Voto
PROCESSO: 00058.077208/2024-37
RELATOR: roberto josé silveira honorato
DA COMPETÊNCIA
A Lei nº 11.182, de 27 de setembro de 2005, conferiu competência à Agência Nacional de Aviação Civil – Anac para regular e fiscalizar a infraestrutura aeronáutica e aeroportuária, bem como conceder ou autorizar a exploração da infraestrutura aeroportuária, no todo ou em parte, e decidir, em último grau de recurso, sobre as matérias de sua competência (art. 8º, incisos XXI, XXIV e XLIII).
Nesses termos, em 28/07/2017, após o regular procedimento licitatório, foi assinado o Contrato de Concessão nº 003/ANAC/2017 – SBSV celebrado entre a Anac e a Concessionária do Aeroporto de Salvador S.A, cujo objeto é a concessão dos serviços públicos para a ampliação, manutenção e exploração da infraestrutura aeroportuária do Aeroporto Internacional de Salvador (SBSV).
O mencionado Contrato de Concessão prevê na Seção III - Da Revisão Extraordinária do Capítulo VI - Do Equilíbrio Econômico-Financeiro, a cláusula 6.21, que estabelece que:
"6.21. Os procedimentos de Revisão Extraordinária objetivam a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do Contrato, a fim de compensar as perdas ou ganhos da Concessionária, devidamente comprovados, em virtude da ocorrência dos eventos elencados no CAPÍTULO V – Seção I do Contrato, desde que impliquem alteração relevante dos custos ou da receita da Concessionária, (...)".
Por sua vez, o inciso XLIII, do art. 8º da mencionada Lei nº 11.182/2005, combinado com o previsto no art. 9º, caput, do Regimento Interno da Anac, aprovado pela Resolução nº 381, de 14 de julho de 2016, dispõem que cabe à Diretoria da Agência, em regime de colegiado, analisar e decidir em instância administrativa final as matérias de sua competência.
Constata-se, portanto, que a matéria em discussão é de alçada da Diretoria Colegiada da Anac, estando o encaminhamento feito pela Superintendência de Regulação Econômica de Aeroportos - SRA revestido de amparo legal, estando atendidos os requisitos de competência para a deliberação sobre o Recurso Administrativo interposto pela interessada.
DA ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO
Conforme exposto no Relatório, a partir do exame de pleito da Concessionária do Aeroporto de Salvador S.A., a Superintendência de Regulação Econômica de Aeroportos - SRA propõe a revisão extraordinária do Contrato nº 003/ANAC/2017 - SBSV, em razão dos efeitos econômicos negativos da pandemia da Covid-19 sobre a concessão do Aeroporto Internacional de Salvador (SBSV) durante o ano de 2024, no montante de R$ 27.040.818,90 (vinte e sete milhões, quarenta mil oitocentos e dezoito reais e noventa centavos), na data base de 31/12/2024; bem como a celebração de Termo Aditivo bilateral, conforme a Proposta de Ato n° SEI! 11873632, a ser firmado pela Anac e a Concessionária, com objetivo de estabelecer a metodologia a ser adotada em eventuais futuras revisões extraordinárias em razão dos efeitos da pandemia de Covid-19 sobre o contrato de concessão, bem como de formalizar a renúncia de direitos disponíveis acordada no referido Termo.
Como é de conhecimento dessa Agência Reguladora, a pandemia da Covid-19 foi caracterizada como evento de força maior, conforme o Parecer n° 261/2020/CONJUR-MINFRA/DGU/AGU (SE! 10548259) da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Infraestrutura (CONJUR/Minfra), justificando, desta forma, o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão de infraestrutura aeroportuária em razão das perdas dela decorrentes, observada a matriz de riscos prevista em cada contrato.
Relembrando brevemente as análises dos reequilíbrios associados aos impactos da pandemia nos anos anteriores, na aferição das perdas do ano 2020, a Anac tomou como referência o orçamento aprovado pelo corpo diretivo das concessionárias no ano anterior para o período de março a dezembro daquele ano, pois se tratava de um planejamento financeiro construído sem os vieses da pandemia, mostrando-se uma alternativa razoável para o cálculo do reequilíbrio.
