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Voto

PROCESSO: 00058.078162/2024-73

INTERESSADO: JOMAR DE SOUZA MARTINS

RELATOR: LUIZ RICARDO DE SOUZA NASCIMENTO

 

DA COMPETÊNCIA DA DIRETORIA COLEGIADA

Os incisos X, XXXV e XLIII do art. 8º da Lei n.º 11.182/2005, conferem competência à Anac para regular e fiscalizar, entre outros aspectos, os serviços aéreos, a formação e o treinamento de pessoal e a habilitação de tripulantes; reprimir infrações à legislação e aplicar as sanções cabíveis; e decidir, em último grau, sobre as matérias de sua competência.

 

A Resolução n.º 381/2016, que trata do Regimento Interno da Anac, traz no caput do art. 9º que compete à Diretoria da Agência, em regime de colegiado, analisar, discutir e decidir em instância administrativa final as matérias de competência da Agência.

 

Já a Resolução n.º 472/2018, que estabelece providências administrativas decorrentes do exercício das atividades de fiscalização sob competência da Anac, estabelece no §1º, do art. 35, que na aplicação de sanção de suspensão ou cassação pela primeira instância, caso exista recurso, este será encaminhado diretamente à Diretoria para distribuição aleatória.

 

Desta forma, resta clara a competência deste Colegiado para a deliberação do presente feito.

 

DA ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO

Conforme descrito no Relatório (SEI 11924969), refere-se a recurso interposto pelo piloto sr. Jomar de Souza Martins em face de Decisão de 1ª Instância proferida pela Superintendência de Padrões Operacionais - SPO (SEI 11499950) que impôs sanção de suspensão de suas licenças de piloto por 180 (cento e oitenta) dias, cumulada com multa no valor de RS 1.600,00 (mil e seiscentos reais). Esta última foi aplicada de maneira solidária com outros autuados identificados nos autos processuais. Ainda, aponto que tais penalidades resultam do registro de informações irregulares no Diário de Bordo da aeronave de marca de nacionalidade e matrícula PS-BAO, notadamente, no que diz respeito ao registro dos dados do piloto que comandou os voos realizados em 18/09/2023.

 

Embora as sanções estabelecidas pela Decisão em 1ª Instância afetem outros regulados, o presente recurso versa apenas sobre as penalidades aplicadas ao sr. Jomar de Souza Martins, de acordo com o esclarecimento contido no item 1.1 do Aviso nº: 056/2025 (SEI 11714554).

 

O autuado recorre da decisão proferida pela SPO afirmando que não foi responsável pelos registros dos voos realizados em 18/09/2023 no Diário de Bordo da aeronave, contudo afirma que transcreveu tais registros em sua CIV Digital por "erro, descuido, e não por vontade livre e consciente de dar vantagem a outrem". Assevera que foi levado a erro no momento do preenchimento de sua CIV, o qual foi realizado em momento posterior e distante da data em que os voos ocorreram. Ressalta que este esclarecimento foi apresentado à ANAC ainda em sede preliminar de arbitramento sumário de multa, apresentado em conjunto pelos autuados, do qual extrai-se o excerto: 

 

Pede-se o benefício do arbitramento da multa com o desconto de 50% conforme indicado no art. 28 da Resolução 472 reconhecendo integralmente a ocorrência da conduta reprovável digna da reprimenda educacional observando apenas para finalidade de possível julgamento de suspensão que pode recair aos aeronautas que participam do litisconsórcio passivo, em sede do princípio da pessoalidade que o lançamento do voo origem da controvérsia pelo aeronauta Jomar de Souza Martins foi de natureza culposa (levado a erro) pois habituado a lançar na CIV digital os voos totalizados em período na CIV não houve tempo para analisar cada um dos voos em critérios de data incluindo todos. Esta informação adicional têm vez para que esta Autoridade à considerando possa ao menos individualizar e atenuar qualquer medida acautelatória que advenha da sanção pois que sendo piloto comercial ativo uma suspensão pode acarretar a sua demissão imediata trazendo externalidades ao PAS. (SEI 11062693)

 

Assim, em sua peça recursal, o sr. Jomar de Souza Martins manifesta concordância com a multa aplicada, porém solicita revisão da penalidade de suspensão de suas licenças ao considerar não ser o caso de aplicação do art. 17 da Resolução ANAC n.º 457/2017.

 

Dito isso, saliento que as alegações merecem prosperar em parte, senão veja-se.

