Voto
PROCESSO: 00058.013030/2025-87
INTERESSADO: rico táxi aéreo LTDA.
RELATOR: LUIZ RICARDO DE SOUZA NASCIMENTO
DA COMPETÊNCIA
A Lei nº 11.182/2005, nos incisos X e XXX de seu artigo 8º, estabelece a competência da ANAC para regular e fiscalizar, dentre outras coisas, os serviços aéreos, os produtos e processos aeronáuticos e para expedir normas e estabelecer padrões mínimos de segurança de voo, de desempenho e eficiência, a serem cumpridos pelas prestadoras de serviços aéreos, inclusive quanto a equipamentos, materiais, produtos e processos que utilizarem e serviços que prestarem.
Por sua vez, o art. 31, XVII, do Regimento Interno da ANAC, aprovado pela Resolução nº 381, de 14 de junho de 2016, estabelece entre as competências comuns às Superintendências, avaliar e submeter à Diretoria as petições de isenção a requisitos de regulamentos, bem como rejeitar aquelas que, por mérito ou forma, não atenderem aos critérios estabelecidos.
Ressalte-se que o procedimento para processamento de pedidos de isenções encontra-se na Seção I do Capítulo V da Instrução Normativa nº 154/2020. O parágrafo 2º de seu artigo 47 estabelece que, caso a conclusão seja pelo indeferimento, a unidade organizacional deverá rejeitar a solicitação e comunicar ao interessado a respectiva motivação.
Por fim, o art. 48 da Instrução Normativa nº 154/2020 determina que o recurso interposto contra a decisão de indeferimento será submetido à unidade organizacional que a proferiu, a qual poderá manter ou reconsiderar o posicionamento anterior, encaminhando o processo para deliberação da Diretoria Colegiada em ambos os casos.
Restam atendidos, portanto, os requisitos de competência quanto à deliberação sobre a matéria.
DA ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO
Conforme abordado no relatório[1], trata-se de recurso administrativo protocolado pela Rico Táxi Aéreo Ltda., em face de indeferimento a pedido de isenção temporária de cumprimento do requisito de que trata o parágrafo 135.151(a) do RBAC nº 135. A peticionária pretende operar, por um prazo limitado, a aeronave de marcas PS-RTD, modelo Beech Aircraft B200, serial number BB-1035, com sete assentos para passageiros sem que ela possua um gravador de voz na cabine aprovado.
De partida rememoro que o parágrafo 135.151(a) do RBAC nº 135 estabelece que, para a operação de uma aeronave multimotora com motores a turbina, tendo uma configuração para passageiros de seis ou mais assentos e para a qual são requeridos dois pilotos pelas regras de certificação ou de operação, ela deve ser equipada com um gravador de voz aprovado na cabine dos pilotos, equipamento conhecido como CVR (do inglês Cockpit Voice Recorder). Considerando as características do modelo Beech Aircraft B200 e a intenção da peticionária de operá-lo com sete assentos para passageiros, tem-se a imediata aplicabilidade do requisito ao caso concreto.
O requisito para o qual a peticionária solicita isenção de cumprimento tem sua origem no normativo americano, em particular no parágrafo 135.151(a) do 14 CFR part 135 da Federal Aviation Administration (FAA). O seu objetivo principal é garantir, em aeronaves comerciais a turbina com um número significativo de passageiros, que sejam capturadas informações críticas acerca do desempenho dos pilotos, da tomada de decisões e da comunicação verbalizada na cabine, para que acidentes possam ser devidamente investigados e compreendidos e, em última instância, para que futuros acidentes sejam evitados. É nessa linha, inclusive, que se deu a manifestação do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA) no presente processo[2].
Com fundamento na relevância do equipamento em um contexto de investigação, a Superintendência de Padrões Operacionais (SPO) posicionou-se, tanto em decisão em primeira instância como em sede de recurso, pelo indeferimento do pleito da peticionária. Embora reconheça o posicionamento diligente da área técnica, no meu entendimento cabe um escrutínio das particularidades afetas ao caso em análise.
Embora o CVR seja muito importante para as investigações de acidentes e, portanto, tenha sua relevância voltada à segurança do sistema de aviação, entendo essencial, por outro lado, compreender que uma eventual ausência do gravador de voz na cabine não gera prejuízo direto em termos de safety para a operação da aeronave em questão. Esse aspecto merece relevo pois, em consonância com o previsto no parágrafo 11.31(c)(4)(i) do RBAC nº 11, na análise de uma petição de isenção, a ANAC deve considerar a existência de impactos à segurança das operações e, em se confirmando efeito em segurança operacional, se o interesse público pode ser atendido dentro de um nível de segurança aceitável.
