Voto
PROCESSO: 00058.078676/2024-29
INTERESSADO: VOAR - COOPERATIVA DE USUARIOS DE AERONAVES EM REGIME DE PROPRIEDADE COMPARTILHADA
RELATOR: LUIZ RICARDO DE SOUZA NASCIMENTO
DA COMPETÊNCIA DA DIRETORIA COLEGIADA
Os incisos X, XXXV e XLIII do art. 8º da Lei n.º 11.182/2005, conferem competência à Anac para regular e fiscalizar, entre outros aspectos, os serviços aéreos, a formação e o treinamento de pessoal e a habilitação de tripulantes; reprimir infrações à legislação e aplicar as sanções cabíveis; e decidir, em último grau, sobre as matérias de sua competência.
A Resolução n.º 381/2016, que trata do Regimento Interno da Anac, traz no caput do art. 9º que compete à Diretoria da Agência, em regime de colegiado, analisar, discutir e decidir em instância administrativa final as matérias de competência da Agência.
Já a Resolução n.º 472/2018, que estabelece providências administrativas decorrentes do exercício das atividades de fiscalização sob competência da Anac, estabelece no art. 46, que cabe recurso à Diretoria, em última instância administrativa, quando as decisões proferidas pela autoridade competente para julgamento implicarem sanção de multa acima do valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), como é o caso em tela.
Desta forma, resta clara a competência deste Colegiado para a deliberação do presente feito.
DA ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO
Conforme detalhado no Relatório (SEI 11979472), a VOAR - Cooperativa de Usuários de Aeronave em Regime de Propriedade Compartilhada (Recorrente), foi regularmente notificada de todos os atos processuais ao longo do presente processo sancionador, tendo sido garantido o direito ao contraditório e ampla defesa.
Repisa-se que o presente processo apura infração imputada a Recorrente enquanto operadora da aeronave de marca de nacionalidade e matrícula PR-GCR, pela realização de transporte aéreo clandestino de passageiros (TACA Pax) em voos realizados pela citada aeronave no dia 29/02/2024, conforme aponta o Relatório de Ocorrência (SEI 10569875), elaborado pela equipe de fiscalização desta Agência.
No recurso à Diretoria, a Recorrente alega, em síntese, que: a) o passageiro do voo em tela é cooperado da VOAR, legítima proprietária da aeronave, tendo custeado apenas sua fração das despesas, conduta legítima e típica de operação privada, de forma que o mero rateio proporcional de custos entre coproprietários ou cooperados não se confunde com remuneração pelo voo; b) que o modelo de negócios da VOAR está substancialmente distante de qualquer configuração que possa, com razoabilidade, ser confundida com o fretamento irregular de aeronaves; c) que não há qualquer vedação legal ao uso da aeronave pelos seus próprios proprietários, ainda que estes sejam sócios, acionistas ou cooperados vinculados a pessoa jurídica, desde que o uso seja privado e não comercial, tal operação estaria em conformidade com o RBAC 91; e d) que a decisão recorrida optou pela imposição da penalidade de patamar médio prevista na Resolução nº 472/2018, sem considerar a possibilidade de medida menos gravosa — como seria cabível diante da natureza da conduta questionada.
As alegações da Recorrente não merecem prosperar, senão veja-se.
Em primeiro lugar, é necessário esclarecer que, conforme se verifica nos autos, quem estava operando o voo, objeto da fiscalização da ANAC, era a VOAR Cooperativa (Recorrente) e, não a Aviation Management Services - Serviços Aeronáuticos LTDA (empresa detentora de Especificações Administrativas, certificada pela ANAC para operar sob as regras da Subparte K do RBAC nº 91), uma vez que que a aeronave envolvida possuía 2 (dois) operadores distintos. Tal questão é esclarecida pela própria Recorrente na defesa prévia (SEI 10689592), ao afirmar que: “a aeronave estava sendo operada pela VOAR, registrada como operadora no RAB...”. Desta forma, tendo em vista o operador responsável pelo voo, resta claro que a operação não se enquadra sob as regras da Subparte K do RBAC nº 91, que versa sobre as operações de aeronaves de propriedade compartilhada.
