Voto
PROCESSO: 00058.044565/2025-08
RELATOR: TIAGO SOUSA PEREIRA
dA COMPETÊNCIA
A Lei nº 11.182/2005, em seu art. 8º estabelece a competência da Agência para regular e fiscalizar os serviços aéreos, a segurança da aviação civil e a habilitação de tripulantes; reprimir infrações à legislação e aplicar as sanções cabíveis, bem como, decidir, em último grau de recurso, sobre as matérias de sua competência.
Adicionalmente, a Resolução nº 472/2018, nos arts. 35 e 46, estabelece competência à Diretoria para deliberar sobre pedidos de recurso no âmbito dos Processos Administrativos Sancionadores que resultaram em sanção de suspensão ou de cassação e cuja admissibilidade foi aferida pela autoridade competente para julgamento em instância anterior.
Nesse sentido, resta evidente a competência da Diretoria Colegiada da Agência para analisar e julgar o presente recurso administrativo.
DA análise e fundamentação
Dos autos, observa-se que o Sr. Rubens Gonçalves de Brito, CANAC 293076, foi regularmente notificado (SEI 11609524 e 11666941) da emissão de Auto de Infração em seu desfavor, ocasião em que lhe foi concedido prazo para apresentação de defesa. O pedido de arbitramento foi protocolado tempestivamente e considerado na decisão em primeira instância (SEI 11677051). Ato contínuo, identificada a possibilidade de cumulação de sanção restritiva de direitos, o autuado foi notificado a se manifestar (SEI 11754686 e 11760684), optando por manter-se silente. Decisão complementar de primeira instância (SEI 11857887) aplicou sanção de suspensão pelo período de 40 (quarenta) dias de suas licenças de piloto. Notificado do teor da Decisão, o autuado apresentou recurso, feito que está em apreciação na presente deliberação. Portanto, o curso dos atos confirma a observância do contraditório e da ampla defesa, bem como a regularidade processual.
A linha de argumentação da defesa, em síntese, pauta-se na alegação de que a operação foi realizada em área privada, com autorização do proprietário, e que o risco decorreu de ação inesperada deste, ao se aproximar da aeronave. A defesa também destacou que o piloto manteve distância segura e que não houve intenção de colocar pessoas em risco.
As alegações não merecem prosperar.
A Lei nº. 9.784/99 atribui direitos e deveres específicos tanto para a Administração Pública como para os administrados, equilibrando o binômio da proteção dos direitos dos administrados e do melhor cumprimento dos fins da Administração. Esses princípios são inegociáveis pela ANAC, que zela diuturnamente pelo cumprimento de sua função como agente regulador em garantir a excelência e a segurança da aviação civil brasileira. Um dos pilares da atuação da ANAC é a regulação responsiva, na qual a Agência concita seus regulados, dentro de suas possibilidades, a fomentar um ambiente seguro e responsável nas atividades concernentes à aviação civil. Paralelamente a isso, cabe à Agência aplicar as medidas legais, proporcionais e razoáveis à conduta infracional do regulado, com vistas a alcançar os efeitos reparatório e pedagógico, tanto para o regulado como para o sistema.
A referida Lei aponta que o administrado tem o dever perante a Administração de proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé, não agir de modo temerário, prestar as informações que lhe forem solicitadas e colaborar para o esclarecimento dos fatos. Nesse sentido, percebe-se que a instrução probatória colacionada pela área técnica contrasta frontalmente com a versão do autuado sobre os fatos.
Inicialmente, o piloto afirma que realizar um voo pairado em aeronave monomotora, em cima de veículos estacionados na propriedade e sobre uma pessoa que se aproxima, "visava garantir a segurança do pouso e comunicar intenção de pouso". Ora, o que o vídeo demonstra é precisamente o oposto - uma manobra estacionária, realizada sobre ao menos dois carros distintos, que deu aos agentes a possibilidade de posar para vídeos e se locupletar da situação. Lembro que o diagrama altura-velocidade (H-V) do modelo em questão, um Robinson R66, se inicia a 8 pés de altura (vide manual de voo), o que geraria, em caso de pane de motor, um pouso brusco sobre a pessoa em questão e a interação potencialmente catastrófica entre a fuselagem da aeronave e os carros no entorno. Afirmar que, com as alternativas tecnológicas disponíveis atualmente, tal postura visava "resguardar a segurança" dos envolvidos destoa dos bons princípios de airmanship desenvolvidos pelos profissionais de aviação nos últimos 120 anos.
Cabe aqui ressaltar a extrema reprovabilidade da conduta do recorrente. Como já exposto, a atuação da ANAC nas atividades de fiscalização tem como objetivo a proteção do sistema de aviação como um todo, em alinhamento com a missão institucional desta Agência. Condutas como a que ora se discute, portanto, denotam a pretensão do aeronauta de se manter à margem desse sistema, deixando de cumprir requisitos mínimos previstos na legislação aeronáutica. Nesse sentido, a Agência tem o dever de atuar de maneira assertiva, para restabelecer a integridade e garantir aos demais agentes e à sociedade a necessária segurança para o pleno exercício das atividades de aviação civil no Brasil.
Isto posto, para fins de determinação da sanção adequada ao presente caso, é necessário considerar ainda as circunstâncias da prática infracional. Assim, concordo com a decisão de primeira instância ao considerar a agravante de exposição ao risco da integridade física de pessoas ou da segurança de voo, em razão de que a ocorrência em análise afeta a segurança operacional. A negligência operacional demonstrada pelo piloto jamais deveria fazer parte de sua rotina operacional, tendo em vista os ensinamentos básicos e as boas práticas de pilotagem amplamente divulgadas e publicadas a partir de eventos semelhantes em que ocorreram incidentes/acidentes aeronáuticos.
Quanto ao suposto uso da licença de piloto para a atividade parlamentar, reforço que tal argumento, a meu ver, reforça o caráter pedagógico da medida, em função da necessidade de preservação da dignidade da função pública.
Por fim, cumpre repisar que a Agência tem envidado esforços na direção de uma regulação mais responsiva que requer de seu regulado não apenas a capacidade técnica, mas, sobretudo, confiabilidade, pois esses pilares conferem segurança à concessão de certificados para o exercício de atividades reguladas.
DO VOTO
Ante o exposto, VOTO por NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO e pela manutenção da decisão em primeira instância (SEI 11857887) em todos os seus termos, no sentido de aplicar a sanção restritiva de direitos, na forma de suspensão, por 40 (quarenta) dias, das licenças de que o aeronauta for titular e de todos os certificados de habilitação técnica a elas averbados.
Encaminhem-se os autos à Superintendência de Padrões Operacionais - SPO para as providências cabíveis.
É como voto.
TIAGO SOUSA PEREIRA
Diretor
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