Notadamente em relação aos aspectos específicos da petição apresentada pela Rico Táxi Aéreo, apesar de a empresa ter informado existir um projeto de grande modificação já aprovado perante a ANAC para instalação de um CVR no modelo Beech Aircraft B200 sob o Certificado Suplementar de Tipo (CST) nº 2022S06-02[3], verifica-se pela documentação apresentada nos autos que tal solução imporia custo elevado ao operador decorrente da compra e importação dos equipamentos, realização de serviços de engenharia e instalação do sistema na aeronave. Interações do gabinete desta Diretoria[4] com a peticionária também revelaram que esta opção implicaria em elevado lead time para a entrega dos equipamentos envolvidos.
Essa situação levou o operador a buscar uma solução alternativa junto à empresa brasileira Jazz Engenharia Aeronáutica Ltda., visando a aprovação de um novo CST que possibilitasse a instalação de um CVR e demais equipamentos necessários para o cumprimento do requisito 135.151(a) do RBAC nº 135 na aeronave. Cumpre destacar que tal opção resultaria, conforme documentos juntados aos autos, em alternativa de custo proporcionalmente mais razoável para o operador, representando cerca de 27% do valor total relativo à primeira alternativa (instalação do CST nº 2022S06-02). Assim, reconhecendo que os operadores têm enfrentado um aumento dos custos operacionais, a opção de CVR mais acessível que cumpra os requisitos regulamentares precisa ser considerada por este Colegiado.
Nesse diapasão, é mister ressaltar que o operador tem empreendido esforços no sentido de regularizar a aeronave, tendo sido comprovada a aquisição do equipamento[5] e firmado um compromisso junto à empresa Jazz Engenharia para utilização do CST[6] assim que finalizada a sua aprovação - ações ocorridas ainda no início deste processo. Cumpre destacar, que o compromisso com a empresa de engenharia prevê também a utilização da própria aeronave PS-RTD, objeto desta isenção, como protótipo para os ensaios necessários visando a comprovação de requisitos para a aprovação do mencionado Certificado Suplementar de Tipo, o que, no meu entender, reforça o empenho da peticionária pela aprovação do projeto de modificação e aprovação final do CST. Portanto, verifica-se haver esforço do operador na real busca pela regularização da aeronave para operação sob as regras do RBAC nº 135.
Projeto de modificação nº H.02-5774-0 - processo SEI 00066.010207/2022-41
Conforme pontuado nos autos, a Rico Táxi Aéreo pretende utilizar o projeto de modificação nº H.02-5774-0, referente à "Instalação do sistema CVR modelo A100S da L-3 Communications em aeronaves modelos Textron Aviation 200, 200T, B200 e B200T" conduzido pela Jazz Engenharia Aeronáutica.
Dos autos do processo em referência, observa-se que, embora ainda possua não conformidades técnicas a serem sanadas pela Jazz Engenharia, sua análise está em estágio avançado na Superintendência de Aeronavegabilidade (SAR). É possível verificar que, ressalvadas inconformidades de natureza eminentemente documental - como correções em desenhos - a atual pendência relevante impeditiva para a aprovação imediata do CST pela ANAC fundamenta-se, essencialmente, na comprovação de que o CVR grava, em três canais separados, os áudios do piloto, copiloto e do microfone de área na cabine, conforme requerido pelo parágrafo 135.151(a)(1) do RBAC n° 135 combinado o parágrafo 23.1457(c) do RBAC nº 23.
Isto é, a partir dos arquivos de áudio protocolados no processo, a extração do áudio dos ensaios que já foram realizados indicam uma gravação conjunta, o que, como corretamente indicado pela SAR, ainda não cumpre todo o normativo pertinente. Outrossim, é relevante ressaltar que da análise realizada pela SAR, até o momento, não foram identificados problemas relacionados ao projeto ou ao aspecto de instalação do sistema do CVR na aeronave protótipo PS-RTD.
Atendimento ao interesse público
A petição de isenção que ora se analisa está inserida em um contexto mais amplo, qual seja, o de inclusão do modelo Beech Aircraft B200 nas Especificações Operativas da Rico Táxi Aéreo. Trata-se de regulado que opera primariamente na Região Norte do Brasil, a qual, como é de amplo conhecimento, possui no modal aéreo um relevante pilar de interconectividade com as demais regiões. Considerando ainda que é necessário um olhar particular para as necessidades desta região, entendo que são imperativos os esforços desta Agência com vistas a ampliar a disponibilidade de serviços de transporte na região, notoriamente dentro de um nível de segurança aceitável.
