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Voto

PROCESSO: 00065.020384/2024-16

INTERESSADO: EDUARDO FERREIRA DA SILVA

RELATOR: TIAGO SOUSA PEREIRA

 

DA COMPETÊNCIA

A Lei nº 11.182, de 27 de setembro de 2005, em seu artigo 8º, estabelece a competência da Agência para regular e fiscalizar, entre outros aspectos, os serviços aéreos, a segurança da aviação civil e a habilitação de tripulantes; reprimir infrações à legislação e aplicar as sanções cabíveis; bem como decidir, em último grau, sobre as matérias de sua competência. Em seu artigo 11, inciso VIII, o referido diploma legal atribui à Diretoria a competência para apreciar, em grau de recurso, as penalidades impostas pela ANAC.

 

Por seu turno, o Regimento Interno da ANAC, Anexo à Resolução nº 381, de 14 de junho de 2016, em seu artigo 9º, inciso XXVIII, atribui à Diretoria da ANAC, em regime de colegiado, analisar, discutir e decidir, em instância administrativa final, as matérias de competência da Agência, bem como julgar, em segunda instância administrativa, os recursos interpostos às sanções de suspensão ou cassação, com ou sem cumulação de sanção pecuniária, aplicadas em primeira instância administrativa.

 

Adicionalmente, a Resolução nº 472, de 6 de junho de 2018, em seu artigo 46, estabelece a competência da Diretoria para apreciar, em última instância administrativa, o recurso administrativo no âmbito de processos administrativos sancionadores que resultarem em sanções de suspensão, de cassação ou multa acima de R$ 100.000,00 (cem mil reais), cuja admissibilidade tenha sido aferida pela autoridade competente para julgamento em instância anterior.

 

Nesse sentido, resta evidente a competência da Diretoria Colegiada da Agência para analisar e julgar o presente recurso administrativo.

 

DA ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO

Da análise dos autos do processo, observa-se que o aeronauta foi regularmente notificado da lavratura do auto de infração em seu desfavor através de edital de intimação, publicado em 19 de novembro de 2024, ocasião em que lhe foi oportunizado prazo para apresentação de defesa prévia, apesar de ter permanecido silente – prerrogativa que lhe assistia.

 

Em todo caso, é preciso deixar claro que a notificação sobre a autuação por publicação oficial somente ocorreu após terem sido frustradas todas as tentativas de notificação via postal e esgotadas as opções constantes nos cadastros desta Agência, considerando que, até aquela ocasião, o recorrente ainda não estava cadastrado e apto a receber comunicações na modalidade eletrônica.

 

Após a decisão de primeira instância, o recorrente também foi notificado por edital de intimação, publicado em 14 de fevereiro de 2025. Esta notificação editalícia especificamente, no entanto, foi considerada nula, posto que o recorrente, desta vez, já estava cadastrado no Sistema Eletrônico de Informações (SEI), como usuário externo, desde 6 de janeiro de 2025.

 

Após ter sido tornada sem efeito esta notificação por edital e todos os demais atos que dela decorreram, procedeu-se a sua notificação na modalidade eletrônica para apresentação de recurso administrativo, que, por seu turno, foi apresentado pelo recorrente e admitido pela área competente. O curso dos atos, portanto, confirma a observância do contraditório e da ampla defesa, bem como do devido processo legal, não sendo possível cogitar a nulidade da decisão de primeira instância.

 

Ao contrário do que alega o recorrente, não houve nulidade na notificação da lavratura do auto de infração através do edital de intimação, posto que, como dito, foram esgotadas na ocasião todas as tentativas possíveis de intimação para apresentação de defesa prévia, e o recorrente, de fato, ainda não estava cadastrado e apto a receber comunicações na modalidade eletrônica – o que somente aconteceu em 6 de janeiro de 2025.

 

O recorrente também sustenta que houve prescrição da pretensão punitiva, erro na capitulação da infração e bis in idem em face da cumulação entre as penas pecuniária e restritiva de direitos. Nenhum desses argumentos, contudo, merece prosperar, sem falar que já foram exaustivamente tratados em sede de primeira instância administrativa.

 

Quanto ao suposto erro na capitulação, ressalto que a inserção de informações de voo na CIV Digital, assim como sua apresentação na instrução de processo de certificação visando obter licença ou habilitação, implica no fornecimento dessas informações à ANAC por parte do aeronauta. Uma vez não encontrando correspondência nos documentos ou declarações pertinentes, especialmente nos diários de bordo das aeronaves envolvidas, considera-se configurada a infração consistente no “Fornecimento de dados, informações ou estatísticas inexatas ou adulteradas” prevista no artigo 299, inciso V, do Código Brasileiro de Aeronáutica, combinado com o Anexo I da Resolução nº 472, de 2018.