Tratando da remuneração pelo voo, a Recorrente não nega na peça recursal (SEI 11928522) que existiu o repasse de valores financeiros por parte do passageiro, cooperado da proprietária/operadora da aeronave que realizou o voo. Além disso, alega que esses valores não seriam uma remuneração pelo voo, mas tão somente um rateio proporcional de custos. Inclusive, por meio da Petição (SEI 10069625), a Recorrente detalha tal aspecto de sua operação/modelo de negócios, alegando que “a Voar não é remunerada pelos voos realizados por seus cooperados, seus respectivos familiares, convidados e funcionários. Somente as despesas incorridas na realização dos voos são reembolsadas pelos cooperados, nos exatos termos do RBAC 91, Subparte F". (grifo nosso).
Diante das citadas afirmações da Recorrente e o contexto da ocorrência apresentada pela equipe de fiscalização, entendo haver elementos suficientes nos autos para ratificar que os passageiros da aeronave PR-GCR, no dia 29/02/2024, realizaram pagamento indevido pelo voo, nos termos da regulamentação vigente.
Ainda, sobre a alegação de que havia tão somente o reembolso de despesas por parte de um passageiro que, por sua vez, era cooperado da VOAR, mostra-se alinhado e correto o posicionamento exaurido no Voto (SEI 11836605), que aponta que tal tipo de pagamento não é permitido quando os passageiros não fazem parte da composição do conselho de administração ou diretoria ou demais situações abaixo que visam atender aos interesses da Cooperativa (Recorrente, operador da aeronave). Logo, o que se percebe é que o voo, objeto da autuação, por sua natureza e seus ocupantes, não contemplava as características necessárias para a cobrança de custos previstas na seção 91.501 do RBAC nº 91.
(b) As operações que não envolverem transporte comercial de pessoas e carga podem ser conduzidas conforme os requisitos desta Subparte em lugar dos requisitos dos RBAC nº 121, 129, 135 e 137. Entre essas operações se incluem:
...
(5) o transporte aéreo de executivos, convidados, empregados e bens de uma empresa em uma aeronave operada pela mesma empresa, ou por empresa líder ou subsidiária da mesma, desde que o voo tenha por objetivo atender aos interesses da empresa e que nada seja cobrado pelo transporte além dos custos da posse, operação e manutenção da aeronave; no entanto nada pode ser cobrado pelo transporte de um convidado da empresa, se o transporte não estiver ligado aos negócios dessa empresa; (Grifo nosso)
Ademais, como bem aponta a área técnica da SFI, por meio da Nota Técnica nº 16/2024/SFI (SEI 10586971), a regulamentação vigente permite que a aeronave de uma empresa seja utilizada, por exemplo, para o transporte de sócios para reuniões com clientes ou para eventos correlatos à sua finalidade empresarial, no entanto, tal operação não pode se tornar a atividade-fim da empresa, como é o caso da Recorrente, cujo modelo de negócio visa, prioritariamente, ser uma alternativa às empresas de táxi aéreo. Desta feita, o caso apresentado não se amolda aos regulamentos desta Agência ao se permitir que uma cooperativa - cuja finalidade social é prover serviços de transporte aéreo para seus inúmeros cooperados - empregue, indiscriminadamente, suas aeronaves a favor de todos seus filiados mediante pagamento, qualquer que seja.
Destaca-se também que a presente discussão possui similaridades relevantes com caso deliberado recentemente por este Colegiado no âmbito do processo nº 00058.068884/2024-10, que considerou a ocorrência de transporte aéreo clandestino na atuação de uma associação, sem fins lucrativos, operadora de aeronaves, que oferecia voos a quaisquer um de seus associados mediante reembolso de custos. Em tal deliberação, unânime, o Voto DIR-TP (SEI 11772931) foi claro ao apontar a ocorrência de “abuso das formas jurídicas” para alterar definições essenciais aos entes característicos da legislação aeronáutica. A título exemplificativo, omite-se o termo característico “passageiro” ou “passageiro pagante” para dar lugar a figura de um “associado” ou, no caso em tela, “cooperado”, com vínculo à organização meramente formal.
