter opiniões idênticas pode conduzir a conclusões perigosas: afinal, a História nos mostra que o surgimento de práticas de supressão de divergências está associado, justamente, aos regimes totalitários, responsáveis por sufocar a divergência e impor a todos uma visão única de mundo, reprimindo quem pensa de maneira diferente.
Conflitos e divergências sempre existirão, pois fazem parte da própria humanidade. O que é diferente é o tratamento que se dá a estes desacordos: enquanto democracias plurais respeitam os conflitos e institucionalizam processos de resolução pacífica, regimes autoritários os reprimem. Podemos dizer, portanto, que a existência do conflito é uma das formas pelas quais a nossa liberdade, enquanto integrantes de uma comunidade, se expressa.
A função de uma democracia não é a eliminação do conflito; pelo contrário, um de seus objetivos é criar formas pacíficas de resolvê-lo, utilizando-o para produzir mudanças e melhorias nas relações sociais. Por isso se diz que a democracia é o regime político que permite a autorrealização e a autonomia das pessoas (Habermas, 2012).
O ambiente de trabalho também é um microcosmos dessa realidade e pode ser um local onde diferentes personalidades, crenças, valores e interesses se encontram, o que pode resultar nas mais diferentes gamas e matizes de conflitos . Esses conflitos podem surgir por uma variedade de razões, como diferenças culturais, divergências de opiniões, falta de comunicação efetiva, competição por recursos ou reconhecimento, entre outros. Além disso, fatores externos, como a pressão por prazos ou metas, podem contribuir para aumentar a tensão entre as partes envolvidas e até entre áreas de uma organização.
Tendo isso em mente, é importante que as instituições estejam atentas para identificar e lidar com esses conflitos de forma adequada, a fim de evitar que eles se agravem e prejudiquem o ambiente de trabalho e a produtividade dos colaboradores. Dessa forma, a resolução desses conflitos é fundamental para manter a harmonia no ambiente de trabalho e garantir o sucesso da instituição.
Normalmente a palavra “composição” é empregada para abordar possíveis formas de encaminhamento e tratamento das controvérsias. Diante do conflito, as partes têm basicamente três opções: resolver a questão utilizando a força (autotutela ou autodefesa), buscar uma solução por meio do diálogo e do consenso (autocomposição) ou buscar a solução por meio da decisão de um terceiro (heterocomposição).
É na autocomposição que se insere a resolução consensual de conflitos; ela ocorre quando as próprias partes envolvidas no litígio conseguem chegar a uma solução, exercendo a autonomia da vontade.
Quanto aos métodos heterocompositivos citamos a arbitragem, e nos autocompositivos, podemos citar a negociação, a conciliação e a mediação, conforme tabela abaixo:
Esses métodos autocompositivos consistem em permitir que uma ou ambas as partes envolvidas criem uma solução que atenda aos seus interesses, com ou sem ajuste de vontades entre as partes.
Na negociação, as próprias partes conseguem, modificando espontaneamente os seus posicionamentos, chegar a um acordo. Na arbitragem, há um processo no qual as partes envolvidas em um conflito escolhem um árbitro imparcial para decidir sobre a disputa. A conciliação é semelhante à arbitragem, mas o conciliador tem como objetivo ajudar as partes a chegar a uma solução mutuamente aceitável. `Por sua vez, a mediação é um processo no qual um mediador imparcial ajuda as partes a comunicarem-se e a encontrar uma solução mutuamente aceitável.
Os processos autocompositivos tendem a ser mais construtivos do que os outros. Isso porque estes métodos promovem a autonomia das pessoas, valorizando seus posicionamentos e suas posturas, e permitindo que elas próprias resolvam a controvérsia, sem imposições externas.
Embora a arbitragem, a negociação e a conciliação tenham suas vantagens, como rapidez e neutralidade, a mediação é frequentemente vista como a forma mais eficaz de resolução de conflitos. Isso ocorre porque a mediação permite que as partes envolvidas se comuniquem diretamente e trabalhem juntas para chegar a uma solução mutuamente satisfatória, além de oferecer maior privacidade e flexibilidade em comparação com a arbitragem e a conciliação.