 

Acompanho também as considerações já apresentadas na decisão de primeira instância, no que se refere à aplicação do prazo prescricional de 8 (oito) anos, em alinhamento ao prazo previsto na legislação penal para o crime de falsidade ideológica. Conforme exposto pela área técnica, tal entendimento, já confirmado pela Diretoria da ANAC, também foi sustentado por jurisprudência em decisões proferidas em processos judiciais análogos, restando fundamentado, assim, o afastamento da aplicação do prazo quinquenal.

 

Ademais, a possibilidade de combinação da pena pecuniária com a pena restritiva de direitos não configura bis in idem e está prevista no artigo 35, caput e §2º, da Resolução nº 472, tendo-se em conta a gravidade dos fatos, caracterizada pela utilização de horas de voo comprovadamente falsas para obtenção de licenças e habilitações junto à Agência, o que se traduz no desrespeito ao dever de boa-fé e lealdade que deve reger as relações entre administrado e Administração.

 

No que concerne à materialidade, diante dos elementos probatórios juntados aos autos, a SPL concluiu que o aeronauta registrou em sua Caderneta Individual de Voo (CIV) Digital 31 (trinta e um)​ voos, dos quais 20 (vinte) voos sob a aeronave PT-JJD (papa, tango, juliet, juliet, delta), 9 (nove) voos sob a aeronave PT-IHE (papa, tango, india, hotel, echo), 1 (um) voo sob a aeronave PT-NYQ (papa, tango, november, yankee, quebec), e, por fim, 1 (um) voo sob a aeronave PR-AGN (papa, romeu, alfa, golf, november), todos sem correspondência com os respectivos diários de bordo, ou negados pelo operador da aeronave, perfazendo um total de 47:24h de experiência de voo sem correspondência com a realidade (SEI 11115505).

 

Instado a se manifestar sobre as declarações de instrução enviadas à ANAC, o Aeroclube de Piracicaba esclareceu que o aeronauta não foi seu aluno, não fez nenhuma hora de voo em suas aeronaves e que, portanto, as informações apresentadas por ele são falsas. O aeroclube negou também que o instrutor de voo Sr. Rafael Mendes teria ministrado, ao aeronauta, instrução de voo na aeronave PT-IHE (papa, tango, india, hotel, echo) (SEI 10099818).

 

Cabe destacar também que o aeronauta apresentou Fichas de Avaliação de Piloto (FAP) falsas no âmbito do Sistema Integrado de Informações de Aviação Civil (SINTAC), referentes aos voos na aeronave PT-NYQ (papa, tango, november, yankee, quebec), de uma hora de duração, e na aeronave PR-AGN (papa, romeu, alfa, golf, november), de uma hora e meia de duração, com os quais obteve, de forma indevida, respectivamente, a revalidação de sua habilitação para monomotor terrestre (MNTE)[1], assim como a concessão da licença de piloto comercial de avião (PCM), juntamente com as habilitações para multimotor terrestre (MLTE) e para voo por instrumentos na categoria avião (IFRA)[2].

 

Diante desses elementos, em 5 de fevereiro de 2025, a primeira instância aplicou sanção pecuniária no valor total de R$ 11.200,00 (onze mil e duzentos reais), cumulada com sanção restritiva de direitos, na forma de cassação de todas as licenças e habilitações a elas averbadas (SEI 11115505).

 

Ainda que a licença de piloto privado de avião (PPR) tenha sido preservada em virtude da nulidade da notificação editalícia da decisão de primeira instância, observa-se que a habilitação de MNTE está vencida desde outubro de 2017; e que tanto a licença de PCM quanto as habilitações MLTE e IFRA foram anuladas, em decorrência da própria nulidade dos registros de voo falsos apresentados pelo aeronauta, conforme determinado pelo Despacho Decisório nº 217 do Gerente de Certificação de Pessoal (SEI 9392420).

 

No cenário que se apresenta, manifesto concordância com toda a análise e fundamentação da decisão de primeira instância, que exauriu a autoria e materialidade da infração cometida pelo aeronauta. Por outro lado, com relação à dosimetria das sanções pecuniária e restritiva de direitos, entendo cabível uma análise mais detida sobre os elementos do processo, sobretudo frente às últimas decisões do Colegiado que se alinham a uma abordagem mais responsiva, na tentativa de garantir uma atuação regulatória mais escalonada e ajustada às particularidades de cada situação.

