Voto
PROCESSO: 00065.006010/2025-61
INTERESSADO: AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL, GIANCARLO HEEMANN CHERNAKI
RELATOR: LUIZ RICARDO DE SOUZA NASCIMENTO
da competência
A Lei nº 11.182, de 27/09/2005, em seu art. 8º, incisos X, XXXV e XLIII, estabelece a competência da ANAC para regular e fiscalizar as atividades da aviação civil, bem como reprimir infrações à legislação pertinente.
A Resolução nº 381, de 14/06/2016, que aprova o Regimento Interno da Agência, estabelece no caput do art. 9º que compete à Diretoria da Agência, em regime de colegiado, decidir, em última instância administrativa, as matérias de competência da ANAC.
Já a Resolução nº 472, de 06/06/2018, que disciplina as providências administrativas decorrentes do exercício das atividades de fiscalização no âmbito da competência da Anac, dispõe no §1º do art. 35 que, havendo recurso contra a aplicação de penalidade de suspensão ou cassação pela primeira instância, este deverá ser encaminhado diretamente à Diretoria.
Diante disso, resta evidenciado que a matéria sob análise é de alçada da Diretoria Colegiada, estando os encaminhamentos realizados pela Assessoria de Julgamento de Autos em Segunda Instância (ASJIN) revestidos de amparo legal.
Desta feita, assim estão atendidos os requisitos formais para a apreciação do presente recurso.
DA ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO
Trata-se de recurso administrativo interposto contra a Decisão de Primeira Instância referente ao julgamento do Auto de Infração nº 169.I/2025, que imputa ao aeronauta Giancarlo Heemann Chernaki – CANAC 218576 a inserção irregular de 64 (sessenta e quatro) voos, totalizando 83 horas e 12 minutos, em sua Caderneta Individual de Voo (CIV Digital), sem registros correspondentes em diário de bordo. Consta ainda dos autos que tais lançamentos foram utilizados para comprovar experiência no processo de concessão da habilitação de Piloto Agrícola de Avião (PAGA).
Em decisão de primeira instância aplicou-se as sanções de multa no valor de R$ 14.816,21 (quatorze mil, oitocentos e dezesseis reais e vinte e um centavos), cumulada com a penalidade de cassação de todas as licenças e habilitações do recorrente.
Em sede de recurso, o recorrente, em breve síntese, argumenta sobre: (i) a utilização de informação de divergência entre dados advindos do Certificado de Verificação de Aeronavegabilidade (CVA) da aeronave PT-JIO e o total de horas de voo associadas à sua CIV Digital; (ii) a prescrição da pretensão punitiva; (iii) o recaimento de sanções sobre todas as licenças e habilitações; (iv) a não observação dos princípios da Vedação à Decisões Surpresa, da razoabilidade, da proporcionalidade e do princípio do Non Bis Idem.
As alegações merecem prosperar parcialmente.
Preambularmente, manifesto concordância com a decisão proferida no PAS nº 77 (SEI 11603598), notadamente com relação à análise material dos fatos, à qualificação da gravidade da conduta e à avaliação das atenuantes e agravantes. Em complemento, apresento as razões pelas quais considero que a penalidade restritiva de direitos aplicada deve ser parcialmente reformada.
É de se notar, inicialmente, que o processo trata da inserção de 83 horas e 12 minutos na CIV Digital, cadastradas em 19/09/201, que corresponde a 20,8% das 400 horas exigidas pelo RBAC nº 61.243(a)(5) como requisito de experiência para a obtenção da habilitação PAGA.
Adentrando nas alegações apresentadas em sede de recurso, o recorrente questiona a utilização de informação de divergência entre dados advindos do Certificado de Verificação de Aeronavegabilidade (CVA) da aeronave PT-JIO e o total de horas de voo associadas à sua CIV Digital. Destaca-se que é procedimento da SPL consultar além do próprio diário de bordo, todas e quaisquer ferramentas disponíveis para comprovar ou até mesmo rechaçar ilícitos provenientes de supostas fraudes. Diante disso, tal consulta identificou que no período de 2015 até 2021 há discrepância significativa a mais de horas de voo registradas no sistema CIV Digital do que realmente a aeronave voou, o que corrobora para a confirmação de utilização de horas sem registros correspondentes em diário de bordo. Ademais, no processo 00065.044363/2024-88 foi tratada tal questão, concedendo, preliminarmente, ao regulado oportunidade de esclarecimento das divergências constatadas, culminando no reconhecimento por parte do piloto das irregularidades aventadas.
Além disto, sustenta que há ocorrência de prescrição administrativa, dada que a data inicial de contagem deveria ser a partir da data da prática do ato irregular, que ocorreu entre 16/09/2015 e 12/11/2015. Contudo, a Diretoria consolidou o entendimento no sentido de que o prazo prescricional se inicia na data da inserção das horas no sistema da ANAC, ou, alternativamente, na data de sua utilização em processo administrativo relevante (licença ou habilitação), o que ocorrer depois. Inclusive, esse entendimento está em consonância com o teor do Despacho SPL – SEI 11603614 que apresentou as diretrizes importantes envolvendo a prescrição, elencando precedentes desta diretoria colegiada, como por exemplo, o exposto no Voto do Diretor Tiago Pereira (SEI 9212026 - Processo nº 00065.018107/2020-10), em que se consignou o seguinte:
“Os voos lançados em CIV Digital não ocorreram – logo, fatos inexistentes não podem servir como marco inicial da prescrição. A infração se consuma com a inserção das horas inexatas no sistema da ANAC, e não com as datas fictícias dos supostos voos.” (grifado)
Nesse sentido, fica patente que o argumento combatido da prescrição da pretensão punitiva não merece guarida, pois apuração teve início no dia 25/10/2024, após transcorridos menos de 8 (oito) anos da ocorrência infracional (12/01/2022).