Portanto, para melhor conceituação e clareza, define-se a mediação como um mecanismo de autocomposição de interesses conflituosos em que as partes envolvidas contam com a intervenção de um terceiro alheio ao litígio, denominado de mediador – não tendo autoridade ou poder coercitivo para impor a solução do conflito aos envolvidos –, que de forma imparcial desempenha o relevante papel de auxiliá-las na busca por uma solução que lhes seja satisfatória, com ganhos mútuos, privilegiando a conciliação entres as partes.
A utilização da mediação como meio de solução de conflitos no Brasil encontra-se prevista no inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal (Emenda Constitucional n° 45, de 2004), que determina que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Justamente por essa ausência de poder decisório e impositivo do mediador, é necessário que essa função seja exercida por um profissional com perfil psicológico adequado e muito bem treinado e qualificado para seu munus, com profundo conhecimento da psique humana, do universo das negociações e dos negociadores e com o firme compromisso de alcançar efetivamente uma solução para o impasse que seja satisfatória para os envolvidos, sem parcialidade para uma das partes, ou ainda melhor, com multiparcialidadade, conceito que explicaremos mais adiante.
Nesse sentido, é relevante destacar a importância crescente da mediação no sentido de evitar a judicialização ou processualização de demandas que poderiam ser rápida e facilmente solucionadas por esse meio de resolução amigável de conflitos, sendo claro o interesse público envolvido na solução das demandas, inclusive relativas ao contexto de Administração Pública.
Esse tema e tão relevante que a Lei 13.140/2015 dispôs sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública e conceitua a mediação como " atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia".
No âmbito da ANAC, embora não exista ainda uma institucionalização da mediação de conflitos, a Ouvidoria/ANAC atua no pós-atendimento, na mediação de conflitos entre o cidadão, usuário, cliente ou fornecedor, e a instituição.
Nesse cenário, a Instrução Normativa nº 176, de 13 de dezembro de 2021, estabeleceu o Programa de Gestão por Desempenho - PGD da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC+) e propôs uma grande mudança cultural na Agência. Diante disso, a Superintendência de Gestão de Pessoas - SGP passou a ter que agir proativamente na gestão da comunicação dessa nova cultura e na gestão dos relacionamentos afetados por essa nova cultura de desempenho.
Diante dessa cena e visando conhecer um pouco mais sobre Mediação de Conflitos como um instrumento de para atingir esse objetivo, houve algumas ações exploratórias no âmbito da SGP, sendo que a primeira ação foi estudar o tema e verificar as diferenças de abordagens e foco, tais como a mediação Judicial, Extrajudicial e institucional.
Um ponto que chamou a atenção foi que, ao escolher a mediação como forma de resolver conflitos, a instituição beneficia-se de uma resolução mais rápida e econômica, maior privacidade e maior satisfação das partes envolvidas. Além disso, a mediação oferece a possibilidade de manter relações profissionais saudáveis e duradouras.
Nesse contexto, um objetivo importante para a agência deve ser promover ações de reconhecimento e aprimoramento das relações interpessoais visando aumento do desempenho e a melhoria do clima organizacional, sendo fundamental que a agência disponha de ferramentas para resolução pacífica dos conflitos existentes, tais como a mediação de conflitos, conforme apresentado. Um caminho possível para atingir esse objetivo é institucionalizar essa pretensão por meio de políticas e documentos mandamentais no sentido de operacionalizar essa pretensão.
Por conta disso, já na primeira abordagem pensa-se na implantação de um programa de mediação de conflitos na ANAC, para garantir a resolução de conflitos de maneira rápida, eficiente e satisfatória para todas as partes envolvidas, sendo necessário pensar sobre a possibilidade de criar um corpo de mediadores institucionais.
Mediadores institucionais são pessoas que atuam como mediadores em nome de uma instituição, como uma empresa, escola, universidade, governo, entre outras. Eles são treinados e designados para lidar com conflitos específicos dentro da instituição, como disputas entre funcionários, problemas entre alunos e professores, questões de direitos trabalhistas, entre outros. Eles usam técnicas de mediação para ajudar as partes a encontrar soluções para esses conflitos e evitar a necessidade de recorrer à justiça ou outras formas de resolução de conflitos.
Para esse estudo, debruçamos no referencial teórico do Manual de Design de Sistemas de Disputas - 2023, de Diego Faleck e no Manual de Mediação de Conflitos da OAB, Ricardo Dornelles. Além disso, realizou-se uma extensa busca por modelos de referência no contexto público.