 

Durante fiscalização realizada pela ANAC, no dia 18/09/2023, no aeroporto Brigadeiro Antônio Cabral– SNDV, localizado na cidade de Divinópolis – MG, fiscais da Agência verificaram que o sr. Thales Augusto Almeida atuava como piloto em comando da aeronave PS-BAO (SEI 10562943, 9128336 e 9128335), a qual, conforme Diário de Bordo pousou em SNDV às 12:28h e prosseguiu para SNFE às 16:01h. No entanto "devido a problemas operacionais como falta de sinal de internet para consulta aos sistemas da ANAC (RAB SACI) os dados coletados foram consultados posteriormente", constatando-se que a habilitação técnica HMNT do mencionado piloto - necessária para a operação desse tipo de aeronave - estava vencida desde julho de 2019 (SEI 9128334). Na ocasião, a fiscalização verificou ainda que: o Diário de Bordo não contava com os registros dos voos realizados naquele dia (SEI 9128335); outros voos realizados pela aeronave não haviam sido lançados no Diário de Bordo; e, constava no Diário de Bordo lançamentos de voos realizados pelo piloto Thales Augusto Almeida, mesmo este estando com a habilitação vencida (SEI 10562943 e 10553630). Ademais, a fiscalização ressaltou haver indícios de que voos realizados pelo piloto Thales Augusto Almeida tenham sido remunerados, mesmo sendo este portador de licença de PPH e não possuísse esta prerrogativa.

 

Ato contínuo, em 03/01/2024, após solicitação desta Agência ao operador da aeronave (SEI 9250505), cópias do Diário de Bordo foram enviadas à ANAC (SEI 9517495). Nesses registros, de forma irregular, constam que os voos realizados no dia 18/09/23 estavam sob o comando do sr. Jomar de Souza Martins (SEI 9517495). Posteriormente, a fiscalização verificou que, em 31/01/2024, o Sr. Jomar lançou em sua CIV Digital esses voos realizados pelo piloto Thales Augusto Almeida, em consonância ao que consta no Diário de Bordo. Tais lançamentos na CIV do piloto ocorreram após a fiscalização presencial no SNDV e até mesmo após o envio da cópia do Diário de Bordo da aeronave à Agência.

 

Assim, no que diz respeito à afirmação do recorrente de que realizou a transcrição das informações contidas no Diário de Bordo em momento posterior e distante da data da realização dos voos (18/09/2023), tal alegação é corroborada pelo sistema da CIV Digital, especialmente acerca do lapso temporal entre a data dos voos e seu registro na CIV Digital. Ademais, da análise desses documentos verifica-se também que o recorrente pilotava com certa regularidade a aeronave PS-BAO, de modo que era habitual o registro posterior de voos em sua CIV Digital e isto pode ter contribuído para o lançamento indevido, como ele alega.

 

Com relação à afirmação de que o recorrente não foi responsável pelo registro no Diário de Bordo, a despeito de ele não identificar quem o fez em seu nome, em um simples cotejamento dos registros desse Diário de Bordo, por exemplo, entre o padrão da assinatura do comandante dos voos realizados no dia 18/09/23 (pág. 27) e aquele constantes às páginas 18 a 23, é possível observar distinções notórias ente as assinaturas.

 

O mesmo ocorre com o padrão de assinatura do piloto Mauro Egídio Silva Filho registrado nas folhas 16, 17 e 25 daqueles apostos na folha 29 desse Diário de Bordo. Tanto é que os voos constantes da folha 29 estão registrados no nome do sr. Mauro e as assinaturas são semelhantes ao padrão do sr. Jomar. Outrossim, segundo consta do extrato do DCERTA apresentado no SEI 9177949, nos planos de voos dessas operações, o Sr. Jomar é o comandante designado. Contudo, tanto na CIV Digital do sr. Mauro como na CIV Digital do sr. Jomar estão registrados os voos documentados nessa página do Diário de Bordo. Em contrapartida, embora o piloto Thales Almeida esteja presente em mais de cem voos deste Diário de Bordo, nenhum deles foi registado na sua CIV Digital.

 

Essas constatações, por si só, não garantem que o Sr. Jomar não foi o responsável pelo registro dos voos do dia 18/09/23 no Diário de Bordo, no entanto, servem para evidenciar a falta de cuidado por parte do operador da aeronave em garantir o fidedigno preenchimento do Diário de Bordo. Do contrário, o próprio operador não teria autorizado o registro de voos realizados por um determinado piloto, no principal documento da aeronave, em nome de outro piloto. Além disso, demonstra desorganização dos pilotos que operavam a aeronave, especialmente em relação à conformidade e atualização dos registros das operações, o que também colaborou com a ocorrência de irregularidades.