Outro ponto elencado pelo recorrente e que merece atenção está sob a invocação da aplicação do princípio da vedação às decisões surpresa no caso. Todavia, tal alegação não merece prosperar, pois a Resolução nº 472/2018 é norma editada e pública, a qual prevê expressamente as sanções aplicáveis para o caso em comento. Além disso, o recorrente foi regularmente notificado, por meio do Ofício nº 1560 (SEI 11821432), para, caso lhe aprouvesse, apresentar recurso no prazo de 10 (dez) dias, oportunidade em que exerceu seu direito de irresignação à decisão tomada (SEI 11886136).
Ademais, o art. 288 do Código Brasileiro de Aeronáutica – Lei nº 7.565/1986 atribuiu a autoridade de aviação civil competência para tipificar as infrações à própria Lei nº 7.565/1986 ou à legislação que dela decorra, bem como para definir as respectivas sanções e providências administrativas aplicáveis a cada conduta infracional, observado o processo de apuração e de julgamento previsto em regulamento próprio. Desta feita, não há que se falar em cerceamento de defesa, em decisão surpresa, desproporcional ou caracterizada por bis in idem, uma vez que a norma permite a aplicação cumulativa de multa e sanção restritiva de direito, assim como previsto no direito administrativo com supedâneo no art. 35 da Resolução nº 472/2018 e RBAC 61, cabendo observar, ainda, o previsto na seção 61.13(c) do RBAC 61.
Em prosseguimento ao caso, importa ainda sopesar a gravidade da conduta. Dos autos abstrai-se que o regulado atuou como piloto agrícola até a anulação de sua habilitação PAGA, ocorrida em 03/01/2025 (Despacho Decisório nº 165 – SEI 10975011). Desta feita, indissociável está a circunstância de que o próprio aeronauta e terceiros foram expostos a risco, uma vez que desempenhou atividades complexas sem que preenchesse devidamente os requisitos mínimos de experiência exigidos pela regulamentação vigente; fato este comprovado pela análise de sua CIV Digital (consulta de 08/09/2025, às 11h25).
Nesse contexto, sopesando que fraude em registros pessoais de aeronautas é conduta muito grave e atenta contra o sistema regulatório da Agência, de maneira que se espera que a reprimenda aplicada seja capaz de alcançar os efeitos pedagógicos e reparatórios, desencorajando o recorrente e outros regulados a incorrer em conduta análoga, avalio que além da penalidade pecuniária, deve ser aplicada penalidade restritiva de direitos.
Nessa esteira, considerando o contexto das irregularidades, qual seja, que a fraude cinge-se à comprovação da experiência de piloto para obtenção da habilitação PAGA (não há nos autos indícios de irregularidades com relação aos cursos exigidos para formação teórica e prática e demais requisitos regulamentares), que os lançamentos irregulares não foram utilizados para a obtenção das licenças de PPR e PCM e, que o aeronauta atuou como piloto agrícola; avalio que medida corretiva adequada para cumprir os objetivos sancionatórios e educativos é aplicar a penalidade de suspensão punitiva de todas as licenças e habilitações averbadas ao recorrente conforme dosimetria da Resolução nº 472/2018 e aplicar a penalidade de cassação (ou de seus efeitos) sobre a habilitação PAGA. Dessa forma, o recorrente somente poderá requerer nova habilitação PAGA após decorridos pelo menos 2 (dois) anos da data do ato administrativo que o notificou da aplicação dessa penalidade, e desde que fique comprovado que os motivos que levaram à cassação não mais existam ou não produzam mais efeito (61.13(c), RBAC 61).
Assim, com base no art. 37 desta Resolução nº 472/2018 e valendo-me da análise realizada pela primeira instância, a penalidade de suspensão punitiva deve ser fixada em 40 (quarenta) dias. No que tange à sanção pecuniária, como expressei acima, assinto com a Decisão de Primeira Instância, mantendo a aplicação de multa no valor de R$ 14.816,21 (quatorze mil, oitocentos e dezesseis reais e vinte e um centavos), calculada conforme metodologia constante do art. 37-B da Resolução nº 472/2018.
DO VOTO
Ante o exposto, VOTO pelo conhecimento do recurso administrativo interposto (SEI 11886136) e, no mérito, por PROVER-LHE PROVIMENTO PARCIAL, mantendo-se, a sanção pecuniária aplicada pela decisão em primeira instância (SEI 11603598) no valor total de R$ 14.816,21 (quatorze mil, oitocentos e dezesseis reais e vinte e um centavos), cumulada com a sanção restritiva de direitos, na forma de suspensão punitiva de todas as licenças do interessado e habilitações a elas averbadas pelo prazo de 40 (quarenta) dias, bem como de cassação da habilitação PAGA nos termos do item 2.14 deste Voto.
É como voto.
LUIZ RICARDO DE SOUZA NASCIMENTO
Diretor
| Documento assinado eletronicamente por Luiz Ricardo de Souza Nascimento, Diretor, em 09/09/2025, às 16:30, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 4º, do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020. |
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