Considerando que boa parte das medidas nacionais e internacionais de restrição à locomoção e circulação de pessoas ainda se mantiveram no ano seguinte, a Agência reconheceu o direito das concessionárias ao reequilíbrio dos contratos de concessão em virtude dos impactos diretos da pandemia sobre as concessões no ano de 2021. Todavia, para o cálculo das perdas, foram consideradas algumas premissas objetivas e simplificadoras sobre a projeção da demanda, com o objetivo de eliminar efeitos diversos sobre a economia, que poderiam ter afetado o PIB em um cenário em que a pandemia não tivesse ocorrido, evitando-se que houvesse o superdimensionamento das estimativas das perdas.
Em 2022, a Anac admitiu que o alastramento da variante ômicron do coronavírus interrompeu o movimento de redução do número casos de contaminação do vírus que se observava no segundo semestre de 2021 e, assim, indicou que a pandemia ainda produzia efeitos diretos sobre o transporte aéreo. Ao passo que reconheceu o direito ao reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos, foi enfatizado que seria razoável presumir que a pandemia teria menor influência sobre escolha dos viajantes pelo transporte aéreo com o passar do tempo. Nesse sentido, passou-se a considerar no cenário base para o cálculo do reequilíbrio um crescimento mais conservador, de forma a expurgar a influência de outros fatores, que não estivessem associados à pandemia, sobre a demanda de passageiros.
Na análise dos pedidos de revisão extraordinária referentes ao ano de 2023, a SRA destacou que a pandemia deixou de exercer impacto direto sobre o transporte aéreo, uma vez que não havia mais restrições governamentais à circulação de pessoas ou às atividades econômicas, e os voos não estavam mais sendo cancelados pela disseminação da doença. Inobstante, a demanda de passageiros ainda estava abaixo da demanda estabelecida como referência para o ano de 2022 em diversos aeroportos, em que pese o fim da emergência sanitária. Assim sendo, entendeu-se que era razoável supor que parte da frustração da demanda poderia ser atribuída a efeitos remanescentes da pandemia sobre o setor.
Diante deste cenário, na análise dos pleitos de reequilíbrio referentes ao ano de 2023, a área técnica propôs, e a Diretoria Colegiada da Anac ratificou, considerar a demanda projetada para o cenário base de 2022, sem qualquer incremento, como um parâmetro limitador para concessão de novos reequilíbrios, com o propósito de isolar as estimativas de prejuízos decorrentes da pandemia dos demais fatores que também poderiam impactar a demanda do aeroporto.
Entretanto, é preciso ressaltar que tanto o art. 2° da Resolução Anac n° 528/2019 quanto a cláusula 6.21 do Contrato de Concessão estabelecem que a revisão extraordinária do Contrato é um procedimento que visa compensar perdas e ganhos devidamente comprovados. Assim, mesmo que a demanda realizada em um determinado ano não tenha alcançado a demanda projetada para o cenário base do ano de 2022, ainda se faz necessário que se comprove que tenha havido perdas em decorrência da pandemia. Isso porque o não atingimento de um parâmetro limitador, como a baseline do ano de 2022, pode se dar em razão de outros fatores além da pandemia, que eventualmente não são suportados pelo Poder Concedente. Como exemplos, podemos citar a imposição de restrições operacionais à movimentação de aeronaves ou passageiros em decorrência de fatos imputáveis à própria concessionária, bem como a alteração de malhas e hubs por empresas áreas, reduzindo a operação em determinados aeroportos e aumentando em outros. É possível elencar diversos outros fatores de natureza política e econômica que eventualmente podem, inclusive, ter superado os efeitos da pandemia no ano de 2024, como novas políticas públicas implementadas pelo governo brasileiro ou em outros países, variações cambiais, preço de combustíveis de aviação etc., riscos esses que foram atribuídos à Concessionária.