 

Assim, considerando o contexto fático e os documentos presentes nos autos, conclui-se que não há elementos suficientes para afirmar de forma inequívoca que os registros dos voos realizados no dia 18/09/2023 no Diário de Bordo da aeronave PS-BAO, fora aposto pelo recorrente e de maneira intencional para obter ou receber vantagem indevida. O contexto da má gestão da aeronave, tanto no que diz respeito aos registros de voos quanto ao controle de licenças e habilitações dos pilotos que a operaram, contribuiu para o preenchimento inadequado do Diário de Bordo. Dessa forma, a meu ver, não é razoável afirmar categoricamente que o piloto comercial de helicóptero, profissional da aviação desde 2007, ciente de que a ANAC dispunha da informação de que outro piloto com a habilitação vencida foi pego pela fiscalização presencial, iria de forma intencional registrar esse voo em seu nome com vista a acobertar o piloto irregular, ainda mais sob uma eventual coordenação do operador da aeronave com o qual não há registro de que o sr. Jomar mantinha vinculação trabalhista ou outro tipo de subordinação que pudesse lhe impor tal medida.

 

Por outro lado, os registros indevidos do Diário de Bordo, independentemente de quem os tenham realizado, são robustecidos quando as mesmas informações passam a constar da CIV Digital do piloto a quem os voos são atribuídos. Logo, cumpre reforçar que o zelo, a atenção e o compromisso em registrar e informar os fatos da forma como realmente aconteceram são requisitos imprescindíveis a qualquer profissional da aviação. Portanto, dos pilotos, ao preencher suas horas de voo nos sistemas da ANAC, ao preencher o Diário de Bordo, ao encaminhar planos de voos ao órgão responsável pelo controle do espaço aéreo, ao se reportar aos operadores de aeródromos, enfim, ao se portar diante dos elos do sistema, espera-se uma conduta escorreita, legítima e zelosa para com as prerrogativas que lhe foram concedidas. De outra banda, condutas descuidadas, imprudentes ou desleixadas atentam à teia constitutiva da aviação civil e, sujeitam-se às medidas sancionatórias por parte desta Agência.

 

Nesse sentido, este Voto também serve como um alerta ao Recorrente para que, no futuro, preste a devida atenção e cuidado ao registrar seus voos nos sistemas da ANAC e nos diários de bordo das aeronaves que efetivamente operar. Além disso, é importante que ele informe à Agência qualquer irregularidade da qual tenha conhecimento durante sua atividade profissional como aeronauta, sob risco de enfrentar uma situação mais gravosa.

 

Assim, pelos motivos expostos acima, no que se refere às sanções aplicáveis ao recorrente, entendo ser adequado afastar a incidência do art. 17 da Resolução ANAC nº 457/2017 e promover o cálculo da dosimetria da penalidade da sanção restritiva de direitos na forma de suspensão por meio das regras previstas no art. 37 da Resolução ANAC nº 472 de 6 de junho de 2018, dado seu caráter geral e aplicação supletiva às normas específicas.

 

Dessa forma, passando a análise das circunstâncias fáticas, ratifico a análise em 1ª instância reconhecendo a incidência de duas circunstância atenuantes (art. 36, § 1º, inciso I e III), no entanto afasto a agravante descrita no art. 36, § 2º, inciso III, conforme argumentos exarados neste Voto. Assim, nos termos do art. 37 da Resolução ANAC nº 472/2018, o prazo da suspensão punitiva das licenças de piloto do recorrente deve ser fixada em 20 (vinte) dias.

 

Por fim, acerca da sanção pecuniária, julgo adequado o montante aplicado pela Decisão de 1ª Instância.

 

dO VOTO

Diante das razões expostas, VOTO pelo CONHECIMENTO do recurso interposto pelo interessado e, no mérito, pela REFORMA PARCIAL da decisão proferida em Primeira Instância Administrativa (SEI 11499950), especialmente no que se refere às sanções aplicadas ao Sr. JOMAR MARTINS DE SOUZA, de modo a manter o valor da sanção pecuniária em R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais) e fixar em 20 (vinte) dias o período da penalidade restritiva de direitos na forma de suspensão das licenças e habilitações de piloto do Recorrente.

 

Por fim, tendo em vista que lançamentos inexatos dos voos permanecem até o momento na CIV Digital do Recorrente, solicito à área técnica da Superintendência de Pessoal da Aviação Civil - SPL que determine ao aeronauta que promova a exclusão imediata de todos os registros irregulares de sua CIV Digital, de forma a promover o saneando completo desses registros, bem como que o notifique sobre o ressaltado no item 2.14 deste Voto.

 

É como voto.

 

LUIZ RICARDO DE SOUZA NASCIMENTO

Diretor


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Documento assinado eletronicamente por Luiz Ricardo de Souza Nascimento, Diretor, em 09/09/2025, às 16:30, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 4º, do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020.


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