Na mesma linha abordada pelo Voto já citado, ao arrepio da regulamentação, a VOAR Cooperativa (Recorrente) pode vir a possuir centenas ou milhares de cooperados, alguns com a finalidade de realizar poucos ou até mesmo um único voo. Logo, neste caso concreto, o que ocorre na prática é o fracionamento indiscriminado da propriedade e/ou utilização de uma ou mais aeronaves, de forma a mascarar indivíduos na forma de proprietários, quando na verdade são apenas “passageiros pagantes’’, sem quaisquer direitos ou gerência sobre as aeronaves operadas pela Recorrente.
Passando a tratar da alegação da Recorrente de ter realizado consulta à ANAC para verificar a regularidade de seu modelo de negócios e de suas operações, verifica-se que tal consulta (SEI 10441226) foi protocolada na Agência apenas em 19/08/2024, oportunidade na qual a Recorrente já havia sido notificada e instada a se manifestar no processo de apuração de ilícito nº 00058.021991/2024-84, por meio do Ofício nº 371/2024/GTFI/GEOP/SFI-ANAC (SEI 9934682), de 20/04/2024. Assim, observa-se que a Recorrente consultou sobre a regularidade de sua conduta somente após esta já estar sendo objeto de apuração por parte da Agência. Portanto, a consulta se revelou absolutamente extemporânea à condução da operação aérea em deliberação.
Inclusive, em resposta à consulta da Recorrente, a ANAC encaminhou o Oficio nº 18/2025/GTNO-GNOS/GNOS/SPO-ANAC (SEI 11424508), em 15/04/2025, confirmando que a VOAR Cooperativa não pode realizar voos para seus cooperados sob o RBAC 91, pois, a VOAR não é autorizada a operar como administradora de programa segundo a Subparte K do RBAC nº 91, nem é uma operadora certificada para realizar voos sob o RBAC nº 121 ou 135, de forma que seus voos devem se limitar aos chamados "voos administrativos", ou seja, limitado e em benefício da própria cooperativa, por membros do conselho de administração, diretoria, conselheiros, enfim, membros que atuam na representação e interesses da cooperativa, tal como ocorreria em qualquer outra sociedade empresarial, mas não podem ser feitos em benefício dos cotistas (cooperados).
Portanto, ao se analisar o contexto da ocorrência e a documentação do processo em face da regulamentação vigente, verifica-se que a operação realizada pela Recorrente foi devidamente classificada pelas instâncias julgadoras anteriores como exploração de serviço aéreo sem autorização desta Agência, por meio da realização de transporte aéreo clandestino de passageiro.
Por fim, em relação a sanção de multa aplicada à VOAR Cooperativa, entende-se correta a Decisão recorrida (11869406), proferida nos termos do Voto CJIN (SEI 11836605) no que se refere à não aplicação de circunstâncias atenuantes ou agravantes e à consequente fixação do valor de multa no seu patamar intermediário, conforme estabelecido na Resolução ANAC nº 472/2018.
dO VOTO
Ante o exposto, VOTO PELO CONHECIMENTO DO RECURSO e, no mérito, por NEGAR PROVIMENTO, mantendo as decisões de primeira e segunda instâncias (10694679 e 11869406), que aplicaram multa em desfavor da VOAR - COOPERATIVA DE USUARIOS DE AERONAVES EM REGIME DE PROPRIEDADE COMPARTILHADA LTDA, no valor de R$ 140.000,00 (cento e quarenta mil reais), patamar médio, ante a ausência de circunstâncias atenuantes e agravantes, por explorar serviço aéreo sem autorização, realizando Transporte Aéreo Clandestino de Passageiro - TACA Pax, em descumprimento ao disposto na Resolução ANAC nº 472/2018, Anexo II, cód. ESA (i.1).
É como voto.
LUIZ RICARDO DE SOUZA NASCIMENTO
Diretor
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