Contudo, na pesquisa realizada, inclusive com contato em praticamente todos os órgãos do poder executivo federal e até estaduais, entre eles AGU e CGU, o que ficou muito claro é que as iniciativas de mediação de conflitos, com algumas exceções, tinham pouca simetria com a mediação institucional.
Entre as exceções, podemos citar a ANEEL e a ADASA, que possuem um programa bem estruturado e institucionalizado utilizado inclusive para solução de conflitos complexos, ligados à Mediação de Conflitos Ambientais, com demandas complexas envolvendo muitos atores e interesses.
Contudo, as realidades e maturidades institucionais dessas instituições ´pareciam muito diferentes da ANAC e percebeu-se que seria necessário um estudo mais aprofundado sobre qual modelo adotar, principalmente por que os modelos de mediação aplicados no poder judiciário ou em outras instituições parecia muito distante da realidade ou necessidade institucional da agência.
Nesse sentido, recorremos à ajuda da servidora Samira Iasbeck de Oliveira Soares, Mediadora de Conflitos desde 2005, Consultora Jurídica em Meio Ambiente e professora de Direito Ambiental e de Mediação de Conflitos, Reguladora de Serviços Públicos da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (ADASA), com vários cursos e implementações desenvolvidas no âmbito do Governo do Distrito federal e Integrante e cofundadora do Grupo Avançado de Mediadores Institucionais (GAMEI), além de Instrutora da Escola de Governo do Distrito Federal – EGOV, Professora Convidada da Fundação Dom Cabral - FDC.
Ao pesquisar mais sobre o assunto, houve a contratação de um Curso Introdutório à mediação de Conflitos disponibilizado para 30 servidores da Agência, com objetivo de iniciar uma pesquisa e aprofundamento sobre o tema, expor o assunto aos servidores da ANAC e ter um referencial teórico para construção de solução mais adequada no âmbito desta agência.
Após a conclusão desse curso introdutório, ficou ainda mais claro que a mediação institucional tem muitas particularidades, quando comparada com a mediação judicial e extrajudicial.
Além disso, a implantação de um programa de mediação bem sucedido não pode se amparar em uma capacitação genérica e sem respaldo na cultura organizacional da instituição. Em muitos órgãos que tentaram implantar, o fracasso se deu por tentar primeiro criar uma formalização e institucionalizar top down, sem entender a maturidade, cultura e as necessidades do público alvo dentro da agência.
Para não reproduzir esse erro, a SGP começou uma iniciativa de utilizar os conhecimentos de mediação de conflitos nas demandas relacionadas aos relacionamentos interpessoais e do Programa de Gestão de Desempenho, por já existir uma demanda reprimida nesse sentido.
Nesse período, pudemos contar com consultoria gratuita dos mediadores Samira Iasbeck de Oliveira Soares e Ricardo Cesar Correa Pires Dornelles, em especial em alguns casos especiais mais complexos.
Com a capacitação inicial e estudo continuado do tema, a SGP pode atuar em alguns casos, antes de criar regramentos, pois ainda seria necessária a validação da metodologia, das técnicas e também do aceitação do público da ANAC.
No ano de 2023, houve uma demanda de conflitos que chegaram à SGP envolvendo diretamente 26 servidores e indiretamente 45 servidores, com um total de 145 reuniões via TEAMS.
| SITUAÇÕES DE CONFLITO | |||
| SITUAÇÕES | CONCLUÍDAS | EM ACOMPANHAMENTO | TOTAL |
| APOIO À GESTÃO | 0 | 1 | 1 |
| DESEMPENHO | 7 | 4 | 11 |
| DESMOTIVAÇÃO | 1 | 0 | 1 |
| CASO ESPECIAL | 1 | 1 | 2 |
| MOVIMENTAÇÃO | 2 | 2 | 4 |
| RELACIONAMENTO | 3 | 1 | 4 |
| SAÚDE | 1 | 3 | 4 |
| CONFLITO COM SGP | 1 | 1 | 2 |
| CLIMA DA EQUIPE | 0 | 1 | 1 |
| TOTAL | 16 | 14 | 30 |
Para essas demandas, foi criado um fluxo simplificado de resolução de conflitos, com foco maior na comunicação direta e humanizada, construção de uma base de informações por meio de escuta ativa, perguntas abertas e definição de perfil comportamental.