 

Ainda que seja inegável a gravidade da conduta apurada, entendo que o caso demanda ponderação sobre os seguintes pontos: (i) as horas irregulares não foram utilizadas para a obtenção da licença de PPR e habilitação MNTE, totalizando 175 horas em comando, sem evidências de fraude; (ii) o aeronauta apresentou Termo de Cessação de Conduta (TCC), comprometendo-se a cessar e a não repetir a infração cometida, colocando-se à disposição para as medidas necessárias a arrostar qualquer irregularidade que venha a ser identificada pela Agência; (iii) em recurso, o aeronauta não negou os fatos a ele imputados, e solicitou, subsidiariamente, o parcelamento da multa, evidenciando disposição para a quitação do débito e o encerramento do processo; e (iv) conforme sua CIV Digital, na data da concessão da licença PCM (em 22/03/2016), desconsiderando-se as 47:24h lançadas irregularmente, o recorrente dispunha de 196:30h, o que corresponde a 98% da experiência mínima de voo para concessão da licença de PCM.

 

É evidente que a fraude em registros de voo atenta contra o sistema regulatório da agência, de modo a ensejar reprimenda suficiente para alcançar o efeito preventivo ou pedagógico, seja na esfera individual, através da reeducação do regulado infrator, seja sob a perspectiva geral, desencorajando a prática da infração pelos demais regulados em situação análoga. Nesse sentido, os princípios da regulação responsiva vêm sendo aplicados para auxiliar na dosimetria das sanções restritivas de direitos, indo além da capitulação da infração – ou seja, da natureza do requisito infringido, e adentrando em aspectos como o perfil do regulado, o contexto do ato infracional e os danos ao setor regulado.

 

Caracterizado o contexto do ato infracional e o perfil do regulado, além da identificação da sua disposição em adotar as medidas necessárias para retorno à regularidade e pagamento do valor da sanção pecuniária, avalio que a medida corretiva adequada para cumprir os objetivos sancionatórios e educativos é aplicar a penalidade de suspensão punitiva da licença de PPR e habilitações a ela averbadas, conforme dosimetria da Resolução nº 472, de 2018, e aplicar a penalidade de cassação (ou de seus efeitos) sobre a licença de PCM e habilitações de MLTE e de IFRA.

 

Dessa forma, o recorrente somente poderá requerer a licença de PCM e as habilitações de MLTE e IFRA, após decorridos pelo menos 2 (dois) anos da data do ato administrativo que o notificou da aplicação dessa penalidade, e desde que fique comprovado que os motivos que levaram à cassação não mais existam ou não produzam mais efeito, nos termos do item 61.13 (c) do RBAC nº 61.

 

Assim, com base no artigo 37 da Resolução nº 472, de 2018, a quantificação do período a ser suspenso deve partir de 60 (sessenta) dias, com abatimento de 20 (vinte) dias em razão da presença de atenuante ou acréscimo de 20 (vinte) dias para cada agravante. Valendo-se da análise realizada pela primeira instância, verifica-se presente uma circunstância atenuante e nenhuma agravante, de maneira que a penalidade de suspensão deve ser fixada em 40 (quarenta) dias.

 

Quanto à sanção pecuniária, como já expressei anteriormente, assinto com a decisão de primeira instância, mantendo a aplicação de multa no valor de R$ 11.200,00 (onze mil e duzentos reais), calculada conforme metodologia constante do art. 37-B da Resolução nº 472, de 2018, para as 16 condutas infracionais referentes ao lançamento de 47 (quarenta e sete) horas e 24 (vinte e quatro) minutos de voo irregulares em sua CIV Digital.

 

DO VOTO

Ante o exposto, VOTO pelo conhecimento do recurso administrativo interposto por EDUARDO FERREIRA DA SILVA – CANAC 142092 e, no mérito, PELO PROVIMENTO PARCIAL, mantendo a sanção pecuniária aplicada pela decisão em primeira instância no valor total de R$ 11.200,00 (onze mil e duzentos reais), cumulada com a sanção restritiva de direitos, na forma de suspensão punitiva da licença de PPR e habilitações a ela averbadas pelo prazo de 40 (quarenta) dias, bem como de cassação da licença de PCM e habilitações de MLTE e de IFRA nos termos do item 2.18 deste Voto.

 

Encaminhe-se os autos à ASJIN e à SPL para a adoção imediata das providências cabíveis.

 

TIAGO SOUSA PEREIRA

Diretor

 

[1] Processo 00065.145066/2015-68.

[2] Processo 00065.033450/2016-08.


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Documento assinado eletronicamente por Tiago Sousa Pereira, Diretor, em 07/10/2025, às 12:45, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 4º, do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020.


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  SEI nº 12114895