Considerando que o projeto do CST conduzido pela Jazz Engenharia encontra-se em avançado estado de análise e aprovação, entendo ser razoável permitir que a peticionária Rico Táxi Aéreo possa operar a aeronave PS-RTD, com o sistema de CVR indicado no projeto nº H.02-5774-0, ainda que o CST não esteja formalmente aprovado pela ANAC e considerando que o gravador de voz na cabine realizará o registro dos áudios relevantes de maneira conjunta em apenas um canal, e não em três canais segregados.
Entendo que essa é uma solução que está em consonância com o interesse público pois, de um lado, atende às necessidades de gravação do CENIPA (ainda que os áudios não sejam segregados em três canais distintos) fornecendo informações relevantes para investigação em caso de acidente aéreo. Por outro lado, possibilita a operação da aeronave PS-RTD sob o COA da Rico Táxi Aéreo, em operações sob o RBAC nº 135, ampliando a oferta de serviços de transporte na região Amazônica mantendo um nível de segurança aceitável.
Proposta de Decisão de deferimento da isenção
Considerando o exposto, esta Diretoria elaborou a Proposta de Decisão[7] anexada aos autos que endereça a concessão da isenção de cumprimento com requisito específico, com o intuito de permitir a operação da aeronave com o gravador de voz na cabine instalado e operacional, conforme projeto nº H.02-5774-0, ainda que não tenha demostrado cumprimento com todos os requisitos previstos na seção 135.151(a)(1) do RBAC n° 135, em especial no parágrafo 23.1457(c) do RBAC nº 23.
Nesse sentido, apresento algumas condicionantes para mitigação de eventuais riscos, conforme listado a seguir:
Ressalto, ainda, que na eventual aprovação pela ANAC do Certificado Suplementar de Tipo referente ao projeto n° H.02-5774-0 antes do término do prazo da isenção, é esperado que a Rico Táxi Aéreo proceda à imediata adequação da aeronave ao previsto no CST, realizando também a regularização dos registros de manutenção da aeronave relativos à implementação dessa grande modificação.
Inobstante, cumpre ainda mencionar que o conceito de aeronavegabilidade exige que a aeronave esteja conforme o seu projeto de tipo e em condições de operação segura. Assim, considerando que o CST ainda não está aprovado pela ANAC, é essencial que a Decisão tomada por essa Diretoria reconheça que, muito embora a aeronave PS-RTD não esteja completamente conforme o projeto aprovado (considerando o andamento da grande modificação da instalação do CVR em curso), para efeitos operacionais, uma vez atendida as condicionantes do item 2.16 deste Voto, ela poderá ser considerada aeronavegável, ainda que não cumpra com todos os requisitos previstos na seção 135.151(a)(1) do RBAC n° 135 e no parágrafo 23.1457(c) do RBAC nº 23. Não é demais lembrar que a aprovação do CST está pendente por aspecto que, salvo melhor juízo, não está relacionado a questão de segurança, mas de comprovação de características da gravação do equipamento. Por isso, a Proposta de Decisão anexada aos autos aborda esse aspecto no art. 2°, de forma a conferir segurança jurídica ao operador da aeronave e à Agência.
Finalizando, no que tange ao prazo de vigência da Decisão, proponho a concessão de 90 dias, em deferimento ao solicitado pela peticionária[8] .
DO VOTO
Ante o exposto, VOTO FAVORAVELMENTE à concessão de isenção temporária e parcial de cumprimento com o requisito de que trata o parágrafo 135.151(a)(1) do RBAC n° 135, à Rico Táxi Aéreo Ltda., pelo período de 90 (noventa) dias, nos termos da Proposta de Ato SEI 11971754, ressaltando o que consta nos itens 2.17 e 2.18 deste Voto.
É como voto.
LUIZ RICARDO DE SOUZA NASCIMENTO
Diretor - Relator
____________________________
SEI 11944721.
SEI 11293478.
CST n° 2022S06-02 conferido à Universal Avionics Systems Corporation.
Reunião virtual realizada no dia 11/8/2025 com a peticionária, por meio do MS Teams.
SEI 11186294.
SEI 11186296.
SEI 11971754.
Carta n° 025-ENGRTA-2025 - SEI 11366696.
| Documento assinado eletronicamente por Luiz Ricardo de Souza Nascimento, Diretor, em 26/08/2025, às 15:33, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 4º, do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020. |
| A autenticidade deste documento pode ser conferida no site https://sei.anac.gov.br/sei/autenticidade, informando o código verificador 11957955 e o código CRC 9F44FD8F. |
SEI nº 11957955 |