Para citar um exemplo que bastou uma pequena atuação para resolver o conflito, houve um caso de um servidor que encaminhou uma demanda de conflito com um gestor pela não aprovação de um pedido de material de patrimônio que se arrastava a meses. Ao conversar com as partes envolvidas, o servidor da SGP entendeu que havia um ruído na comunicação e com uma ligação para um setor resolveu todo o problema e o servidor deu um feedback no sentido que tinha certeza que o chefe o estava sabotando, mas entendeu que ele havia feito o pedido errado e não tinha como chefe aprovar. Essa é uma situação que poderia ser resolvida com uma simples conversa e não teria causado tantos problemas na equipe, mas essas situações não são raras, sendo apenas a parte visível de elementos muitos mais sutis e profundos como ressentimentos, sentimento de injustiça, desconfiança e incertezas.
Inclusive é importante salientar que a maior parte dos conflitos guardam relação com um histórico de pequenos ressentimentos, pouca comunicação e desconfiança. Essa é a combinação que deteriora e erode vários relacionamentos dentro da agência.
Já em outro extremo, houve um caso que se arrastou por meses de um conflito que o coordenador ia pedir exoneração por conta de estresse e angústia da situação. Nesse caso, não era um problema de Desempenho, mas algumas atitudes do servidor causavam tamanho mal estar que impactava toda a equipe, inclusive com adoecimento mental. Nesse caso, intermediamos a mudança de unidade do servidor e na nova unidade não apenas cessaram conflitos, mas o servidor tem sido produtivo e engajado.
Inclusive, nesse caso em questão, no acompanhamento regular que realizamos, o servidor, que era o foco de tensão na equipe e de adoecimento próprio e alheio, confidenciou que saiu de um estado de estresse e alerta constante e teve melhoras na saúde.
No caso específico de mudança de lotação, criamos um protocolo para que os gestores antigos e os novos gestores tenham uma reunião formal em que todo o histórico, interações e dificuldades com o servidor seja repassado, pois entendemos que a comunicação é fundamental, inclusive com conversas extremamente difíceis, mas necessárias.
A ideia veio por que vários gestores reclamaram que recebiam servidores na equipe e não tinham a mínima noção do histórico profissional em sua jornada dentro da ANAC. Claro que isso deve ser feito com método para evitar pré-conceitos, em especial quando se trata de situações de recomeço profissional. Mas ficou provado que é sim possível fazer isso tratando de todos os fatos objetivos da vida profissional do servidor, mantendo também uma boa vontade e confiança de que o servidor pode contribuir na nova unidade.
Um outro exemplo é de uma reclamação de um gestor que não conseguia que o servidor entregasse o mínimo de seu pacto ANAC+. Em várias reuniões com o servidor e gestor, entendemos o perfil profissional e conseguimos promover uma mudança de atividade com alinhamento com os interesses e habilidades do servidor.
Esses são apenas alguns exemplos anedóticos que ilustram que, em quase todos os casos que chegaram à SGP, havia dificuldades na comunicação e o principal desafio foi alinhar a comunicação entre todos os envolvidos.
Há também casos que chamamos de conflitos silenciosos: como exemplo, citamos uma situação que ocorre muito: o servidor não preenche o ANAC+ por vários meses, mesmo tendo de fato desempenhado a execução das entregas. O gestor cobra diversas vezes por meios digitais, como e-mail e TEAMS. Além disso, a SGP pede regularização via processo SEI, sob risco de desconto na remuneração. Normalmente ai já se instala um micro conflito com alguns ressentimentos instalados. em caso que nem mesmo isso resolve, não é incomum que o servidor da SGP aborde para uma rápida conversa utilizando ferramentas de mediação de conflitos e o servidor em menos de 24 horas preencha planos que já se arrastavam em atraso há meses. Nesses casos, percebemos uma oposição velada e silenciosa nas relações de trabalho e quase sempre revela uma gestão de desempenho pouco efetiva.
É importante frisar que, nos casos mais simples e nos mais complexos, a abordagem é sempre de estabelecer uma relação de confiança, ouvir verdadeiramente e ter uma conversa franca e direta. Essa é uma abordagem óbvia e simples, mas que muitos gestores e servidores não conseguem ter essa conversa, por acharem difícil ou pela desconfiança instalada, por isso que desumanizam a comunicação ao preferirem métodos impessoais e escritos.