Assim, sobre o cabimento do pleito de reequilíbrio decorrente dos efeitos remanescentes da pandemia no ano de 2024, a área técnica bem destacou a importância de se separar a variação da demanda de passageiros decorrente da pandemia, risco atribuído ao Poder Concedente na cláusula 5.2.8 do Contrato de Concessão (que trata da ocorrência de eventos de força maior ou caso fortuito), de outros decorrentes de fatores ordinários da concessão, que foram atribuídos à Concessionária, nos termos das cláusulas 5.4.3 e 5.6 do Contrato Concessão (que trata da não efetivação da demanda projetada). Isso porque com o distanciamento temporal do fim da pandemia, aumenta-se a probabilidade de que o não atingimento da demanda projetada pela Concessionária em um cenário sem a Covid-19 possa ser atribuível a um risco não suportado pelo Poder Concedente.
Feita essa ressalva, concordo com argumentos trazidos pela área técnica quanto ao posicionamento favorável ao cabimento do pleito de reequilíbrio do Contrato no ano de 2024. A inclusão da empresa aérea Gol Linhas Aéreas S/A no ano de 2024 em um regime de reorganização societária nos Estados Unidos da América, sob a égide do Chapter 11, em virtude da Covid-19, alinhada a retração das atividades da companhia no Aeroporto de Salvador, medida em ASK (Assentos Quilômetro Ofertados), a partir de outubro de 2023, são a meu ver suficientes para caracterizar efeitos de segunda ordem da pandemia no Aeroporto. Foi verificado que após um período de acentuado de crescimento da oferta de assentos no Aeroporto entre maio e outubro de 2023, a oferta de assentos passou a apresentar crescimento mais modesto no período de novembro de 2023 a fevereiro de 2024 e, posteriormente, passou a demonstrar retração no número de assentos ofertados. Considerando o ano de 2024 como um todo, contatou-se que houve uma retração da oferta de assentos de 6% no Aeroporto de Salvador enquanto que a oferta de assentos aumentou 1% nas demais localidades atendidas pela empresa aérea, o que sugere que as alterações na malha aérea penalizaram de forma assimétrica o Aeroporto de Salvador em relação a outros aeroportos. Sobre esse cenário destacou a área técnica que é "esperado que em resposta aos desafios apresentados pela Pandemia as malhas aéreas das companhias tenham sofrido alterações, o que pode resultar em impactos desiguais para diferentes localidades. Eventualmente as operações aéreas foram concentradas em determinadas ligações em detrimento a outras. Em que pese esse tipo de alteração ser componente intrinsecamente relacionado à estratégia de cada companhia, é difícil mensurar em qual medida a Covid motivou ou acentuou a reorganização das malhas aéreas"[1].
Neste contexto, tendo em vista a impossibilidade de se realizar uma separação objetiva e precisa entre os efeitos sobre a demanda decorrentes da pandemia e aqueles oriundos de fatores diversos, e considerando a necessidade de se pacificar as discussões sobre os reequilíbrios econômico-financeiros concedidos em razão da pandemia, a Procuradoria da Anac recomendou[2], nas análises dos reequilíbrios concedidos no ano de 2023, a celebração de aditivos contratuais com as Concessionárias como forma de conferir estabilidade aos reequilíbrios já concedidos, evitando-se posteriores discussões sobre questões já discutidas no âmbito administrativo. Ato contínuo, na análise dos pleitos referentes ao ano de 2023, a Diretoria da Anac acolheu tal recomendação da Procuradoria da Anac, determinando que a área técnica buscasse uma solução consensual em pleitos de reequilíbrio semelhantes no futuro, que permitissem às partes discutir amplamente as premissas adotadas nas pretensões almejadas, visando garantir o interesse público, a segurança jurídica dos contratos e reduzir a litigiosidade das contendas administrativas.
Quanto à nova metodologia[3] de cálculo do reequilíbrio econômico-financeiro proposta pela SRA, que considera o produto do EBITDA por passageiro pelo gap de passageiros, a Concessionária manifestou[4] concordância na sua utilização. A respeito do valor atribuído à recomposição, observa-se que houve ajuste final derivado da adequação do número de passageiros considerado, motivado por solicitação da própria Concessionária. Nesse sentido, observa-se inexistir ressalva ao valor fixado na proposta final remetida pela SRA.
No que se refere à forma de reequilíbrio econômico-financeiro, foi registrado que a Concessionária já possui saldos de reequilíbrios deferidos em seu favor no valor aproximado de R$ 147 milhões, que já serão compensados por Contribuições ao Sistema devidas pela Concessionária. Além disso, a Concessionária já antecipou a maior parte das Contribuições Fixas do Contrato, restando o pagamento, nos próximos três anos, de aproximadamente R$ 82 milhões (a valores de dezembro de 2024).
Considerando que o valor da última contribuição variável vencida em 2024 foi da ordem de R$ 14 milhões, caso a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos impactos econômicos negativos da Covid-19 do ano 2024 fossem compensados por meio de Contribuições ao Sistema, seriam necessários muitos anos até a sua efetiva compensação. Deve-se considerar ainda que os valores dos reequilíbrios contratuais são corrigidos pela Taxa de Desconto do Fluxo de Caixa Marginal e pela inflação medida pelo IPCA, o que pode tornar desvantajoso para o Governo Federal o prolongamento demasiado do valor do reequilíbrio no tempo.
Diante deste cenário, mostra-se razoável e adequada a proposta da Concessionária de majoração da tarifa de embarque doméstico do Aeroporto de Salvador, como forma de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do Contrato, pela diferença percentual entre a tarifa embarque doméstico vigente no Aeroporto de Salvador e a média das tarifas de embarque doméstico dos aeroportos concedidos das capitas da região Nordeste, qual seja, 12,4238%.
Quanto às disposições do Termo Aditivo, a Procuradoria Federal da Anac se manifestou pela regularidade do procedimento, não vislumbrando óbices jurídicos ao prosseguimento da proposta de revisão extraordinária.
Quanto à proposta[4] da Concessionária de incluir dispositivo na Cláusula Terceira do Termo Aditivo, corroboro com o entendimento da SRA, que considerou razoável a preocupação da Concessionária quanto à possibilidade de ser compelida ao cumprimento unilateral do aditivo contratual, sem que a Administração Pública também cumpra com as obrigações que lhe competem.
DO VOTO
Ante o exposto, considerando os elementos constantes nos autos, em especial as análises técnicas formuladas pela SRA, as manifestações da Procuradoria Federal Especializada junto à Anac, bem como anuência formalizada pela Concessionária do Aeroporto Internacional de Salvador nos autos, VOTO FAVORAVELMENTE à celebração do Termo Aditivo bilateral ao Contrato de Concessão nº 003/ANAC/2017 - SBSV, conforme a Proposta de Ato n° SEI! 11873632, e à consequente aprovação da revisão extraordinária em razão dos impactos da pandemia de COVID-19 no ano de 2024, no valor e na forma como proposto pela área técnica.
É como voto.
ROBERTO JOSÉ SILVEIRA HONORATO
Diretor Substituto
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Nota Técnica n° 52/2025/GEIC/SRA (SEI! 11346418)
Parecer nº 176/2023/PROT/PFEANAC/PGF/AGU (SEI! 9337927)
Notas Técnicas n° 209/2024/GEIC/SRA (SEI! 10691310), n° 3/2025/GEIC/SRA (SEI! 11030119) e Nota Técnica n° 52/2025/GEIC/SRA (SEI! 11346418)
Carta n° 3874/2025/SBSV (SEI! 11339805) e Carta n° 3937/2025/SBSV (SEI! 11636789)
| Documento assinado eletronicamente por Roberto José Silveira Honorato, Diretor, Substituto, em 06/08/2025, às 10:53, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 4º, do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020. |
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SEI nº 11810777 |