Um exemplo claro disso foi uma mentoria que realizamos com um gestor que estava em um estado constante de estresse pelo relacionamento com um servidor. A razão do estresse era que o servidor não estava realizando as entregas e ele criou mecanismos de micro gerenciamento tão desgastantes que ele trabalhava quase 10 horas na semana apenas para conferir uma a uma cada atividade do servidor. Na mentoria, mostramos como o ANAC+ pode ser utilizado nesses casos e transferimos a responsabilidade da entrega para o servidor, sendo que o gestor passou a apontar as não entregas do servidor e mandar para desconto. Em pouco tempo, o servidor passou a entregar as tarefas, pois antes o gestor não queria promover os descontos e tinha receio da política de consequências.
Parece algo trivial, mas percebemos a dificuldade e ter uma conversa difícil entre gestores e subordinados. A arte das conversas difíceis é uma cultura que precisa ser fomentada no âmbito da agência. Inclusive, nas conversas interativas, fomentamos o que chamamos de cultura de feedback, que é a utilização de ferramentas do ANAC+ para registro e acompanhamento, além de ter uma política de comunicação regular durante o ciclo avaliativo, para fins de avaliação de desempenho. Dessa forma, a avaliação de conceitos e de desempenho, mesmo quando negativos, não será uma surpresa corrigindo rumos e ações durante o ciclo e alinhando o gerenciamento das expectativas.
Dessa forma, com base nessas experiências indutivas vividas, a SGP teve alguns aprendizados que compartilhamos aqui:
Por conta disso, a parte mais importante desse trabalho foi de validar possíveis soluções para o problema apresentado, na medida em que houve um início da compreensão real das motivações e dos conflitos aparentes e subjacentes que se apresentam na agência. Ou seja, todo esforço desprendido até agora assemelha-se a um MVP ( Minimum Viable Product) e poderá ser melhorado caso haja interesse em uma solução maior e mais completa.
Ou seja, adquirimos alguma compreensão e maturidade para implementação de uma cultura de mediação e gestão de relacionamentos na ANAC, se houver algum interesse institucional nesse sentido.
Por outro lado, também concluímos que a atuação nessa frente individual alcança uma parte muito pequena do conflito existente, como em imenso bloco de gelo submerso , em que a ponta do iceberg é apenas 1% de toda massa existente.
Além disso, não se consegue uma atuação preventiva, mas apenas reativa, causando um "efeito enxuga gelo", na medida em que se age apenas nos conflitos que estão "acima do nível do mar" e não há garantias que as mesmas situações não voltem, pois o foco é apenas em solucionar situações mais extremas.
Em outras palavras, essas ações são como um antibiótico quando há o adoecimento de um servidor ou de uma equipe, mas não trata das causas desse adoecimento.
Sabendo isso, a SGP começou a atuar em outra frente: mudança de cultura organizacional, em especial na cultura de Avaliação do Desempenho.
No primeiro semestre de 2023, a SGP promoveu uma iniciativa de Conversas Interativas com os servidores da unidades para ter um contato mais direto sobre a cultura de avaliação de Desempenho e para responder dúvidas, ouvir reclamações e críticas. Nessas conversas, a SGP utilizou algumas ferramentas de mediação de conflitos, principalmente nos embates de visões e ideias acerca do modelo de avaliação dos servidores, alcançando uma boa parte dos servidores da agência:
| QUANTIDADE DE CONVERSAS REALIZADAS | ||
| ÁREA | PÚBLICO | QTD |
| SIA | GESTORES/SERVIDORES | 80 |
| SERVIDORES SIA - GTOP | SERVIDORES | 20 |
| SPO | GESTORES | 25 |
| SPO | SERVIDORES | 120 |
| SFI | GESTORES | 23 |
| SFI | SERVIDORES | 72 |
| SAS | GESTORES/SERVIDORES | 82 |
| GABINETE | GESTORES/SERVIDORES | 11 |
| STI | GESTORES/SERVIDORES | 47 |
| SAR | GESTORES | 41 |
| AUDITORIA | GESTORES/SERVIDORES | 11 |
| SAR | SERVIDORES | 122 |
| ASCOM | GESTORES/SERVIDORES | 18 |
| ASJIN | GESTORES/SERVIDORES | 20 |
| SRA | GESTORES/SERVIDORES | 60 |
| SPI | GESTORES/SERVIDORES | 20 |
| TOTAL | 772 | |
Percebeu-se que era necessário promover um outro nível de comunicação para indução lenta e gradual da mudança de cultura, pois as reuniões acima foram efetivas no sentido de conseguirmos passar a visão da SGP, mas não há garantias da efetividade ou compreensão, além de que não há como mensurar nem mesmo a compreensão racional das ideias.
Nesse sentido, desdobramos essa ação de Conversas Interativas com os coordenadores, que são os chefes imediatos dos servidores, e suas ações são a ponte entre os objetivos institucionais e individuais. Marcamos conversas com no máximo 3 coordenadores, para que seja realmente uma troca de ideias e de convencimento e negociação de melhores práticas e da utilização do ANAC+ como uma ferramenta de gestão e não apenas um sistema de preenchimento obrigatório, conforme tabela abaixo, notando-se que ainda há um árduo trabalho para 2024 para alcançar todo o público de coordenadores da ANAC, pois ainda restam 5 superintendências e todas as diretorias e assessorias:
| CONVERSA COM COORDENADORES | |
| ÁREA | TOTAL DE COORDENAÇÕES |
| SIA | 18 |
| SGP | 10 |
| SAR | 21 |
| SPO | 18 |
| SFI | 20 |
| TOTAL | 87 |
Também vislumbramos a necessidade de uma sistemática parecida para esse tipo de comunicação chegar até os servidores das equipes, mas ainda não conseguimos ter fôlego para dar o primeiro passo.
A metodologia das conversas Interativas é partir do estado de não saber e estar aberto a dialogar com os coordenadores de forma que eles tenham total liberdade e confiança para trazer todas as dificuldades de gestão, de relacionamentos e de desempenho na equipe e até de criticarem ou se mostrarem céticos.
Nessas conversas, ficou muito claro o motivo do fracasso de tentativas de mudanças de cultura organizacional feitas de maneira tradicional. Em praticamente todas as equipes, percebemos que os gestores já tinham conhecimento das ferramentas de gestão ou da forma mais eficaz de promover uma avaliação por conceitos, mas acabavam não realizando por medo de causar discórdia, desconfiança ou insegurança no uso de ferramentas.
Dessa forma, a comunicação não pode ser baseada apenas nos aspectos racionais, mas principalmente nos aspectos emocionais e relacionais com escuta atenta e empática a fim de captar todas as objeções e trazer soluções construídas coletivamente . Além disso, não existe nenhuma possibilidade de comunicação real e efetiva sem a conquista da confiança das pessoas, sendo um processo lento e gradual.
Diante desse cenário, em contrário da tese inicial, percebemos que a necessidade da agência vai muito além da utilização de Mediação para solução de conflitos. A grande dificuldade e necessidade dos atores da agência é transformar a comunicação e gerenciar os relacionamentos. Inclusive, o próprio nome "Mediação de Conflitos" já causa uma estranheza e distanciamento, pois muitas pessoas não querem reconhecer que estão no meio de uma situação conflituosa ou o fazem quando os relacionamentos já erodiram sendo possível apenas uma contenção de danos e não uma ação preventiva.
Claro que a mediação pode ser utilizada como uma ferramenta, mas nunca como fim em si mesmo. Diante disso, queremos apresentar uma proposta muito mais abrangente e focada na comunicação relacional em todos os níveis: top down e bottom up e horizontal.
O primeiro passo é prover uma capacitação capaz de sustentar esse desafio e encontrar pessoas com o perfil adequado para auxiliar nesse desafio, utilizando meios criativos de engajamento e prospecção, considerando a natureza da atividade.
A capacitação é um grande desafio por conta de a oferta para cursos de prateleira estar quase que exclusivamente focada na mediação judicial e extra judicial e por conta dos custos na contratação de formações In Company.
Nesse sentido, temos três propostas de formação, com mediadores profissionais e com currículo de destaque, conforme propostas anexas:
| PROSPOSTA DE FORMAÇÃO EM MEDIAÇÃO DE CONFLITOS | |||||||
| NOME | INSTRUTOR | CARGA HORÁRIA CURSO | CARGA HORÁRIA DEVOLUTIVA INDIVIDUAL - DISC | QTD ALUNOS | VALOR TOTAL | HORA AULA | VALOR POR ALUNO |
| Ciclo de formação de Mediadores de Conflitos Para a Administração Pública Teoria & Prática – GAMEI | SAMIRA E RICARDO | 120 | 0 | 30 | R$ 180.000,00 | R$ 1.500,00 | R$ 6.000,00 |
| Curso de Formação para Mediação em Conflitos Interpessoais | ANA VILANOVA | 60 | 0 | 30 | R$ 25.800,00 | R$ 430,00 | R$ 860,00 |
| Curso de Formação para Mediação em Conflitos Interpessoais com aplicação DISC e devolutiva individual | ANA VILANOVA | 60 | 20 | 30 | R$ 52.140,00 | R$ 434,50 | R$ 1.738,00 |
A primeira proposta é dos mediadores Samira Iasbeck de Oliveira Soares e Ricardo Dornelles. A principal vantagem é eles terem realizado um curso introdutório na ANAC e terem experiência com a mediação institucional, que é um enfoque raro. Além disso, a Samira é bastante atuante na cena de mediação de órgãos distritais, EGOV e o Ricardo é presidente da Comissão Especial de Mediação e Práticas Restaurativas da OAB/RS, Coordenador Geral da Casa de Mediação OAB/RS e Consultor e Capacitador na implementação da Mediação na Administração Pública e Ouvidorias do Estado RS. A desvantagem é os valores que, embora contem com dois mediadores durante a instrução , sobe o investimento para R$ 6.000,00 por cada aluno. Uma outra desvantagem também relacionada ao preço é que o ideal para esse tipo de formação sem perder qualidade seria um máximo de 30 pessoas, o que deixaria o curso ainda mais caro, custando R$ 9.000,00 por aluno, caso aplicássemos o limite ideal e não o de 30 da proposta. Uma outra desvantagem é que o enfoque deles é muito restrito è mediação em si, enquanto ferramenta, e não à comunicação e aos relacionamentos interpessoais.
A segunda proposta é de Ana Maria Veras Vilanova e Silva, que atua do na área de gestão de pessoas há mais de 28 anos, como servidora pública, na Câmara Legislativa do DF, no Cargo de Consultor Técnico-Legislativo, no acompanhamento sociofuncional de servidores; como Mediadora de Conflitos; coaching individual e coletivo; Instrutora de Oficinas de Trabalhos com Grupos (Ambientação de Servidores, de Estagiários, Desenvolvimento de Gestão e Liderança, de Equipes, do papel Profissional, Comunicação e Feedback, etc.). Como vantagem da proposta, o preço é inegavelmente mais acessível e o enfoque dela é maior na parte relacional e de comunicação. Além disso, o trabalho dela na CLDF da parte social e oficinas e grupos é algo que poderia ser estudado pela agência. Dessa forma, a proposta da ANA Vilanova parece estar mais alinhada com a necessidade atual da agência.
A terceira proposta também é da Ana e a única mudança é na inclusão de aplicação e devolutiva individual de ferramenta DISC para todos os 30 servidores participantes da formação.
Uma custo também a se considerar é na necessidade da supervisão das mediações, que é quando um mediador mais experiente orienta um mediador em casos concretos. Nesse caso, implementando-se a supervisão, é bom ter preços mais acessíveis, aplicando-se o mesmo para o princípio da formação continuada, que será extremamente necessário para manutenção da iniciativa.
Uma forma de dirimir um pouco os custos é a contratação em conjunto com a Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, a qual estamos estudando possibilidade de parceria.
A vantagem dessa possibilidade, além de diminuir os custos, é racionalizar melhor a seleção de pessoas e mitigar os riscos, pois há sempre a possibilidade de não ter pessoas suficientes com perfil e fazer uma parceria interagências de cooperação, no qual mediadores da ANTT pudessem atuar na ANAC e vice versa. Além disso, uma prática muito utilizada na Mediação é a chamada comediação, que é o mediador sempre ter um par que realiza as mediações em conjunto. A parceria com a ANTT possibilitaria essa prática de maneira mais efetiva e eficiente, inclusive resolvendo situações de desconfiança e privacidade interna.
Achamos muito positiva a proposta com a ferramenta DISC, pois o sucesso do programa vai estar muito relacionado ao perfil profissional e fará toda diferença ter a devolutiva de um profissional capacitado. Sugeriríamos até que, se essa proposta for escolhida, a contratação da devolução individual ser em número superior a 20 de modo a promovermos um processo seletivo com aplicação da ferramenta para mitigar riscos de pessoas se inscreverem e não terem o perfil ou ainda não tenham interesse ou possibilidade de ajudar na missão.
Quanto ao processo seletivo, propomos que seja feito um edital de divulgação de vagas para toda agência sem considerar a área, pois o perfil profissional é muito mais importante do que a área, evitando que as áreas indiquem pessoas sem o interesse, ímpeto ou perfil adequado. A ideia seria criar uma rede descentralizada que possa atender à Agência em um estrutura que explicaremos mais a frente.
Para sucesso de um programa tão ambicioso, propomos uma estrutura de rede descentralizada. Ou seja, os componentes da rede não terão prejuízos a suas atribuições normais e atuarão por demanda, embora fosse muito recomendável a instituição de uma figura operacional administrativa.
A primeira figura nesse modelo é a do Embaixador, que será o braço político da rede, apontando o direcionamento da cultura organizacional a ser perseguida e fazendo a ponte com as instâncias mais altas, promovendo a visibilidade institucional e buscando incentivos de fomento para a rede. Sugestiona-se para esse papel o ocupante do cargo de Superintendente de Gestão de Pessoas.
A segunda figura é uma instância estratégica e consultiva que ficará responsável por definir política de capacitação, ferramentas utilizadas e melhorias do programa. Para esse papel, sugestiona-se que seja exercido pelo Comitê Gestor de Conflitos de Pessoal - CGCP, com remodelação de membros e de vocação.
A terceira figura é do gestor de relacionamentos que ficará responsável pela implementação e acompanhamento da cultura de gestão de relacionamentos por meio de quatro braços: braço da educação, braço da mediação, braço da mentoria e braço da aferição e checagem.
O primeiro braço é exercido preferencialmente por instrutores da ANAC que produzirão conteúdos relacionados aos temas definidos pela política de Gestão de Relacionamentos, com conteúdos com foco em comunicação, mediação de conflitos, Gestão de conflitos, prevenção do assédio, Qualidade de Vida no Trabalho, perfis comportamentais, cultura de feedback, Cultura de Desempenho, Comunicação Não Violenta - CNV, apoio a lideranças, soft skills. Esse braço também pode ser suprido pela curadoria de conteúdos e cursos ou pela contratação de capacitação relacionada. Além disso, poderá haver um processo seletivo para criar um banco desses instrutores com essas competências e habilidades relacionais.
O segundo braço será formado por mediadores institucionais formados para exercer essa atividade sob demanda do gestor de relacionamentos.
O terceiro braço será realizado por mentores que tenham excelência nos temas de liderança, comunicação e outras habilidades de apoio às lideranças que farão mentorias individuais com as lideranças da ANAC com objetivo de desenvolvimento dessas lideranças.
O quarto braço serão os checadores que farão parte de uma equipe, compostas por estagiários treinados, que acompanharão por meio de preenchimento de ferramentas de questionários os resultados e indicadores do Programa, definidos em política pelo CGCP.
Toda essa rede precisa ser sustentada por formação continuada e criação de incentivos de fomento à cultura, considerando a já esperada rotatividade para manutenção do programa e criação de grupos e redes de apoio semelhantes aos desenvolvidos pela CLDF.
A criação de uma rede eficaz e engajada poderia dar vida a ideias como: embaixadores do bem estar e qualidade de vida, central de acolhimento , grupos de prevenção à depressão e Burnout, laboratório de empatia, "Aliados da Comunicação", ações de prevenção do assédio com conversas mediadas.
referências bibliográficas
CONCLUSÃO
Submetemos a presente proposta à análise sob os aspectos do modelo de rede ser adotado e qual capacitação deve ser adotada para início da formações dos mediadores institucionais da Agência.
| | Documento assinado eletronicamente por Alexandre Marques Bento, Analista Administrativo, em 05/02/2024, às 19:20, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 4º, do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020. |
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| Referência: Processo nº 00058.085991/2023-21 | SEI nº 9495279 |